SOPA DE NÚMEROS, DILUÍDA NO “VOLUME MORTO” DA SABESP
Até a imprensa questiona ‘fim da crise hídrica’, mas no entanto divulga índices distorcidos da Sabesp
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
“Há algo de podre no Reino da Dinamarca”…
A frase de Hamlet, na obra de Shakespeare, se adequa ao labirinto de malabarismos aritméticos e estatísticos no qual se embrenhou a Companhia de Saneamento Básico de São Paulo – SABESP, quando intenta demonstrar que não há mais a escassez hídrica sentida no estado de São Paulo.
A SABESP insiste em combater os fatos com malabarismos numéricos e isso vem confundido a todos, usuários, mídia e judiciário.
Observem o quadro estatístico abaixo:
Conforme denuncia o jornalista Maurício Tuffani, em alentado artigo cuja leitura recomendo fortemente (link abaixo), o governo paulista passou a trabalhar com números muito confusos, a partir de 2014, quando, “surpreendido” pela crise de desabastecimento há muito anunciada, precisou iniciar o bombeamento do chamado “volume morto” do sistema Cantareira.
Por conta disso, o governo passou também a “bombear” para cima os percentuais de armazenamento de água, fazendo a ação governamental parecer mais eficaz.
A expressão desse problema encontra-se na tabela acima, reproduzida em matéria publicada no jonal O Globo, no início de abril.
Segundo o Professor Tuffani, a metodologia governamental “consiste em obter um percentual por meio de uma fração de cálculo existente no denominador”, considerando somente o volume útil total regular do sistema Cantareira — “ou seja, sem considerar a chamada reserva técnica ou volume morto”. No entanto, permanece no numerador toda a água armazenada – inclusive a do volume morto.
Prossegue Tuffani: “para quem ainda não percebeu o desatino lógico de tal ‘método’, basta pensar o seguinte: se o armazenamento desse conjunto de reservatórios estiver no máximo de sua capacidade — o que já aconteceu em 2010 —, o Índice 1 correspondente não será de 100%, nem de uma pequena variação para mais. Será o absurdo percentual de 129,3%, pois na parte superior da fração de cálculo haverá pelo menos 1,27 trilhão de litros de água, enquanto na inferior estará apenas o volume útil de 982 bilhões de litros.”
Há, na mesma tabela acima, uma correção coercitiva, que praticamente desmonta o malabarismo da SABESP.
Segundo o professor, “o Índice 2 do sistema Cantareira, por sua vez, não se baseia nessa ridícula distorção aritmética do anterior. Sua fração de cálculo usa no denominador todo o armazenamento, inclusive o volume morto. E no denominador usa a capacidade total do sistema, que inclui essa mesma reserva. Desse modo, se o sistema encher completamente, esse indicador corresponderá a um percentual de 100%, ou com alguma pequena variação devida, por exemplo, ao transbordamento.”
A Sabesp começou a divulgar o Índice 2 em 16 de março de 2015 , e só o fez porque havia sido questionada no mês anterior pelo Ministério Público do Estado de São Paulo.
O promotor de Justiça Ricardo Castro Júnior, do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente, havia interpelado a companhia não só pela distorção do indicador que ela vinha divulgando, mas também por ele ser prejudicial para a conscientização e a mobilização da sociedade naquele momento mais grave da crise hídrica.
A interpelação ocorreu quando o engenheiro hidráulico Antonio Carlos Zuffo, professor da Unicamp, informou ao próprio Tuffani, no seu blog ( na Folha: “Índices do Cantareira desinformam população, dizem pesquisadores” – 25/2/2015), que:
“Essa forma que está sendo empregada para informar à sociedade o armazenamento do Cantareira equivale a um extrato bancário que não mostra o saldo devedor de uma conta corrente que está negativa no cheque especial.”
Assim, mais do que nunca, é necessário que a midia se acautele em transmitir dados oficiais a respeito da crise hídrica no Estado de São Paulo, cuja escassez permanece, em que pese o “Ministério da Verdade” tucano construir dados e relações estatística que se assemelham à definição de uma peça de biquini: “o que revela é sugestivo, o que esconde é essencial”…
Leia aqui, na íntegra, o artigo de Maurício Tuffani:
http://www.diretodaciencia.com/2016/04/04/imprensa-e-sabesp/
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.