SOBRE VINCULAÇÕES DE RECEITA E CONTRIBUIÇÕES
Por Fábio Pugliesi*
As receitas públicas constituem acréscimos patrimoniais dos entes federativos sem correspondente aumento do passivo. Embora a doutrina clássica considere que os impostos não devam estar vinculados a fundos, a Constituição determina que a receita dos impostos deva ser compartilhada pela União e pelos Estados.
Estas receitas tributárias, embora arrecadadas por outros entes federativos, são vertidas, repita-se, para outros entes federativos ou fundos de participação.
Existe até o caso do imposto de renda na fonte dos servidores públicos em que o Município, Estado ou Distrito Federal pode reter e manter sem passar o produto da arrecadação para a União, titular da competência tributária do Imposto de renda.
A partir da Emenda à Constituição n. 42/2003, o mecanismo de repartição de receitas passa a ser aplicado à contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível para os Estados e o Distrito Federal, mas a destinação deve ser o financiamento de programas de infraestrutura de transportes.
Diferentemente dos impostos, que são tributos em geral não vinculados, as contribuições de intervenção no domínio econômico, a exemplo das demais contribuições são tributos vinculados à própria atividade que lhes dá causa. Por exemplo, contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível determina que os recursos por ela arrecadados sejam destinados ao financiamento de programas ambientais relacionados com a indústria de petróleos e gás e ao financiamento de programas de infraestrutura de transportes.
A característica fundamental das contribuições sociais, corporativas, interventivas, de seguridade social e educacional, consiste na vinculação a fundos, entidades, categorias profissionais, beneficiando indiretamente a terceiros, que não os seus próprios contribuintes. Observa-se que, segundo o artigo 165, inciso III, da Constituição da República Federativa do Brasil, há obrigatoriedade do orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações, instituídos pelo Poder Público”.
Observe-se que as taxas podem estar vinculadas também a fundos e ser repartido o produto de sua arrecadação, embora devam cobrir os gastos do Estado com sua atuação em relação ao contribuinte.
Todavia, se considerarmos a clássica decisão do Supremo Tribunal Federal, relativa à taxa devida pelas empresas de capital aberto à Comissão de Valores Mobiliários em que se entendeu constitucional uma progressividade segundo o capital social, esta vinculação e repartição do produto da arrecadação da taxa passa a ser ainda mais plausível.
A inconstitucionalidade da taxa de iluminação pública por não se referir a um serviço divisível deu ensejo à contribuição de iluminação pública que não exige uma contraprestação individualizada ao contribuinte, cuja vinculação cria um paradoxo em que municípios falidos tem superávit de recursos vinculados ao pagamento da iluminação pública às concessionárias de energia elétrica. A contribuição de iluminação pública é um tributo de competência dos Municípios e do Distrito Federal, destinado a custear a iluminação pública, que até a Emenda Constitucional n. 39/2002 era custeada pelas Taxas de iluminação pública. Assim é um tributo devido por pessoa física ou jurídica proprietária de imóvel localizado no respectivo Município ou no Distrito Federal, cuja cobrança é, em regra, feita por meio da fatura de consumo de energia elétrica, levando-se em consideração o consumo de energia elétrica (KWb).
Ainda que bastante alterada por Emendas, permanece o caráter dirigente da Constituição, segundo a concepção de José Joaquim Gomes Canotilho, da Constituição, pois se verifica um sem número de diretrizes, programas e fins a serem pelo Estado e pela Sociedade realizados, a ela se confere o caráter de plano global normativo.
A fim de assegurar isto não podem ser propostas emendas à Constituição que tendam a abolir o sistema federativo (incluído nesta expressão o federalismo fiscal), liberdades e direitos fundamentais, inclusive a “proibição do retrocesso” estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal tem o caráter de assegurar isto.
Neste sentido cabe fazer uma breve digressão que os constituintes recorreram à figura jurídica das cláusulas pétreas, para preservar liberdades públicas contra a aprovação de emendas constitucionais que tentassem limitá-las.
Impuseram suas concepções de poder às gerações futuras com pouca possibilidade para definir os direitos e o regime político que poderiam considerar adequados.
Por sua vez a regulação econômica, em que se atribui à contribuição de intervenção econômica um papel fundamental, relaciona-se a um padrão que tem foi adotado nas décadas seguintes à segunda guerra mundial e encontrava-se em declínio ante a transterritorialização dos mercados, que privou os Estados de parte de suas funções legislativas e gerou um crescente policentrismo decisório no plano mundial, o que já tinha levado muitos países a se adaptarem a essas mudanças.
Tudo isso diminui a governabilidade no contexto econômico, quando comparado com o padrão de outros países emergentes, reduzindo as esferas de decisão das maiorias parlamentares, a discricionariedade dos dirigentes do Executivo e aumentando a judicialização das políticas públicas.
Assim tais fatos que conformam nossa Constituição tem ocasionado propostas de enxugamento de seu texto, mediante a transferência de matérias por ela regulada para a legislação ordinária.
Dado que uma proposta de emenda à Constituição exige duas votações na Câmara e outras duas no Senado com a aprovação de três quintos dos parlamentares em cada votação, os constituintes acabaram amarrando as gerações futuras a decisões não propriamente constitucionais, mas de interesse de parlamentares e corporações.
Relativamente às políticas públicas, esse quórum é elevado e o processo de aprovação de emendas à Constituição é lento ante a velocidade em que hoje se se sucedem os acontecimentos econômicos num mundo em que decisões são tomadas em tempo real.
A Desvinculação das Receitas da União, ou simplesmente DRU, veiculada por sucessivas emendas à Constituição que constitui um instrumento por meio do qual algumas receitas tributárias da União são desatreladas de certas despesas, a fim possam ser alocadas em gastos diversos.
Paradoxalmente a desvinculação genérica de receitas tende abolir o sistema federativo sendo inconstitucional, dada a desigualdade regional no Brasil!”
Fonte: Conversando com o professor
*Fábio Pugliesi é advogado em São Paulo e Santa Catarina. Membro do Instituto dos Advogados do Estado de Santa Catarina (IASC). Doutor em Direito, Estado e Sociedade (UFSC), Mestre em Direito Financeiro e Econômico (USP), Especializado em Administração (FGV-SP), autor do livro “Contribuinte e Administração Tributária na Globalização” (Juruá) e professor em cursos de graduação e pós-graduação.