TRIBUTAÇÃO E IGUALDADE DE GÊNERO: UM OLHAR SOBRE DIREITOS HUMANOS
Neste artigo, descreve-se, inicialmente, a condição feminina considerando a experiência brasileira e as perspectivas de Jean Paul Sartre e Amartya Sen. Em seguida, analisa-se a classificação dos tributos, sua vinculação à atuação do Estado e em relação à sua pessoalidade. Analisa-se a tributação pelo imposto de renda e sua relação com o gênero.
Conclui-se ao final que deve ser problematizada uma dedutibilidade maior das despesas do imposto de renda para mulheres para mediação e equivalência de equidade de gênero, no sentido de uma reparação dos ultrajes do tempo vinculado aos Direitos Fundamentais e Humanos daquelas que experenciam a condição feminina na contemporaneidade.
Por Fabio Pugliesi, Micheline Ramos de Oliveira e Maria Cláudia da Silva Antunes de Souza*
1. Introdução.
Este artigo adota, como pressuposto, a ideia que uma tributação diferenciada para as mulheres, pode equacionar os “excedentes” de uma memória coletiva, da qual somos também responsáveis, no sentido de reparação dos “ultrajes do tempo” em relação a um fenômeno, desigualdade de gênero, que por vezes pode cair no esquecimento quando tratamos da fundação e porque não, reprodução, manutenção e duração de nossa sociedade.
Nos propomos aqui a pensar gênero como um processo imbricado pelas relações de poder, onde as diferenças sexuais são também construídas nos discursos dessas relações. Assim, entendemos que o que se compreende sobre homem e mulher é variável, e se constrói nas relações, nas diferenças perceptivas e legitimadas pelas relações de poder (SCOTT, 1994, p. 88).
Vislumbrando isso, torna-se pertinente discutir gênero em relação ao direito tributário e aos direitos humanos, assim, decorre este artigo da relevância da alteridade com a condição masculina (OLIVEIRA, 2009, p. 203-209), bem como do reconhecimento que a moeda, por ser o objeto em torno do qual se organiza a tributação (PUGLIESI, 2010, p. 39-48), pode garantir o aumento das possibilidades daquelas que se consideram na condição feminina, quando reduzida a tributação a seu favor.
Considerando isto, neste trabalho analisamos a possibilidade da promoção da igualdade de gênero por meio da tributação, promovendo-se a capacidade econômica das mulheres, segundo a terminologia de Amartya Sen.
Além disto, este artigo propõe-se a servir de subsídio de uma política tributária que diminua esta assimetria, reconhecendo que a igualdade formal da legislação tributária afasta-se dos objetivos da CRFB.
Aceita-se que todos devem pagar tributos, em decorrência da regra que veda a discriminação entre brasileiros, contida no artigo 19 da Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB.
Decorre disto a disposição que veda “tratamento desigual entre contribuintes, que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos”, contida no artigo 145 da CRFB (AMARO, 2005, p. 135).
Todavia, a força normativa da CRFB determina que a concretização dos direitos fundamentais deva relacionar-se com a capacidade das pessoas pagarem tributo, mas também para garantir a igualdade de chances (HESSE, 1991, p.65).
Poder-se-ia argumentar que políticas públicas destinadas a amenizar a desigualdade de gênero por meio de prestações ativas do Estado podem ser mais eficazes para redução da desigualdade e a inclusão das pessoas discriminadas em razão do gênero.
Aqui a perspectiva que se propõe é o empoderamento feminino que, por meio de uma redução de tributos, pode garantir uma melhoria da condição feminina com o aumento da renda disponível.
Observado que a Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB, em seu artigo 145, dispõe que os impostos devem ter caráter pessoal, segundo a capacidade econômica das pessoas, impõe-se analisar como este dispositivo relaciona-se com a condição feminina e objetivo de redução da desigualdade de gênero.
Desta forma, inicialmente analisamos antropologicamente a condição feminina, partindo de um diálogo entre o pensamento de Amartya Sen e Jean Paul Sartre, bem como as vicissitudes relacionadas ao ser mulher na contemporaneidade, focalizando os impactos no orçamento da mulher para situar-se, sem negar a diferença, numa relação de equidade ao homem, para a conquista de seu empoderamento em uma sociedade que historicamente a subjuga.
Em seguida, analisamos a classificação dos tributos, segundo sua vinculação à atuação do Estado e em relação à sua pessoalidade, a tributação pelo imposto de renda e por fim, analisamos a tributação e gênero no imposto de renda.
