REPÚBLICA DOS BANANAS NARCISISTAS…
A mediocridade no Poder Público brasileiro tem raízes no descompromisso e na falta de vocação dos seus agentes.
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
Perdoem-me amigos servidores e dirigentes que tenho como honrosas exceções. O Poder Público brasileiro é uma escola de covardes onde a mediocridade é regra.
Não há como contemporizar com tamanha mediocridade na Administração Pública nacional.
Organizamos um Estado acovardado, dirigido por executivos, legisladores e magistrados desprovidos de qualidades, que não atendem aos desafios e sacrifícios exigidos para o exercício de seus cargos no atual contexto nacional.
Nosso Poder Público é “concursado”, “nomeado” e “eleito”, com base em critérios medíocres de escolhas, que tornam a impessoalidade uma espécie de apanágio para o descompromisso.
Esse descompromisso serve de esteio e estaio, para a ponte engenhosamente construída pelos medíocres, rumo à ruína social do Brasil.
Fatos contrastantes
Enquanto governantes se encolhem ante a crítica produzida na mídia da esquina, corporações ensimesmadas se arrogam a chamar de feio tudo o que não é espelho,.
No mundo real das atividades privadas, cidadãos são massacrados pela crise nas ruas, nas filas, nos meios de transporte e nos hospitais. Famílias desprotegidas sofrem diariamente o jugo de marginais covardes, que agem estimulados pela omissão, pela hipocrisia e pelo cinismo oficial.
No Brasil de transviados travestidos de autoridade, até criminosos condenados recebem o porte de arma negado à cidadania. Bandidos parecem possuir salvo-conduto oficial, pois transitam livremente, como se a lei existisse apenas para reprimir o cidadão de bem ou o pé rapado da esquina. Corporações empresariais esmagam direitos do consumidor, destroem bacias hidrográficas inteiras, condenam idosos à exclusão dos planos de saúde, cobram juros escorchantes de correntistas miseráveis, tudo sob as bençãos de instituições bananas, que em tese deveriam zelar pela cidadania… e custam caro ao contribuinte.
Enquanto a desordem esgarça a segurança jurídica, nossas côrtes envolvidas por vestes talares e punhos de renda anacrônicos, esgrimam principiologismos hipócritas para garantir impunidade a poderosos.
Deste lado do muro dos áulicos palacianos, benesses imorais são autoconcedidas em completo desprezo pelo contribuinte. Vantagens pecuniárias destinadas à nata da jusburocracia contrastam com valores aviltantes recebidos por quem é essencial à educação, à saúde e à segurança da cidadania.
Na terra dos doutos doutores, o salário integral do policial, do médico e do professor, não vale o penduricalho do auxílio-moradia do juiz da esquina ou do fiscal de contas encalhado na curva do rio.
O desprezo pelos valores públicos que deveriam formar o cidadão, encontra-se refletido na folha salarial do nosso paquidérmico funcionalismo. Essa deformidade de caráter remunerada também se reflete nos valores restantes da nossa economia social.
De fato, o deslumbre idiota pela mediocridade também é regra no mercado.
Rebolar no Youtube atrai mais patrocínio que ensinar história na própria rede. Ostentar falcatruas sem resultado, vale mais que trabalhar discreta e honestamente, com resultados.
O analfabetismo funcional é a grande epidemia nacional. Convivemos diariamente com imbecis diplomados, incapazes de soletrar o próprio nome.
A opção dos brasileiros pelo desprestígio à educação é reconhecida internacionalmente. Segundo o Banco Mundial, no passo atual, atingiremos em 230 anos, o nível de compreensão intelectual médio dos europeus, norte americanos, sul coreanos e japoneses.
A miséria humana na educação, também se estende ao saneamento, à saúde e à segurança pública. Por conta dessa miséria, a cidadania morre todo dia.
A impunidade é regra. O combate duro à corrupção é honrosa e pontual exceção.
