Redução do número de ministérios pode contribuir para governabilidade
Por Adilson Abreu Dallari*
Quantos são os ministérios que integram o Poder Executivo federal? Quem são os ministros? Pouquíssimas pessoas saberiam responder tais perguntas. O objetivo do presente estudo é examinar a evolução do quadro ministerial ao longo do tempo e verificar, empiricamente, qual a relação entre o número de ministérios e a eficiência da administração pública.
Começando pelo texto constitucional em vigor, vê-se que, nos termos do artigo 76, o Poder Executivo é integrado pelo presidente da República, auxiliado pelos ministros de Estado, ficando claro que ministros exercem funções políticas, além da administração dos assuntos de competência de sua pasta. Isso fica mais claro no parágrafo único do artigo 87, que enumera as atribuições constitucionalmente atribuídas aos ministros de Estado:
“I – exercer a orientação, coordenação e supervisão dos órgãos e entidades da administração federal na área de sua competência e referendar os atos e decretos assinados pelo Presidente da República;
II – expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos
III – apresentar ao Presidente da República relatório anual de sua gestão no Ministério
IV – praticar os atos pertinentes às atribuições que lhe forem outorgadas ou delegadas pelo Presidente da República”.
Nos termos do artigo 88, lei ordinária pode dispor sobre a criação e extinção de ministérios, o que efetivamente ocorreu, conforme se passa a demonstrar.
Um marco na história da organização e funcionamento da administração pública federal foi o Decreto-lei 200, de 25/02/67, editado pelo presidente Castello Branco, no qual figuravam 16 ministérios. Esse número foi sendo modificado ao longo do tempo: o presidente Sarney contava com 21 ministérios; Fernando Collor baixou para 10 (possivelmente isso tenha sido uma das causas da cassação de seu mandato); Itamar Franco aumentou para 22; FHC aumentou um pouco, para 25; Lula iniciou uma nova fase, aumentando para 37 o número de ministros, pois passaram a ter “status” de ministros, além dos titulares das pastas, também titulares de secretarias da Presidência e alguns órgãos de elevada hierarquia. Nessa mesma linha, Dilma aumentou para 39 (o que talvez explique a demora na cassação de seu mandato); e, finalmente, Michel Temer baixou esse número total para 29.
Outro marco nessa evolução foi a Lei 10.683 de 28/05/03, sancionada pelo presidente Lula, quando houve o aumento para 37 ministros. Esse aumento se deve ao chamado presidencialismo de coalizão, que, na verdade é um presidencialismo de cooptação. Explica-se: a legislação eleitoral e partidária foi flexibilizada, permitindo a criação de novos partidos e a movimentação de parlamentares de uma legenda para outra. A nomeação de ministros passou a ser um fortíssimo instrumento para a obtenção e manutenção de maiorias parlamentares, supostamente para garantir a governabilidade. Cada ministro passou a ter poder para nomear assessores de confiança, designar dirigentes de entidades vinculadas ao seu ministério, e para decidir sobre a aplicação de recursos públicos, conforme o interesse pessoal ou de sua agremiação política.
Merece especial destaque uma particularidade que explica esse aumento de ministérios e de cargos com “status” de ministro de Estado. O artigo 102, letra “c”, da Constituição, ao dispor sobre a competência do Supremo Tribunal Federal, confere foro privilegiado aos ministros de Estado. Na prática, esse privilégio de foro se transformou numa garantia de impunidade, dada a absurda sobrecarga de trabalho da Corte Suprema, a falta de instrumentação para que o STF funcione como uma vara criminal, além do fato de que a maioria dos ministros do STF jamais exerceu a judicatura em matéria criminal. Claramente essa disfuncionalidade afeta o equilíbrio entre os Poderes da República.
Em artigos anteriormente publicados neste mesmo informativo jurídico (“Por uma Assembleia Nacional Constituinte independente e exclusiva”, de 27/04/17, e “A atual política é incompatível com uma autêntica democracia”, de 16/08/18), tivemos oportunidade de discorrer sobre o desastre causado pela multiplicação de partidos, que era permitida, sem limites, pela CF de 1988 e que foi agora um pouco contida pela EC 97/17.