2. Um diálogo entre Amartya Sen e Jean Paul Sartre aplicado à condição feminina.
Embora Gilberto Freyre tenha sido muito criticado pela ideia de miscigenação na sua forma de descrever a formação da sociedade brasileira, o autor aponta a violência e o terror dos portugueses contra os povos indígenas, em particular, o estupro das índias, o genocídio, as revoltas e a violência dos gestos de imposição de tal “civilização” (FREYRE, 2002, p. 38-52; HOLANDA, 2009, p. 85-97; DA MATTA, 1983.p. 125-137; OLIVEN, 1982. p. 13-25; ROCHA, 1994, p.215-235).
Verifica-se que o valor-família, o “valor-trabalho”, o “valor-maternidade”, pesam nas trajetórias das mulheres brasileiras.
A desigualdade de gênero, nos termos de uma tragédia da cultura, re-situa parte dos jogos de memória dos conflitos-violentos como parte integrante dos arranjos sociais na sociedade brasileira. Nesse sentido, as práticas culturais objetivas, autorizadas pelo Estado, estão entremeadas por múltiplas e díspares experiências subjetivas das violências ordenando a vida cotidiana das mulheres, dos laços de parentesco em suas famílias, tecendo os laços de vizinhança nos seus bairros e enlaçando suas relações pessoais, profissionais, afetivas e sexuais.
A fim de avaliar a importância do empoderamento feminino, tecemos um diálogo entre o conceito de capacidade proposto por Sen e a discussão de campo de possibilidades vinculado à noção de projeto, problematizada por Sartre (SARTRE, 2005, p. 35-74), por permitirem identificar o desvelamento das mazelas das mulheres, bem como apresentar meios para a sua superação.
Na década de 50, em seu clássico “Segundo Sexo”, Simone de Beauvoir denunciou a relação hierárquica entre homens e mulheres e os padrões culturais forjados historicamente nas esferas públicas e privadas.
Esse discurso é composto categoricamente por um campo de possibilidades restrito, isso significa dizer que os projetos de futuro das mulheres, já em sua formatação original, sofrem restrições “estruturais” que a antropologia existencialista de Sartre propõe transcender.
A antropologia existencialista, segundo Sartre, estabelece que a liberdade permite que o ser humano crie a si mesmo e os objetos exteriores a ele.
Por sua vez, Amartya Sen entende que aumento de bem-estar da condição feminina deve garantir às mulheres meios para superar a desigualdade e, com maior renda disponível, garantir o papel ativo feminino na condição de agentes da mudança (SEN, 2010, p. 251-253).
Adota-se a proposta de Amartya Sen para transcender as limitações de nossas perspectivas posicionais (SEN, 2009) ao se adotar a perspectiva da condição feminina por meio da qual se busca ver o papel da mulher além de sua perspectiva na procriação, considerando portanto o papel do desejo sexual, segundo Freud, que se sabe diverso da perspectiva feminina.
Assim não se pode limitá-lo às condições existentes, mas transcende e, segundo Sen, tem um papel de agente de mudança.
Em um mundo em que mulheres são historicamente ensinadas para “não ação”, ou para um agir condicionado a um padrão que as inferioriza, a injustiça tributária e todas as suas consequências restritivas para as escolhas das mulheres, torna-se um fenômeno político, social, econômico e cultural que demanda grande urgência de debate.
Para ilustrar este tema é importante salientar que a violência de gênero é uma das três modalidades de violências criminosas circunscritas no Brasil, essas que estão diretamente relacionadas à dupla mensagem pelas quais somos submetidos culturalmente, no que diz respeito à primazia do relacional sobre o individual e do hierárquico sobre o igualitário.
Assim, pode o acréscimo da renda da mulher proporcionar meios para criar um contrapoder a tal violência, uma vez que ocorre também nos setores sociais com capacidade contributiva para pagar tributos.
Observa-se que a condição feminina transcende o papel da mulher na procriação, uma vez que se reconhece nesta condição às homossexuais que se atribuem o papel de mulher.
Assim, a condição feminina vai além da mulher para incorporar os transsexuais, travestis e múltiplas configurações de gênero que se identifiquem com esta condição, assim devem ser considerados os gastos para a aceitação social e as atribuições da maternidade.
3. Classificação dos tributos e igualdade tributária.
Os tributos constituem uma prestação em moeda que o particular leva ao Estado, segundo o estabelecido em lei que deverá especificar todos os aspectos da prestação.
Daí alguns tributos serem vinculados e outros não a uma atuação do Estado para sua exigência.