A falta de inteligência é tamanha que, até para formar o sistema de inteligência -essencial para qualquer país soberano – o governo trata de abrir concurso público para agentes secretos… porque medíocres não admitem recrutar gente inteligente vocacionada para a inteligência, como ocorre em qualquer nação inteligente. Preferem arriscar a soberania, apostando na impessoalidade dos concurseiros de plantão.
Vocação, economia e moralidade
Há três crises crônicas, e perenes, que formam a raiz desse descompromisso: a crise de vocação, a crise econômica e a crise de moralidade.
A crise de vocação advém do tratamento desproporcional conferido às atividades vocacionadas em todo o país, a começar do desprezo à erudição culta, a destruição das disciplinas vinculadas à música, às artes, à educação física, à moral e ao civismo, nos currículos escolares. O desprezo cultural às profissões técnicas, ao trabalho exercido na juventude, o culto ao academicismo sem outro propósito senão o carreirismo acadêmico, e a falta de perspectiva por conta do afunilamento e deformação do mercado de trabalho.
A crise econômica é causa da primeira. Interage com a profunda desigualdade social e concentração econômica ocorrente em nossa sociedade, fortemente estratificada. Em verdade, a hegemonia do poder financeiro desestimula o trabalho e incentiva a especulação. O prestígio do dinheiro sem mérito, apodrece a base moral do sistema produtivo brasileiro e nivela as escolhas profissionais.
A crise moral é o precipício dos sonhos e perspectivas. Começa no esgarçamento da unidade familiar, desconstruída meticulosamente, geração após geração, pelos detentores do poder econômico nacional.
De fato, a concentração econômica produz mecanismos de massificação, que mesmerizam a população excluída, desprovendo-a de qualquer valor. Neste rol de interessados em desmoralizar o respeito ao próximo e imprimir uma ética desagregadora, inclui-se o Estado, aparelhado por vertentes ideológicas populistas, politicamente corrompidas.
Sem parâmetro moral, sem referência familiar, desprovido de ética, culturalmente empobrecido e desmotivado profissionalmente, o projeto de cidadão que ascende à camada dita “economicamente produtiva”… costuma buscar o dinheiro fácil ou a estabilidade assegurada por carreiras de Estado, para as quais não está vocacionado e nem mesmo preparado.
O resultado é o divórcio de interesses, o que demanda a sociedade pagante, e o que pretende a burocracia de Estado, suas lideranças institucionais e seus condutores políticos.
A judicialização da vida pública
O descompromisso crônico gera o comportamento cínico das corporações, que fazem uso das boas exceções para omitir a péssima regra e, assim, justificar benesses remuneratórias e concentração de poderes injustificáveis.
O empenho na proteção dos privilégios é similar ao empenho em judicializar a vida pública (e também a privada). Afinal, para os medíocres, a judicialização é afirmação do seu poderio miserável…
Vivemos a égide das assimetrias mediocrizantes. Basta constatarmos o contraste entre a inflação de ativismos judiciais em prol do “politicamente correto” – que torna desonesto todo aquele que discorda do padrão moral da mediocridade posta no plantão, com o temeroso e econômico combate efetivo à corrupção.
As estatísticas estão à vista de todos. Não há dirigente municipal, secretário de estado ou ministro que consiga terminar um período de gestão sem haver colecionado uma ação por improbidade administrativa contra si, ou uma desaprovação do órgão de contas, como prêmio à ousadia de haver governado…
A ideia, seria mostrar o combate duro dos agentes concursados contra os desmandos dos nomeados e a corrupção dos mandatários da soberania popular.
Porém o resultado revela algo lamentável: a miséria intelectual dos próprios agentes públicos, a divisão funesta do Estado em fatias, e a luta intestina entre hordas de burocratas concursados, nomeados e eleitos, sem qualquer compreensão do que seja mérito, espírito público, Inteligência de Estado, e cidadania.
O efeito desse fatiamento litigioso é arrasador: no campo da vida política nacional, a regra passou a ser desestimular pessoas de bem a buscarem governança.
