STF mantém anistia a proprietários rurais e maior parte do Código Florestal
Por Ana Pompeo*
O perdão para produtores rurais que desmataram antes de 2008, fixado em 2012 pelo novo Código Florestal, não compromete a tutela constitucional do meio ambiente porque o benefício depende de uma série de critérios. Foi o que definiu o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, em relação a um dos pontos mais polêmicos da norma.
O julgamento das cinco ações que tratavam do tema foi concluído na tarde desta quarta-feira (28/2), depois de cinco sessões — segundo a presidência, este foi “o diploma legal mais debatido desde a Assembleia Constituinte”. Foram 58 artigos questionados, de um total de 84 que compõem o Código Florestal, e a maior parte dos dispositivos foi declarada constitucional. Nesta quarta, a análise foi retomada com o voto do ministro Celso de Mello.
A Lei de Proteção da Vegetação Nativa (12.651), que revogou o antigo código de 1965, é relevante porque define o que deve ser preservado e o que pode ser desmatado em parte das cidades e nos cerca de 5,5 milhões de imóveis rurais do país.
Um dos trechos perdoou autuações e proibiu multas ao proprietário que cometeu infrações até 22 de julho de 2008, desde que o interessado integre o chamado Programa de Regularização Ambiental (PRA). A assinatura do termo de compromisso perante o órgão ambiental competente, para regularizar imóvel ou posse rural, suspende a punibilidade do autor de tais ilícitos penais e interrompe a prescrição penal enquanto os deveres assumidos estiverem sendo cumpridos.
Para Celso de Mello, o perdão “não se reveste de conteúdo arbitrário nem compromete a tutela constitucional em tema de meio ambiente”. O decano afirma que anistia não pode ser aceita apenas a crimes políticos, mas constitui expressão da clemência soberana do Estado e incide retroativamente sobre o fato delituoso. “Nada obsta que a anistia abranja também as infrações penais de direito comum”, disse.
O decano foi quem desempatou o placar referente à anistia — ficando vencido o relator dos processos, ministro Luiz Fux. Os ministros Rosa Weber, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Alexandre Moraes e a presidente da corte, Cármen Lúcia, também entenderam que a lei não concedeu anistia ampla, pois previu maneiras de compensar o meio ambiente pelo desmatamento.
Além de Fux, votaram contra os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski. A Procuradoria-Geral da República também criticava esse trecho.
Reparação e reserva legal
Celso de Mello também deu a palavra final sobre a possibilidade de compensar desmatamentos ilegais quando o responsável pela conduta conserva outras áreas a milhares de quilômetros. Pela interpretação final do Plenário, os desmatamentos devem ser compensados com vegetação de mesma identidade ecológica, com o objetivo de reparar o dano ambiental causado.
A redução da reserva legal — de 80% para 50% em municípios com área de terras indígenas — também dependia do voto de Celso de Mello. A regra foi mantida, o que representa derrota a grupos ambientalistas.
Os ministros consideraram inconstitucional trecho que permitia obras de gestão de resíduos e construção de instalações esportivas em áreas de preservação permanente (APPs). A intervenção por interesse social ou utilidade pública fica condicionada à inexistência de alternativa técnica ou locacional à atividade proposta.
Também definiram que todas as nascentes e olhos d’água devem ser protegidos, sejam intermitentes ou permanentes. Pelo código, a proteção ficaria restrita a um raio de 50 metros.
A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, apresentou ao final da sessão o quadro geral do resultado, lendo item por item o que ficou definido. Isso porque a diversidade de entendimentos entre os membros da corte foram significativas.
In dubio pro natura
Para o ministro Celso de Mello, a vedação do retrocesso em direitos fundamentais era o ponto fundamental em questão no julgamento, como também afirmaram os colegas na sessão anterior. Ele defendeu que a proteção ao meio ambiente equilibrado não pode se subordinar a interesses corporativos e econômicos. Quando houver dúvida se uma determinada conduta irá prejudicar o meio ambiente e os cidadãos, deve prevalecer o princípio “in dubio pro natura”.
O princípio da vedação do retrocesso, entretanto, não pode impedir o dinamismo da atividade do Estado de criar leis e estabelecer normas, afirmou. Ao mesmo tempo, ele apontou ser necessário respeitar a separação entre os Poderes da República e atribuições entre eles.
“A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a propósito, demonstra deferência judicial ao planejamento estruturado pelos demais Poderes no que tange às políticas”, disse Celso de Mello. Ele acompanhou, em grande parte, o voto do relator.
Julgamento extenso
Das quatro ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas sobre o tema no STF, três foram apresentadas pela Procuradoria-Geral da República e uma pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol). Todas criticam uma série de dispositivos, especialmente quanto à redução da reserva legal. Os processos questionam a validade de 58 artigos de um total de 84 que compõem o Código Florestal.
Já a Ação Declaratória de Constitucionalidade 42 foi ajuizada pelo Partido Progressista (PP) e, ao contrário das ADIs sobre o assunto, defende a constitucionalidade da lei por considerar que o novo código não agride o ambiente, mas tem o objetivo de preservá-lo.
Em 2016, o ministro Luiz Fux, convocou audiência pública para debater o tema. Participaram 22 especialistas entre pesquisadores, acadêmicos, representantes do governo federal, de movimentos sociais e produtores rurais.
O relator, ministro Luiz Fux, apresentou o voto em novembro, tendo o julgamento sido interrompido com pedido de vista da presidente da corte.
Clique aqui para ler voto do ministro Celso de Mello.
ADC 42
ADIs 4901, 4902, 4903 e 4937
* Texto atualizado às 19h do dia 28/2/2018 para acréscimo de informações.
*Ana Pompeu é repórter da revista Consultor Jurídico.
Fonte: Conjur