TAC permite solução célere tanto para o degradador quanto para o meio ambiente
Por Eduardo Coral Viegas*
Em uma de minhas últimas colunas, escrevi aqui na ConJur sobre o “papel da advocacia no inquérito civil em questão ambiental”[1]. Na ocasião, pretendi traçar linhas gerais sobre o assunto e demonstrar a importância do papel do advogado na fase extrajudicial, que abrange tanto o acompanhamento do inquérito civil (IC) quanto uma avaliação aberta em relação às vantagens (ou desvantagens), no caso, da celebração de termo de ajustamento de conduta[2] (TAC).
Nessa análise, o advogado deve ter em mente o foco de evitar que seu cliente responda a uma ação civil pública (ACP) e que, por sua atitude de disposição em resolver a questão por autocomposição, também possa vir a se beneficiar nas demais esferas de responsabilidade ambiental — criminal e administrativa.
A legislação prevê que o TAC pode ser celebrado a partir da iminência ou da existência de uma ação ou omissão — potencial ou efetivamente — violadora de direitos transindividuais.
Por seu intermédio, o responsável pelo fato assume o compromisso de evitar ou remover o ilícito, e/ou de reparar o dano; obriga-se formalmente a se ajustar às disposições normativas incidentes. Esse negócio jurídico tem eficácia de título executivo extrajudicial[3], nos termos do parágrafo 6º do artigo 5º da Lei 7.347/85[4].
Originalmente, a Lei da Ação Civil Pública (LACP) previa exclusivamente o inquérito civil e a ação civil pública. Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, foi acrescentado na LACP o instituto do compromisso de ajustamento de conduta.
Enquanto o IC somente pode ser instaurado pelo Ministério Público, a ACP pode ser ajuizada por órgãos públicos e por associações[5]. Por sua vez, têm legitimidade para serem tomadores do TAC todos os órgãos públicos legitimados para a ACP, ainda que sem personalidade jurídica (artigo 82, III, do CDC)[6], ficando assim excluídas as associações. Mas há aqui algumas peculiaridades que merecem atenção.
O MP tem legitimidade universal. Outros órgãos públicos, como o Ibama, devem respeitar a pertinência temática. Isto é, só pode firmar TAC em matéria ambiental, não em assunto consumeirista ou em outro sem relação com sua finalidade.
Entes estatais como empresas públicas, sociedades de economia mista e assemelhados podem ou não ser tomadores de TAC, conforme a situação. Se atuarem prestando ou explorando serviços públicos, têm legitimidade; mas se estiverem agindo no desenvolvimento de atividade econômica, em condições empresariais, não estarão autorizados a fazê-lo. De outra parte, no polo do “compromissário” podem figurar tanto pessoas físicas ou jurídicas de direito privado quanto órgãos públicos.
Na jurisprudência, verificamos que o STJ já teve a oportunidade de afirmar que o TAC é eficaz, mas não obrigatório: “No tocante à alegada obrigatoriedade de o Ministério Público propor Termo de Ajustamento de Conduta antes do ajuizamento da ação civil pública, o ordenamento jurídico brasileiro não confere ao referido instrumento o caráter obrigatório defendido pela recorrente, em que pese sua notória efetividade”[7].
Com o novo CPC, os métodos autocompositivos[8] ganharam destacada importância. O parágrafo 3º do artigo 3º determina a todos os operadores do Direito que adotem ações para resolução dos conflitos de forma colaborativa, “inclusive no curso do processo judicial”.
Pela redação da norma processual, verifica-se que a autocomposição deve preceder sempre que possível à ação judicial. Porém, já havendo processo em trâmite, o propósito de pacificação e resolução deve continuar presente, deixando-se a sentença para a última hipótese.
Em decorrência disso, quem detém legitimidade para a ACP não tem a obrigação de chamar o degradador ambiental para uma negociação antes do ajuizamento da ação; todavia, o ideal é que o faça sempre que viável.
De todo o modo, se não for proposto o TAC ou não for aceito, as partes ainda poderão pôr fim à controvérsia via acordo judicial. Na hipótese de TAC, evita-se a ação e forma-se o título executivo extrajudicial. Se o ajuste se der durante a tramitação da ACP, a decisão que o homologar gera título executivo judicial.
Uma questão que gera bastante dúvidas é a seguinte: ao firmar o TAC, o compromissário está confessando sua responsabilidade sobre os fatos? Formalmente não precisa constar no TAC qualquer tipo de admissão de culpa. Implicitamente, contudo, o ajustante está reconhecendo a ocorrência do fato, sua responsabilidade de alguma forma por sua ocorrência e se pondo à disposição para solucionar o problema.
Para os fins daquilo que está sendo subscrito na esfera cível, é irrelevante a confissão em si. O que importa é o estabelecimento das condições para cessação da conduta irregular e/ou a reparação do dano. Já no tocante aos efeitos do TAC nas áreas criminal e administrativa, podemos fazer uma analogia com a transação penal e a suspensão condicional do processo (SCP).