Assim, as taxas e as contribuições de melhoria encontram-se vinculadas a uma atuação estatal para verificar a compatibilidade com o ordenamento jurídico do exercício de um direito ou de uma liberdade (taxas relativas ao poder de polícia), prestação de serviço público divisível (taxas relativas à prestação de serviço público), bem como a valorização de imóvel decorrente de obra pública (contribuição de melhoria).
A par destas espécies tributárias têm-se as contribuições no interesse de categorias profissionais ou econômicas, de intervenção no domínio econômico, bem como as sociais. Todas se referem a uma atuação indireta do Estado em relação ao contribuinte.
Por sua vez, os impostos são a espécie tributária que não se referem a uma atuação do Estado em relação ao contribuinte. Os impostos podem ser analisados, em relação aos seus efeitos de diferentes ângulos. Os impostos podem ser diretos quando a situação tributada se refira à renda do contribuinte e os indiretos quando se refiram ao consumo.
Os segundos, pagos pelo chamado “contribuinte de direito”, referem-se à hipótese em que se transfere o encargo financeiro do tributo para o chamado contribuinte de fato, o consumidor, portanto.
Ainda que o Supremo Tribunal Federal nas ações diretas de inconstitucionalidade ns. 4697 e 4762 autorize a progressividade que, na área tributária, veicula o fundamento da redução das desigualdades sociais, deter-se-á no imposto de renda pelos motivos que se verão a seguir.
4. Tributos e as limitações constitucionais ao poder de tributar.
A exigência de parcela do patrimônio do particular constitui um pressuposto para sua manutenção e prestação de serviços públicos (ELIAS, 1993, p. 171-190).
Assim, não é CRFB que atribui o poder de tributar, mas este é inerente ao Estado e a Constituição o limita, define e condiciona.
Além do princípio da legalidade tributária, decorrente da representação política para a exigência de parcela do patrimônio do particular, e da anterioridade anual que determina que não pode ser instituído e aumentado tributo no mesmo exercício em que foi publicada a lei que o instituiu ou o aumentou, a CRFB estabelece
outros critérios.
A CRFB estabelece o princípio da igualdade tributária que veda o tratamento desigual entre contribuintes que estejam em situação equivalente, proibindo qualquer distinção, por exemplo, em razão profissional ou função por eles exercida, segundo o disposto no artigo 145.
Este dispositivo, porém, deve ser considerado em conjunto com o fundamento da CRFB que determina a redução das desigualdades sociais e regionais, contido no artigo 3.
Visto que as instituições sociais que constituem a estrutura básica da sociedade geram fontes de desigualdade que não podem ser aceitas por uma ordem social justa, além das no artigo 145 da CRFB, acima aludido, demonstra-se mencionadas.
Uma tributação menor para os que se encontram na condição feminina veicula uma justiça distributiva na tributação, uma vez que inexiste uma justificativa socialmente aceita para terem capacidades mais restritas (RAWLS, 1997).
Os bens, direitos e rendimentos dos que se encontram na condição feminina não diferem dos demais contribuintes, logo não é possível haver uma diferenciação de alíquota sobre a base de cálculo a que os homens estão sujeitos.
Observado que o princípio da legalidade tributária se refere à capacidade contributiva, cuidado para se tributar uma riqueza econômica por ocasião da ocorrência de um fato gerado; a CRFB prevê, também, o princípio da capacidade econômica conjugado com a determinação que o tributo deve ter caráter pessoal sempre que possível.
Neste último caso, preocupa-se com a possibilidade de se evitar exigir tributos superiores aos meios de subsistência ou exercício dos direitos fundamentais.
A expressão “sempre que possível” tem gerado dúvidas sobre o seu alcance, considerando-se, para os fins do presente trabalho, que se refere a uma imposição ao legislador de aplicar a capacidade econômica quando se trata de impostos pessoais, como o imposto de renda, admitindo a existencia de impostos indiretos em que a aplicação deste princípio não é possível em razão do mecanismo de transferência do encargo financeiro à pessoa diversa do contribuinte.
Em vista disto, quando se trata de desigualdade de gênero, deve-se atentar que a exigência da justa tributação, no caso da CRFB, é a pessoal e observada a capacidade econômica.
Deve ser destacado que tais aspectos são confirmados e reforçados pela Recomendação n. 21 do Comitê do CEDAW-Convenção das Nações Unidas para a Eliminação de todas as formas de discriminação da Mulher que entrou em vigor em 3 de setembro de 1981 dispõe que, relativamente ao sistema tributário, as mulheres sejam tratadas em termos de igualdade em relação aos homens.