Como é sabido e ressabido, durante todo o período de aumento de ministros e ministérios, criados por razões político partidárias (nunca para atender exigências de melhor funcionamento da administração pública), o Brasil experimentou uma permanente crise de governabilidade, a institucionalização da corrupção como prática usual de gestão pública, um formidável tráfico de influências e o estouro das contas públicas, levando à gravíssima situação econômica atualmente existente.
Com a cassação do mandato da presidente Dilma, iniciou-se o mandato do presidente Michel Temer, que sancionou a Lei 13.502, de 01/11/17, a qual revogou a Lei 10.683/03, reformulou a estrutura da Presidência e dos ministérios, reduziu para 29 o número de ministros, enxugou um pouco a estrutura da Presidência, racionalizando o seu funcionamento e, com isso, conseguiu um nível de governabilidade que lhe permitiu uma série de correções e avanços que, algum dia, haverão de ser reconhecidos.
O fato é que Michel Temer não tinha apoio popular (o que lhe permitiu adotar medidas governamentais absolutamente essenciais, mas impopulares) e teve que governar com a multiplicidade de partidos existentes, tendo que ceder a algumas inevitáveis pressões, mas conseguindo contornar obstáculos graças à sua larga experiência como parlamentar.
Nesse cenário de crise, de desencanto e exacerbação de conflitos políticos realizaram-se as eleições de 2018, que se desenvolveram de maneira completamente diferente das anteriores. Não é o caso de uma análise detalhada desse fenômeno, mas é certo que a disputa principal, pela Presidência da República (especialmente no segundo turno), colocou o eleitorado em uma situação crítica, tendo que decidir entre dois caminhos radicalmente opostos. O risco de retorno aos métodos e práticas que causaram a gravíssima crise que estamos vivendo, motivou a população em geral, que se interessou pela disputa, no que foi ajudada pelos modernos meios de comunicação que permitem um diálogo ou um debate entre as várias correntes, acentuando divergências, mas, principalmente, estimulando convergências. Os partidos políticos e a imprensa tiveram pouquíssima influência.
O resultado dessa peculiaridade eleitoral é que o Presidente eleito assumirá o governo com enorme prestígio popular, não tendo que ceder ao fisiologismo tradicional dos partidos políticos, mas tendo condições de estabelecer um diálogo respeitoso com o Congresso Nacional, para o que contará com o apoio de seus eleitores e das muitas entidades da sociedade civil, que certamente serão objeto da atenção dos parlamentares. Outro ponto importante é a forma que está sendo feita a transição do atual para o novo governo, caracterizada pela cordialidade e pela patriótica colaboração. A mudança do clima político já se faz sentir de imediato, possibilitando o retorno da esperança aos bons tempos de estabilidade econômica, de investimentos nos setores produtivos, de pleno emprego, de crescimento da receita pública e de melhorias nas obras e serviços públicos. Os nomes anunciados como futuros ministros já mostram que o critério de escolha não será mais somente a escandalosa barganha partidária, mas, junto com a necessária composição política, também, e principalmente, a competência técnica, a experiência na área de atuação e a probidade.
Uma das promessas de campanha do futuro presidente Jair Bolsonaro é a redução do número de ministérios, com a junção de pastas atualmente existentes. Alguns setores já estão se movimentando para combater essa medida, com a falsa afirmação de que isso reduzirá a eficiência da administração pública, ignorando que a proliferação de ministros e ministérios foi altamente danosa, gerando uma infinidade de conflitos de competências e, principalmente, de interesses. Realmente, pode-se afirmar que não há uma relação direta entre o número de ministérios e a eficiência da administração pública.
Na verdade (pelo menos é o que se espera), a redução de ministérios poderá contribuir positivamente para assegurar a governabilidade, na medida em que o chefe do Poder Executivo terá menos encargos do dia a dia, do varejo da administração pública, podendo, com o auxílio dos ministros, incrementar o planejamento e o controle da gestão.
O empirismo e a improvisação poderão ser substituídos pela implantação de políticas públicas consistentes e harmônicas. Pelo menos as disputas de poder entre ministros, decorrentes da fragmentação e da impossibilidade de controle eficiente, deverão ser substituídas pela colaboração e pela cobrança de resultados.
*Adilson Abreu Dallari é professor titular de Direito Administrativo pela PUC-SP e consultor jurídico.
Fonte: COnjur