TRÁFICO DE ANIMAIS SILVESTRES. HÁ SAÍDA?
O MUNDO SE ORGANIZA (E O BRASIL SE DESORGANIZA), NO COMBATE A UMA DAS MAIORES ATIVIDADES CRIMINOSAS DO PLANETA
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
ESFORÇO MUNDIAL CONTRA O TRÁFICO INTERNACIONAL
Líderes de 46 países se comprometeram a ‘“tomar ações decisivas e urgentes” para combater o tráfico internacional de animais silvestres, firmando a “Declaração de Londres”, neste mês de maio de 2014, após dois dias de negociações a portas fechadas, na Inglaterra.
Pela Declaração de Londres, os países signatários unirão esforços para identificar e erradicar do mercado os produtos oriundos da caça ilegal, bem como estabelecerão acordos para implementar regras legais e promover alternativas econômicas sustentáveis que possam fazer com que populações locais se engajem na luta contra a caça e o tráfico de animais.
A Conferência contou com a participação do Príncipe Willian, herdeiro do trono da Inglaterra, na linha de sucessão do Príncipe Charles, que declarou desejar destruir a coleção de 1200 peças de marfim da Coroa Real – no Palácio de Buckingham, entendendo ser ela um dos maiores símbolos da caça indiscriminada de animais selvagens, tráfico de suas partes para fins econômicos e horrores agregados à toda essa atividade.
A reunião foi acompanhada por organizações não-governamentais como o Fundo Mundial para o Meio Ambiente (WWF) e a Traffic, rede internacional que monitora o tráfico de animais e plantas.
Entre os países que assinaram a declaração estão alguns dos mais impactados pela caça ilegal de elefantes, como a República Democrática do Congo, o Gabão, o Quênia e a Tanzânia. Togo, Filipinas, Malásia, que representam pontos de passagem do marfim que vai da África para a Ásia, também assinaram.
Subscreveram a Declaração África do Sul, Moçambique e Vietnã, afetados pela caça dos rinoceronte.
O destaque ficou para a participação da China, o maior mercado ilegal do marfim.
A Declaração de Londres representa o sinal positivo para um firme combate às redes organizadas criminosas que estão destruindo ícones mundiais da vida selvagem, desestabilizando a economia de nações inteiras e pondo em risco a segurança internacional.
Os líderes também concordaram em avançar a análise sobre as ligações entre o tráfico de marfim (negócio que gera U$ 19 bilhões por ano) com outros crimes organizados, como a corrupção e o terrorismo.
O BRASIL NA ROTA DO TRÁFICO
Considerado um dos cinco maiores fenômenos criminológicos em todo o mundo, o tráfico e comércio ilegal de animais silvestres ainda é visto, no entanto, como consequência do “hábito cultural” dos brasileiros, de amar a natureza engaiolando os animais.
Desconhece o mal que faz, aquele que adquire animais silvestres em feiras livres e locais de comércio ilegal, sem certificação da origem e autorização do IBAMA. O desejo de ter um bicho “diferente” em casa, por estima, é satisfeito às custas da mortandade em massa de muitos outros animais silvestres, no apanhe, depósito em condições aterradoras e transporte clandestino precário até o local da comercialização.
Quando retirados do seu habitat natural, os animais silvestres adoecem, não encontram alimentação adequada, vivem em espaço reduzido e ficam expostos à contaminação por doenças estranhas ao seu sistema imunológico, principalmente àquelas transmitidas por humanos, como é o caso da gripe e do herpes – inexoravelmente fatais. Por outro lado, há risco de ataques e de transmissão de inúmeras doenças, por parte de animais silvestres em relação aos seres humanos.
O crescente e constante tráfico ilegal dos animais traz consequências ambientais gravíssimas, acarreta distorções em ciclos ecológicos e risco de extinção de espécies – com consequências as mais variadas, inclusive econômicas.
O Brasil é um dos principais alvos dos traficantes da fauna silvestre em todo o mundo, devido a sua imensa biodiversidade.
Estima-se que o tráfico de animais selvagens movimente US$ 200 bilhões de dólares em todo o mundo, anualmente, colocando o fenômeno na terceira colocação dentre as maiores atividades ilícitas do mundo – só perdendo para o tráfico de drogas e o tráfico de armas.