5. Imposto de renda e a progressividade na tributação
A progressividade da tributação e o imposto sobre a renda, por sua vez, constituem fenômenos indissociáveis desde o início dos governos social-democratas na Europa, como destaca Adam Przeworski (1988).
A nossa Constituição reflete isto ao estabelecer que o imposto de renda deve ser progressivo, embora não regule o alcance da progressividade.
Aos poucos o Supremo Tribunal Federal – STF tem aceitado a progressividade tributária para outros tributos. Embora este tribunal, antes da Emenda n. 29/2000, tenha considerado inconstitucional a progressividade do imposto predial e territorial urbano – IPTU.
Tal a força da ideia de progressividade, porém, que este julgamento levou à promulgação da Emenda n. 29/2000 que inseriu, na Constituição Federal, o dispositivo que autoriza a progressividade em razão do valor e por meio de alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel.
A aplicação deste dispositivo pelos municípios está longe de ser pacífica, o que tem gerado muita insegurança jurídica e requer uma definição no STF.
Em outra ocasião o STF, em um caso concreto, admitiu também a progressividade das taxas do poder de polícia, em razão de inexistir dispositivo constitucional que vede sua aplicação. Neste caso as empresas que tem um capital social maior devem pagar uma taxa maior para a Comissão de Valores Mobiliários – CVM.
Recentemente, em ação direta de inconstitucionalidade, o STF pacificou o entendimento que a progressividade aplica-se às contribuições profissionais e referiu, ainda, que esta deva ser aplicada a todos os tributos.
Desta forma pode-se considerar pacífica a ideia da progressividade do ponto de vista jurídico, mas permanece o debate sobre o grau e o melhor critério de sua aplicação.
Em vista da dificuldade para definir o grau da progressividade, opta-se para os fins deste artigo limitar-se ao imposto de renda.
Afinal existem diversas possibilidades que podem resultar em variação de renda e, desta forma, alterar o tipo de vida que uma pessoa pode ter, mas, do ponto de vista, para instrumentalizar a ação para igualdade de gênero, permanece o imposto de renda, ainda, o caminho mais consistente.
Ter mais ou menos renda não constitui um fim em si, mas um meio para garantir justiça em caso de heterogeneidade de idade, gênero e deficiência em regras gerais (SEN, 2009, p.25).
Além de promover as possibilidades da condição feminina, pode propiciar outra formas destas se relacionarem em sociedade e satisfazer a autoestima (SEN, 2009, p.57).
O imposto pessoal por excelência no Brasil é o imposto de renda, além de se verificar factibilidade de aplicar o princípio da capacidade econômica no Brasil.
O imposto de renda tributa o acréscimo patrimonial que resulta do saldo positivo entre as entradas e saídas do patrimônio do contribuinte, representado por qualquer espécie de direitos ou bens, de qualquer natureza ao longo de um período de tempo.
A renda constitui um meio útil para muitas finalidades proporcionando uma das bases para autoestima e outros bens que a mulher buscar, segundo os princípios de Justiça de John Rawls (1997, p. 28).
Muito importante a advertência de Edmar Oliveira Andrade Filho para a renda auferida no exterior que, embora tenha escrito pensando para imposto de renda das empresas, tem plena aplicação ao imposto de renda das pessoas físicas, ao referir que a lei presume um acréscimo patrimonial (ANDRADE FILHO, 2010, p. 26), dadas as dificuldades de não ser constatado concretamente por meio dos controles de arrecadação até agora e em respeito ao postulado que todos devem contribuir para as despesas públicas e o princípio da igualdade tributária.
Como enunciado a CRFB veda diferentes alíquotas sobre a mesma base de cálculo, logo há de se analisar a realização da justiça tributária do ângulo do esforço do contribuinte para obter o rendimento tributável.
Visto que o esforço para obtenção do rendimento refere-se ao acréscimo patrimonial deve decorrer da dedução do necessário para a subsistência do rendimento que o contribuinte aufira em determinado período conjugado com a factibilidade da tributação.
O Código Tributário Nacional consolidou em seu artigo 43 dois momentos para se considerar ocorrido o fato gerador: disponibilidade jurídica ou econômica da renda.
A disponibilidade econômica é o poder de dispor efetivo e atual de quem tem a posse direita da renda como o recebimento de uma obrigação em moeda à vista. A disponibilidade jurídica resulta de uma presunção legal e absoluta do poder de dispor da renda, uma vez que já se verificaram as condições para ser efetiva, faltando a ocorrência de um fato jurídico para o titular para que o titular tenha a posse da renda.
