RESERVA LEGAL: STJ ACORDA PARA A REALIDADE E APLICA O NOVO CÓDIGO FLORESTAL

Vale a norma existente ao tempo da fixação da Reserva Legal como estabelece supervenientemente a nova lei. Efeitos são sinérgicos

Nova lei florestal contêm mecanismo para resolver conflitos de uso da terra no tempo.

Nova lei florestal contêm mecanismo para resolver conflitos de uso da terra no tempo.

 

Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro

Acordando para a realidade

Por decisão monocrática em agravo regimental, o ministro do Superior Tribunal de Justiça, Napoleão Nunes Maia Filho, reconheceu direito do proprietário de imóvel rural a ter sua reserva legal analisada sob a ótica do novo Código Florestal, cuja norma dispensa recomposição, compensação ou regeneração quando a supressão ocorrida seguiu os percentuais previstos pela lei vigente à época de sua realização.

Com efeito, a regra constante na nova lei florestal constitui um direito subjetivo superveniente da parte, e uma regra que visa justamente resolver um conflito intertemporal, razão pela qual não haveria condições de prosseguimento de ação civil pública que exigia recomposição da Reserva Legal nos termos da legislação revogada.

A ação civil pública ambiental anulada, havia sido promovida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo. O argumento – quase um padrão em milhares de iniciativas similares promovidas pelo órgão contra a agricultura paulista – era que a empresa rural teria deixado de destinar 20% da área total do seu imóvel à reserva florestal legal, bem como deixado de averbá-la no registro de imóveis. Assim, o empreendedor rural estaria utilizando a propriedade de forma nociva, descumprindo a sua função social.

A empresa, autora do agravo regimental, alegou que mantinha sim uma reserva legal, porém nos padrões autorizados anteriormente às bruscas mudanças introduzidas por Medida Provisória, baixada em 2001, alterando o Código Florestal de 1965.

Pondo fim a um conflito de normas no tempo

Ocorre que a Lei 12.651, promulgada em 2012 – justamente em função da conversão legislativa da malfadada medida provisória – dispõe de mecanismo que visa exegeticamente por fim ao conflito intertemporal. A nova lei florestal estabeleceu, no seu artigo 68, que:

“os proprietários ou possuidores de imóveis rurais que realizaram supressão de vegetação nativa respeitando os percentuais de Reserva Legal previstos pela legislação em vigor à época em que ocorreu a supressão são dispensados de promover a recomposição, compensação ou regeneração para os percentuais exigidos nesta Lei “.

O agravo regimental foi, então, interposto com base nessa regra, requerendo a aplicação do art. 462 do Código de Processo Civil de 1973 (vigente à época da propositura do agravo), que reza o seguinte:

“se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a sentença”.

Assim, a superveniência de novo dispositivo legal deveria obrigar à revisão do entendimento contido na ação do MP, mesmo que decidida em instância inferior, ante a superveniência do direito público subjetivo da parte.

No agravo, subscrito pelo advogado paranaense José Maria da Costa, a usina afirmou pretender uma

“análise de situação apta a afetar o objeto litigioso do processo, isto é, a consideração de direito superveniente, que se consubstancia na recente vigência do novo Código Florestal (Lei n.12.651, de 25 de maio de 2012)”.

Ministro Napoleão Nunes Maia Filho - relator do Agravo Regimental no AREsp 118.066 - SP

Ministro Napoleão Nunes Maia Filho – relator do Agravo Regimental no AREsp 118.066 – SP

 

Buscando eficácia na prestação jurisdicional

Ao proferir sua decisão, o ministro Napoleão Maia considerou “relevante” a alegação da necessidade de análise do pleito da agravante, sob a perspectiva do art. 462 do CPC/73, por se tratar de direito superveniente, inclusive ao julgamento realizado pela Corte local, o TJSP, ocorrido em 2010, sendo que a novel legislação data de 2012.

Decidiu o Ministro do STJ:
“Aparentemente, mas sem antecipar qualquer conclusão meritória, o art. 68 do Novo Código Florestal trouxe, em sua redação regulamentação diversa, em relação à instituição de reserva florestal e ao seu registro, tanto que a própria Corte de origem em demandas semelhantes vem proferindo entendimento diverso daquele constante do acórdão recorrido”.

A partir da premissa maior da busca pela eficácia da prestação jurisdicional, o Ministro, relator do processo, concluiu que o proprietário rural tem direito de ver o julgamento da demanda orientado pela legislação hoje em vigor, o que somente poderia ser levado a efeito pelas instâncias ordinárias.

Desta forma, visando ao aproveitamento dos atos processuais praticados, o magistrado aplicou o art. 462 do CPC e anulou o processo até a prolação do despacho saneador, “inclusive, para que se permita a dilação probatória necessária e pertinente para o julgamento sobre a adequação do presente caso ao art. 68 do novo Código Florestal, se for o caso”.

A regra procedimental contida no art. 462 do Código de Processo Civil de 1973, está reproduzida no novo Código de Processo Civil, no seu art. 493, com a seguinte redação:
“Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão.”