Em ambos os institutos está pacífico o entendimento de que não há admissão de culpa por aquele que celebra a transação ou a SCP. E por uma razão lógica: porque não houve coleta de provas e julgamento de mérito do caso. Para o TAC, acontece o mesmo, porquanto não é possível se imputar sanções administrativas ou penais sem o devido processo legal.
O instituto do TAC só está previsto em um parágrafo da LACP[9], e este tem uma linha. Ou seja, carece de regulamentação, detalhamento, o que pode dar margem a dúvidas procedimentais, arbitrariedades, nulidades. Porém, quem mais firma TACs na área ambiental é o Ministério Público, e existe uma resolução do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), com caráter vinculativo para os membros do MP, disciplinando suficientemente o TAC. Trata-se da Resolução 179/2017. Antes de sua vigência, normalmente o assunto era regulamentado por cada estado, através de ato dos respectivos conselhos superiores[10].
Sobre o assunto dos efeitos do TAC para o compromissário, destacamos na coluna anterior, referente ao IC, a seguinte regra da resolução do CNMP:
Art. 1º, § 3º A celebração do compromisso de ajustamento de conduta com o Ministério Público não afasta, necessariamente, a eventual responsabilidade administrativa ou penal pelo mesmo fato, nem importa, automaticamente, no reconhecimento de responsabilidade para outros fins que não os estabelecidos expressamente no compromisso (grifamos).
Então, ao menos para os ajustamentos firmados com o parquet, está claro que não há confissão. Mais do que isso. Se o CNMP afirmou que o TAC não afasta “necessariamente” as responsabilidades administrativa e penal, é porque, em algumas situações, pode afastar. Vai depender das peculiaridades do caso concreto.
O mais comum é que haja mitigação na responsabilidade, em decorrência da disposição do poluidor em adotar medidas em prol do meio ambiente sem contestação judicial civil. Anote-se, no ponto, que o STF já enfrentou a questão ao menos em uma oportunidade, quando asseverou que a existência de TAC não impede a persecução penal[11].
Ao firmar o TAC, o degradador assume compromissos para se adequar à lei e, se o dano já ocorreu, a repará-lo mediante o restabelecimento do status quo ante, compensação e/ou indenização. Por outro lado, o tomador do compromisso não se obriga a nada além de se abster de ajuizar ACP com aquele objeto e a fiscalizar o cumprimento do TAC.
Como que o direito material tutelado — ao meio ambiente ecologicamente equilibrado — é indisponível, é natural concluir que o tomador do compromisso tem limitações quanto ao objeto da negociação; seu agir é pautado pela lei. Assim, não pode firmar TACs ilegais[12]. A regra geral é que as concessões podem dizer respeito apenas a questões acessórias.
Mesmo assim, não raras vezes o que pode ser negociado possibilita uma boa margem às partes no estabelecimento das resoluções consensuadas. Em outros casos, nem tanto. Vai depender das peculiaridades do que se está a analisar e resolver.
O próprio CNMP procurou não engessar demais a busca pelo entendimento, permitindo inclusive a negociação quanto à “interpretação do direito para o caso concreto, à especificação das obrigações adequadas e necessárias, em especial o modo, tempo e lugar de cumprimento, bem como à mitigação, à compensação e à indenização dos danos que não possam ser recuperados” (grifamos)[13].
Na prática, as definições costumam ser tratadas entre o MP e o degradador ao final da instrução do IC, quando sentam e buscam um ajustamento de conduta às exigências legais. Nesse momento, é recomendado que o investigado seja acompanhado de advogado — embora não seja obrigatório —, e que, ao tomar conhecimento das cláusulas propostas pelo promotor de Justiça, foque em negociar o que não seja indisponível e satisfaça seus interesses.
É comum na fase da discussão das cláusulas uma contraproposta do ajustante em relação ao valor da indenização, seu pagamento de forma parcelada, formas alternativas de compensação do dano, estabelecimento de astreinte em patamares inferiores aos originalmente sugeridos. O que for possível e razoável pode ser objeto do ajuste. E aqui vemos uma grande vantagem em relação à opção de se deixar para o Judiciário decidir: a sentença não admite negociação!
O que for estabelecido na sentença pode ser atacado por recurso, mas, com o trânsito em julgado, a execução se dará nos exatos termos do que o juiz definiu, não importando se o poluidor tem ou não condições de, naquele momento, arcar com o custo integral do projeto de recuperação ambiental e da indenização.
Comparando ainda a ACP ao TAC, há outra vantagem marcante deste, consistindo no fato de que pode ser emendado, aditado, corrigido. A sentença não tem essa maleabilidade.
Desse modo, se estabelecida uma obrigação de fazer para que o degradador coloque em sua indústria um filtro específico para que cesse a poluição atmosférica, mas, caso no curso do processo de aquisição do equipamento constate-se tecnicamente que ele será ineficaz, e que outro é o mais adequado, o TAC poderá ser alterado para resolver o impasse em prol da adoção da medida mais favorável à proteção ambiental.