De acordo com um levantamento realizado por organizações não governamentais, ligadas à defesa dos animais silvestres, concluiu-se que:
– No Brasil, 4 milhões de animais selvagens são traficados anualmente;
– Cada animal comercializado acarreta o custo médio de três animais mortos;
– De 10 animais traficados, apenas um sobrevive;
Segundo o IBAMA, os estados onde ocorrem a maior parte da captura ilegal de animais silvestres são o Maranhão, Bahia, Ceará, Piauí e Mato Grosso. Os estados com maior mercado consumidor, por sua vez, ficam na região Sudeste: São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
HÁ LEI, FALTA IMPLEMENTAÇÃO
A legislação ambiental brasileira considera os animais silvestre patrimônio público, sujeito à tutela da União Federal e demais entes federados.
A Lei nº 5.197/67, de proteção à fauna silvestre, proíbe a utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha do animal silvestre bem como de seus ninhos, abrigos e criadouros naturais, considerados propriedade do Estado Brasileiro. O caput do art. 29 da Lei nº 9.605/98 – Lei de Crimes Ambientais, determina pena de detenção de seis meses a um ano e multa para quem “matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida”.
A fauna silvestre integra, ainda, o patrimônio genético nacional e é elemento integrante do meio ambiente ecologicamente equilibrado, considerado bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida, conforme consta do art. 225 da Constituição Federal.
Apesar da proibição legal e da relevância criminológica do tráfico. A política de proteção à fauna silvestre no Brasil é absolutamente ineficaz.
As estimativas oficiais não são confiáveis. A principal e mais citada fonte de informação publicada foi produzida há mais de dez anos. Trata-se do 1º Relatório Nacional sobre o Tráfico de Animais Silvestres, lançado em 2002 pela Rede de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres – RENCTAS. Neste relatório, os autores estimaram que todos os tipos de exploração ilegal de animais silvestres seriam responsáveis pela retirada de 38 milhões de animais da natureza brasileira, número que não inclui peixes ou insetos.
Levantamentos de diferentes instituições governamentais, no entanto, como IBAMA e Polícia Militar Ambiental do Estado de São Paulo, ainda que não sistematizadas ou atualizadas, assustam pelo enorme volume de animais ilegalmente retirados, transportados, comercializados e mantidos em posse de terceiros.
Segundo um levantamento realizado pelo IBAMA em 2002, os Núcleos de Fauna e os Centros de Triagem de Animais Silvestres receberam um total de 44.355 espécimes provenientes de apreensões, sendo que destes, 82,71% eram aves, 13,75% répteis e 3,54% mamíferos. Já um levantamento realizado pela Polícia Militar Ambiental do Estado de São Paulo, com dados referentes ao ano de 2006, aponta a apreensão de 30.216 animais, sendo que destes, 26.313 eram aves.
Os dados demonstram uma distância crítica entre as ações policiais e de fiscalização preventivas, que deveriam ser adotadas no habitat natural das espécies animais vitimadas pelo tráfico, com a ações de repressão ocorrentes na outra ponta da rota, nos estados consumidores dos produtos.
De fato, por mais eficaz que demonstre ser a repressão policial na região destinatária das cargas, a ineficiência da fiscalização nos estados de origem dos animais traficados, transforma o serviço naquela primeira, em algo tão eficaz como enxugar gelo.
São Paulo, por exemplo, faz parte da 3ª fase da ação dos traficantes, o comércio – as duas primeiras são captura e transporte.
Conforme o Coronel PM Nomura, da Polícia Ambiental do Estado de São Paulo, “Quando falamos de tráfico de animais, a fase mais importante é a da captura, que não depende apenas do Estado de São Paulo, na medida em que maioria acontece em outros Estados. A nossa ação é dificultada porque não estamos presentes nessa primeira fase. Resta à polícia a atuação do transporte e no comércio.”
As polícias ambientais de cada estado, deveriam agir em conjunto, na elaboração de estratégias de ações nas três fases de ação dos traficantes: captura, transporte e comércio. Como não o fazem, o trabalho integrado acaba sobrecarregando IBAMA, a Polícia Federal e, na atividade de transporte, a Polícia Rodoviária Federal.
Pesquisas e levantamentos do tráfico, por região e por período do ano, considerando a época de acasalamento e reprodução das espécies mais atingidas pelo tráfico, facilitariam sobremaneira o trabalho de repressão policial.
ANIMAL APREENDIDO, O QUE FAZER?
Outro fator relevante na questão da apreensão dos animais, realizada pela polícia ambiental, é a destinação das espécies apreendidas: para onde levá-los?
Em matéria publicada em 2012 no Portal Ambiente Legal, o Cel. Milton Nomura, então comandante da Polícia Ambiental de São Paulo, informou que a destinação dos animais capturados havia ser tornado um grande desafio.