Passo decisivo para reconhecimento do novo Código Florestal

A decisão do Ministro do STJ representa passo importante no sentido de reconhecer eficácia da nova legislação florestal, que setores do Ministério Público ainda insistem em questionar.

O fato é que a nova legislação florestal, ao contrário da legislação emendada e remendada anterior, contém mecanismos efetivos de solução de conflitos intertemporais decorrentes das alterações havidas na regra legal. Pelo visto, o STJ resolveu aplicá-los.

É dever de todos apoiar o Regime Democrático e o processo legislativo e permitir que a sociedade brasileira obtenha um instrumento legal possível de ser cumprido.

A decisão proferida pelo STJ informa que é hora de se dar um basta à desobediência à lei praticada por determinados administradores e membros do Ministério Público, dissimulada no apego a uma principiologia casuística não positivada e a preciosismos legais proselitistas, utilizados para nada resolver e nada decidir, ou decidir sem resolver conflitos em causa.

Isso fere a eficácia legal, nega tutela efetiva ao conflito de natureza difusa e causa danos ao próprio equilíbrio ambiental – mesmo porque o “meio ambiente ecologicamente equilibrado” é, por definição científica, um fenômeno dinâmico, em processo de constante alteração nos seus elementos, e implica sobretudo na busca pela produção de alimentos, fim das desigualdades sociais e manutenção das garantias básicas do ser humano (como reza a declaração de princípios da ONU).

Efeito sinérgico

O respeito ao livre processo legislativo, à autonomia dos poderes, e à vontade do mandato popular, ainda que os resultados não sejam do agrado de todos, ou desagradem a muitos é da vida democrática, e por óbvio a cidadania deverá tirar benefícios do resultado.

O despertar dos tribunais superiores para a realidade da vida implica na derrota das viúvas do Código revogado.

Inconformados com o resultado, os arautos da regressão preservacionista intentaram, no campo doutrinário e jurisprudencial, implementar um inexistente, obtuso, teratológico, reacionário e antirrepublicano “princípio de proibição de retrocesso ambiental”, que revela-se mero exercício de proselitismo reacionário.

Trata-se de uma somatória de silogismos que atenta contra a lógica e revela, sobretudo, uma inconfessável e condenável vontade de sobrepor vaidades pessoais, preferências subjetivas, simpatias ideológicas, neofascismos e ecologismos de ocasião ao verdadeiro e legítimo Interesse Público, à democracia e ao Estado de Direito.

Não se pode negar por artifício jurídico o caráter dinâmico do equilíbrio ecossistêmico, que envolve todos os elementos biológicos, econômicos, sociais, climáticos, que refogem absolutamente ao domínio do direito (e por isso mesmo devem ser por ele reconhecidos).

Tentou-se no campo da lei florestal revogada, a partir da elaboração da medida provisória de 2001 e regulamentos decorrentes, uma mal solucionada cristalização do meio ambiente eo congelamento da evolução do direito por meio de silogismos insustentáveis. Com efeito, se já é impossível materialmente entender o que seja “equilíbrio” numa relação dinâmica, muito mais difícil é aplicar juridicamente um freio de “proibição de retrocesso” a algo que não se sabe se recua ou avança…

A escola reacionária contra o retrocesso do avanço não apenas produziu larga escala de ações constrangendo proprietários rurais a “regularizarem” Reservas Legais que já se encontravam regulares ao tempo em que foram consolidadas como, também, passou a interferir negativamente nas necessárias alterações supervenientes dos Termos de Ajustamento de Conduta efetuados sob a égide da legislação anterior e ainda sob execução.

Ou seja, o órgão encarregado de fiscalizar o cumprimento da lei, passou a negar validade á aplicação da nova lei em áreas consolidadas ou em fase de regulamentação – gerando conflitos ao invés de resolve-los.

Ora de aplicar o mesmo entendimento do STJ nos Termos de Compromisso

O objeto do Termo de Compromisso é o ajuste de determinada conduta às exigências legais, observadas condições de modo, tempo e lugar do cumprimento da obrigação, visando de mitigar os efeitos danosos causados pela conduta do interessado ou prevení-los.

Tais condições devem ser possíveis de fato, jurídica e economicamente, além de lícitas, de modo a possibilitar sua mensuração econômica. Devem também ser dotadas de liquidez, ou seja, certas quanto à sua existência e determinadas quanto ao seu objeto.

Face à natural desproporção entre tomador do ajuste e interessado, há de se ponderar analogicamente aos contratos de adesão, a nulidade de cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio, ou seja: não há direito adquirido do tomador ante alteração posterior de norma legal que beneficie efetivamente o interessado.

Nesse sentido, perfeitamente aplicável a norma superveniente, visando, também, gerar segurança jurídica e respeitar atos jurídicos perfeitos que finalmente vieram a ser expressamente convalidados pela nova regra florestal.
A decisão do Ministro Napoleão Maia foi proferida no AgRg no AREsp 118.066 – SP (2011/0275677-9).

Fonte: Migalhas / STJ / Ambiente Legal

 

afpp-55 (3) - CopiaAntonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e das Comissões de Política Criminal, Infraestrutura e Sustentabilidade da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/SP. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.

 

 

 

 

 


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