Na tomada do TAC, as cláusulas devem “conter obrigações certas, líquidas e exigíveis, salvo peculiaridades do caso concreto”[14]. Essa regra está em consonância com o artigo 783 do CPC: “A execução para cobrança de crédito fundar-se-á sempre em título de obrigação certa, líquida e exigível”.
A ressalva às peculiaridades do caso se justifica plenamente, uma vez que em matéria ambiental as relações são muito dinâmicas. Por exemplo: pode-se estabelecer que um corte de árvores será compensado com o plantio de tantas outras nativas, sem a discriminação da espécie, porquanto isso dependerá de uma análise técnica que, se faltar, poderá implicar ineficácia da medida porque as mudas porventura indicadas no TAC podem não ser adaptáveis ao local onde seriam plantadas.
Cláusulas obrigatórias que devem estar presente no TAC, independentemente do objeto do ajuste, são aquelas relacionadas à previsão de astreinte pelo descumprimento, consoante a previsão do parágrafo 6º do artigo 5º da Lei 7.347/85. O artigo 4º da Resolução 179/2017/CNMP repete a exigência, porém ressalva que, em casos excepcionais e fundamentados, a previsão dessa cominação seja estabelecida judicialmente. Em qualquer circunstância, a prática evidencia ser mais efetivo o estabelecimento de multa diária para as obrigações de fazer, e multa por evento para as de não fazer.
Do ponto de vista recursal, a jurisprudência vem aplicando a Súmula 454 do STF ao TAC, embora este não seja contrato — mas negócio jurídico. Eis a súmula: “Simples interpretação de cláusulas contratuais não dá lugar a recurso extraordinário”. Nesse sentido citamos julgado do TJ de São Paulo: “A análise e a interpretação de termo de ajustamento de conduta é vedada em sede de recurso extraordinário, nos termos do verbete n. 454 da Súmula desta Corte. Agravo regimental a que se nega provimento”[15], que é transcrito pelo STF no julgamento do AI 859.057/SC, de relatoria do ministro Dias Toffoli.
Dito isso, podemos concluir que o TAC, sendo utilizado de forma adequada, implica solução célere, econômica e positiva tanto para o degradador quanto para o meio ambiente. Não há dúvida de que a ACP é de grande importância na tutela dos direitos coletivos lato sensu e individuais homogêneos, podendo evitar o ajuizamento de inúmeras ações individuais com o mesmo objeto.
Todavia, é consabido que, mesmo assim, o Judiciário está sobrecarregado de processos, pelo que a decisão das ACPs e sua execução demoram longos anos. Além disso, o acesso à Justiça é caro, pois envolve custos com taxas, perícias, diligências etc.
Não bastasse, uma resolução de conflitos forçosa gera um tipo de impacto no condenado, que é diverso e pior daquele resultante de uma solução negociada. Então, sempre que possível, deve-se priorizar o TAC à ACP, e é isso o que todos devem buscar fazer, na máxima medida possível, como estabelece o parágrafo 3º do artigo 3º do CPC.
[1] https://www.conjur.com.br/2017-out-14/ambiente-juridico-papel-advocacia-inquerito-civil-questao-ambiental. Acesso em 13.jan.2018.
[2] A Lei 7.347/85 usa a expressão “compromisso de ajustamento de conduta”, que é sinônimo.
[3] Assim já afirmou o STJ: REsp 828.319/PR.
[4] Lei da ação civil pública.
[5] Artigo 5º da Lei 7.347/85.
[6] Como o Ministério do Meio Ambiente, uma secretaria estadual ou municipal de Meio Ambiente.
[7] REsp 895.443/RJ.
[8] O TAC é método autocompositivo do tipo negociação.
[9] Parágrafo 6º, artigo 5º, da Lei 7.347/85.
[10] Ainda que possam continuar existindo regulamentos internos dos MPs estaduais, eles deverão estar em conformidade com a resolução do CNMP, que tem abrangência nacional.
[11] HC 102.439.
[12] Paulo Affonso Leme Machado destaca: “Dispor ou renunciar às obrigações legais é inadmissível por parte do Ministério Público” (Direito Ambiental brasileiro. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 432).
[13] Artigo 1º, parágrafo 1º, da Resolução 179/2017.
[14] Artigo 3º da Resolução 179/2017.
[15] AI 495.587/SP-AgR.
*Eduardo Coral Viegas é promotor de Justiça no MP-RS, graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, especialista em Direito Civil e mestre em Direito Ambiental. Foi professor de graduação universitária e atualmente ministra aulas em cursos de pós-graduação e extensão. Integra a Associação Brasileira do Ministério Público do Meio Ambiente. É autor dos livros Visão Jurídica da Água e Gestão da Água e Princípios Ambientais.
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