Observado que feriria o princípio da igualdade tributária, há de verificara questão sob o ângulo para se auferir renda.
Embora a tecnologia tenda permitir que se verifique até pessoalmente tais esforços mediante os controles de gastos de que dispõe a Administração Tributária, a tributação se ocupa da factibilidade no sentido do tributo ser fácil de cobrar e pagar, ademais que garanta uma regularidade na arrecadação de forma a proporcionar a previsibilidade da política econômica, como Fábio Pugliesi já destacou anteriormente (PUGLIESI, 2010, p. 50).
A legislação do imposto de renda, relativo às pessoas físicas, reconhece, sem distinção de gênero, repita-se, a dedução de determinadas despesas na apuração da renda tributável.
Assim se reconhece, no Brasil, em linhas gerais, que as contribuições previdenciárias, as despesas com saúde e educação do contribuinte e dos dependentes podem ser deduzidas da renda tributável para se obter o acréscimo patrimonial do contribuinte.
Para ilustrar nossa proposta, observa-se no imposto de renda na Argentina, que a característica mais notória da persistência da desigualdade é o congelamento da taxa de atividade feminina. O crescimento econômico, a maior oferta de postos de trabalho e a melhora relativa nos rendimentos não incentivaram a maior participação trabalhista feminina, mas, contrariamente, promoveram estratégias familiares que as excluem da atividade de trabalho. Esta situação não é homogênea por estrato de renda. No mercado de trabalho argentino, segue operando uma dupla discriminação: por gênero e por condição econômica das pessoas. A presença de crianças pequenas no lar continua sendo um dos condicionantes fundamentais para a inserção feminina no mercado de trabalho, o que se agrava quanto menor for o nível de renda familiar (JÁCOME; VILLELA, 2012. p. 21-68).
Neste aspecto resta evidente, em vista da exposição da condição feminina, ante o pressuposto de praticabilidade da tributação, que a dedução por dependente seja fixada em um valor maior do que para o homem, bem como seja fixada uma quantia relativa aos gastos exigidos para a aceitação social e autoestima da mulher ou daquela que se encontrar na condição feminina como os transsexuais.
Conclusão
Afinal, se Sartre constata que possibilidades restritas impedem uma confecção de projetos legítimos, Sen vislumbra caminhos para que ocorra uma reversão daquilo que podemos identificar como ultrajes do tempo relacionados à desigualdade de gênero e consequentemente o alcance dos direitos humanos para as mulheres.
Assim, neste artigo, por meio da análise dos fundamentos da tributação brasileira com base nas disposições da CRFB e do Código Tributário Nacional-CTN, em vista das disposições constitucionais, destacamos a ideia de progressividade, em particular a do imposto de renda.
Desse modo, propomos que, em função das origens de uma cultura nacional embrenhada em um patriarcalismo violento em oposição à idéia de “homem cordial” que é revelada pelos jogos de memória de nossas mulheres, conferimos pistas importantes para a defesa de que haja uma dedução presumida para as despesas para uma aceitação social e satisfação da mulher e as relativas à dedução por dependente devem ter um valor maior para a mulher e todas aquelas que se encontram na condição feminina.
Enfim, permitindo desta forma que se materialize o princípio da progressividade do imposto para as mulheres em razão da condição que se encontram para garantir a igualdade de gênero no Brasil contemporâneo e consequentemente a legitimidade dos ditos direitos humanos universais.
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Artigo originalmente publicado em Revista Direito UFMS
*Fabio Pugliesi Doutor em Direito pela UFSC. Mestre em Direito pela USP. Especialista em Administração pela EAESP-FGV. Professor adjunto da Escola Superior de Administração e Gerência da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).
Micheline Ramos de Oliveira Doutora e Mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora do Mestrado em Gestão de Políticas Públicas PMGPP/UNIVALI).). Professora do curso de Direito e Psicologia (UNIVALI). Professora da ITCP/UNIVALI. Pesquisadora associada ao grupo do CNPq NAUI (UFSC)- Núcleo de dinâmicas urbanas e patrimônio cultural.
Maria Cláudia da Silva Antunes de Souza Doutora e Mestre em Derecho Ambiental y de la Sostenibilidad pela Universidade de Alicante – Espanha. Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Professora no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica, nos cursos de Doutorado e Mestrado em Ciência Jurídica, e na Graduação no Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.