Impressionante contradição: a legalidade tornou-se salvo-conduto para obstruir o recrutamento estatal dos vocacionados, substituindo-os por carreiristas.
Feita para coibir a corrupção endêmica, a máquina jusburocrática – do controle do controle do controle… especializou-se em destruir a reputação de quem ousa governar.
Vale para o presidente e seu gabinete, em Brasília. Vale também para o prefeito do rincão do sertão e seus secretários. Todos, hoje, na Administração Pública, por conta desse mecanismo de controle sem controle, hesitam em decidir, assinar e executar o que quer que seja.
A paralisia de quem deveria agir é o paradoxo provocado pelo descontrole judiciário: a “caça à improbidade”, se não for controlada, poderá também distorcer o sentido da soberania popular, desacreditar o mérito, desmoralizar o cargo público e facilitar sua ocupação pelos desonestos.
O paradoxo está na nossa cara: o que é mal feito vinga, porque o custo-benefício da corrupção sempre estimula a assunção do risco. No resto, vigora a paralisia governamental.
É a ditadura da caneta*, mascarada pelo manto do controle jurídico da democracia. A raiz dessa tragédia , por óbvio, encontra-se na mediocridade.
A psicologia estatal da mediocridade
A mediocridade tornou-se um obstáculo insuperável para a governança no Brasil. Ela é retroalimentada por uma pouco estudada solidariedade corporativista, construída pelos pigmeus funcionais incrustrados nos escaninhos da administração pública.
Trata-se de uma simbiose transacional, digna de análise no campo comportamental: concurseiros e carreiristas são indivíduos focados apenas nas benesses de um cargo, qualquer cargo, auferido dentre vários outros tentados. Nestas circunstâncias, jamais terão compromisso ou vocação para a função exercida.
Carreiristas e concurseiros seguirão, assim, a carreira pública, mimetizando parábolas medíocres ou narcisistas, estimulando a bajulação ou estimulados por bajuladores, empenhados no heroísmo da negatividade. Afinal, o negativismo é a ferramenta letal dos preguiçosos.
Essa simbiose produz curiosa fisiologia.
No Poder Público brasileiro, eleita, comissionada ou concursada, a burocracia medíocre reagirá sempre de forma intestina. Como já setenciara Oscar Niemeyer: “a mediocridade ativa é uma merda”.
Parece ser algo de fundo religioso.
Os medíocres, por não terem vocação, pregam a própria mediocridade como salvação.
O filósofo Olavo de Carvalho, a propósito, diagnosticou que “no Brasil, a mediocridade, mais que objeto de adoração, é objeto de culto”.
Esse culto à mediocridade, no entanto, e representa o fim do Estado de Direito no Brasil.
A regra da inação
No país dos bananas narcisistas, a regra da mediocridade é clara: todos são precavidos – portanto, ninguém deve agir.
A regra dos “precavidos” é clara:
1- Na Administração Pública, quem age, pode errar; 2- quem erra porque agiu, é punido; 3- quem não age, não erra; 4- quem não erra é promovido.
Assim, quem pune, ganha penduricalhos. Quem age, é desestimulado. Quem ousa discordar torna-se “parte da conspiração”…
Afinal, quando a mediocridade promove a judicialização de absolutamente tudo – incluso o livre pensar – quem, honesto e inteligente, ainda ousaria governar?
A ousadia, assim, identificará sempre os “incautos”, compensará os ignorantes e premiará os corruptos.
Portanto, se nós, brasileiros, quisermos superar a mediocridade, teremos que também quebrar a maldita regra da inação. Porém, para agir em prol da inteligência e na busca de uma nova ordem, que convenha ao país, não à burocracia mediocre que atualmente o comanda.
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*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP) e consultor ambiental. É sócio-diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Jornalista, é Editor- Chefe do Portal Ambiente Legal, Editor da Revista Eletrônica DAZIBAO e editor do Blog The Eagle View.