Na época, haviam sido apreendidos com traficantes cerca de 100 mil animais em todo pais. Em São Paulo, foram quase um terço dessas apreensões (27.686). Então, a principal atividade dos policiais, era a de a encontrar instituições que pudessem receber e dar tratamento adequado aos animais capturados, muitas vezes, percorrendo muitos quilômetros para isso, considerando que a legislação prevê que a destinação dos animais deve ser zoológicos ou instituições legalizadas.
NOVA RESOLUÇÃO CONAMA REVIVE O DEPÓSITO
A Resolução n° 457 do Conselho Nacional do Meio Ambiente, editada recentemente, no ano de 2014, trata da guarda provisória de animal silvestre apreendido, resgatado ou proveniente de entrega espontânea. Esta Resolução pretende justamente resolver o impasse dos depósitos de animais, buscando uma solução mais “humana” para o conflito.
O ponto mais contundente da Resolução é o Termo de Depósito de Animais Silvestres, que transfere ao cidadão comum a posse provisória de animais silvestres quando não houver condições de encaminha-lo para Centros de Triagem (CETAS), Centros de Reabilitação (CRAS) ou Zoológicos.
Com efeito, o estado precário dos Centros de Triagem e de Reabilitação, bem como a superlotação provocada pelo Estado nos zoológicos, já permite antever que a exceção se tornará regra. Dadas as mesmas circunstâncias, o termo provisório, automaticamente poderá se tornar indeterminado.
Entende a Associação Brasileira de Medicina Veterinária que a Resolução poderá “justificar” o crime ambiental, legalizando e estimulando a manutenção de animais silvestres adquiridos ilegalmente e incentivando a aquisição de outros pelos mesmos meios ilícitos.
A SAÍDA ESTÁ NA “HUMANIZAÇÃO” DO PROBLEMA?
“Do outro lado da questão, existem os defensores da manutenção de animais silvestres como animais de estimação, que alegam que este é um traço cultural do brasileiro e, como tanto, deveria ser preservado.
Há, também, uma corrente que propõe que animais silvestres sejam reproduzidos em cativeiro com fins comerciais, o que, de acordo com os defensores desta ideia, não apenas supriria a demanda por animais silvestres de estimação, como criaria uma indústria poderosa, que, entre outros benefícios, criaria empregos, geraria impostos e movimentarias indústrias relacionadas.”
Diferentemente dos animais domésticos, os animais silvestres não perderam suas características etológicas. Para eles qualquer restrição espacial é coação. Entretanto a cultura da domesticação de animais parece ser o polo de atração de parte do tráfico ilegal, o que suscitou o governo brasileiro a considerar a questão.
Conhecida como “2Pet”, o projeto de Resolução para animais passíveis de comercialização, em estudo no âmbito do Conselho Nacional do Meio Ambiente, pretende permitir a manutenção de animais silvestres como animais de estimação.
A resolução necessita, no entanto, de uma lista de animais passíveis de serem enquadrados no regime. Essa lista constitui o nó górdio, difícil de desatar, no âmbito do Ministério do Meio Ambiente.
A Resolução poderá regularizar um significativo grupo consumidor e, com isso, afetar os criadouros legalizados, que têm proporcionado no país a aquisição de animais silvestres de forma ética, moral e responsável, com origem conhecida.
Observou-se aumento considerável de aquisições a partir de criatórios comerciais legalizados. Daí porque o projeto 2Pet poderá representar um tiro no pé do combate ao tráfico ilegal, pois a criação comercial poderá ver-se desestimulada em face do apanhe regularizado.
Ademais, é preciso definitivamente acabar com a cultura de ter amor a um animal silvestre, encarcerando-o em casa…
Enfim, enquanto o mundo avança a passos largos no equacionamento de uma questão grave como é o tráfico internacional de animais silvestres, o Brasil não quantifica, não mapeia, pouco cadastra, e mal aplica a forte legislação que dispõe.
Matéria originalmente publicada em Ambiente Legal
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP) , sócio-diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Consultor ambiental, com consultorias prestadas ao Banco Mundial, IFC, PNUD, UNICRI, Caixa Econômica Federal, Ministério de Minas e Energia, Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, DNIT, Governos Estaduais e municípios. É integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Grupo Técnico de Sustentabilidade e Gestão de Resíduos Sólidos da CNC e membro das Comissões de Direito Ambiental do IAB e de Infraestrutura da OAB/SP. Jornalista, é Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal, Editor da Revista Eletrônica DAZIBAO e editor do Blog The Eagle View.