STJ : mais uma tese ambiental inconstitucional

Para julgado, vale o bis in idem na infração administrativa…

STJ - ativismo judicial ambientalista: ao invés de resolver um conflito, gera mais insegurança...

STJ – ativismo judicial ambientalista: ao invés de resolver um conflito, gera mais insegurança…

 

Por Georges Humbert

Li, perplexo, um recente boletim de notícia do STJ. Isto porque, seguindo um caminho de outras decisões inconstitucionais em matéria ambiental, a referida corte criou mais um precedente que confronta a Constituição e a lei. Refere-se aqui ao Recurso Especial (REsp) n.º 1132682, segundo o qual, a sanção imposta pelos estados, municípios ou pelo Distrito Federal substitui a multa imposta pela União em relação ao mesmo fato, mas a multa estabelecida pela União não impossibilita a imposição de multa por município.

Isto significa, na prática, que o cidadão, o empreendedor e o próprio Poder Público, mesmo já havendo punição administrativa infrancional através de multa aplicada pela União, pode ser duplamente ou até triplamente apenada para o mesmo fato, através de imputações de outras esferas administrativas, no caso Estados e Municípios.

Segundo o noticiário oficial do STJ, relator do caso, ministro Herman Benjamin, “explicou que o poder-dever de controle e fiscalização ambiental, comum a todos os entes federativos, emerge da própria Constituição Federal e da legislação infraconstitucional, sobretudo da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81) e da Lei dos Crime e Ilícitos Administrativos contra o Meio Ambiente (Lei 9.605/98), “que fixam normas gerais sobre a matéria”, sendo, segundo sua decisão, “inafastável a competência municipal para aplicar multa em virtude dos danos ambientais…” cumulativamente com outros entes, especialmente quando é “impossível deixar de reconhecer a competência da União…” para uma mesma matéria.

Na decisão há também explicitação ao artigo 76 da Lei 9.605/98, no qual, ainda segundo noticia oficial do STJ. De acordo com o relator, “embora passível de questionamento, o fato é que, no âmbito infraconstitucional, houve uniforme e expressa opção no sentido de que, em relação ao mesmo fato, a sanção imposta por estados, municípios, Distrito Federal e territórios predomina sobre a multa de natureza federal”. Para o ministro, “a situação inversa não foi contemplada de forma intencional”. E arremata “não há margem para interpretação de que a multa paga à União impossibilita a cobrança daquela aplicada pelo município, sob pena de bitributação“, “uma vez que a atuação conjunta dos poderes públicos, de forma cooperada, na tutela do meio ambiente, é dever imposto pela Constituição Federal”.

Além de ofender a lógica jurídica e à interpretação sistemática da Constituição, descolando-se do ensinamento da doutrina majoritária, a decisão afronta, que é mais grave, texto expresso de Lei Complementar, mais recente e especial, isto é, a norma que, por ser posterior, por ser específica e por ser qualificada como complementar à Constituição, prevalece sobre a legislação ordinária que deu fundamento ao novo precedente.

Trata-se da Lei Complementar 140/11, que em seu art. 17 determina que “compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada” e que “O disposto no caput deste artigo não impede o exercício pelos entes federativos da atribuição comum de fiscalização da conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com a legislação ambiental em vigor, prevalecendo o auto de infração ambiental lavrado por órgão que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização a que se refere o caput”.

Ou seja, a regra é que somente uma multa deve ser exigida e prevalecer, notadamente a lavrada pelo ente que expediu a licença ambiental, segundo o inequívoco dispositivo uma lei especializada em solução de conflitos entre entes federativos, mais recente e acima da lei ordinária, pois que complementar à Constituição. Daí porque a citada decisão do STJ ofende um dos fundamentos da República, o pacto federativo previsto logo no seu art. 1°, assim como o seu art. 23, que disciplina as competências ambientais administrativas e, por fim, a expressa determinação do art. 17 da Lei Complementar 140/11.

Além disso, violou a regra do “non bis in idem”, inserta às garantias fundamentais constitucionais do contraditório, a ampla defesa, a legalidade, como também apontam, por todos, em monografias específicas: FERREIRA, Daniel. Sanções administrativas. São Paulo: Malheiros, 2001; MELLO, Rafael Munhoz de. Princípios constitucionais de Direito Administrativo Sancionador: as sanções administrativas à luz da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Malheiros, 2007; NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008; OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Infrações e Sanções Administrativas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005; OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.

Finalmente, verifica-se uma ofensa a própria lógica jurídica na decisão. Isto porque, se o art. 76 da Lei 9.605/98, que serviu de base para a decisão do STJ, tratou de proibir expressamente que a União aplique uma multa cumulada com a de Municípios, Estados ou o Distrito Federal, por decorrência lógica, de pressuposto da igualdade e não hierarquia entre entes, o inverso se aplica, mesmo não estando explícito: quando a União aplicar e executar multa administrativa ambiental por um ato ilícito, não podem os demais entes fazê-los.

Ora, se em uma mesma esfera de atuação administrativa, a saber, o exercício do poder de polícia em matéria ambiental, há processo, auto de infração e multa por força de um mesmo ato ilícito, somente e tão somente uma poderá subsistir, ser aplicada e executada, pena de ofensa a letra do ar. 17 da Lei Complementar 140/11, do pacto federativo, da legalidade, do contraditório, da ampla defesa e da norma constitucional implícita que veda o bis in idem.
George-Louis-Humbert-HageGeorges Louis Hage Humbert – Advogado, Doutor e Mestre em Direito do estado pela PUC-SP, Pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra, Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia e da Universidade Jorge Amado. É sócio-fundador da União Brasileira da Advocacia Ambiental – UBAA.

 

Fonte: Direito Ambiental

 

 

 

 


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