Prescrição em matéria ambiental
Por Paulo de Bessa Antunes*
Espera-se que, em breves dias, o STF coloque em julgamento o tema da prescrição em matéria ambiental. Inicialmente, cumpre esclarecer que a prescrição não diz respeito ao direito material, mas ao exercício dos meios para exercê-lo. Assim, se seu credor de alguém e, em certo lapso de tempo, não cobrei a dúvida, perco o direito de cobrá-la, mas o crédito em si continua existindo. Caso o meu devedor também seja meu credor, poderei a qualquer tempo compensar os valores. Este é um instrumento básico de pacificação de relações jurídicas e sociais, pois o direito visa à estabilidade, motivo pelo qual não podem haver situações continuamente em aberto. Este é um princípio geral do direito aplicável em qualquer um de seus ramos[1].
Há casos, todavia, em que Constituição[2], e as leis[3] estabeleceu expressamente a imprescritibilidade como por exemplo para o crime de tortura ou de racismo. Note -se que são exceções constitucionais expressas pois, como qualquer acadêmico de direito sabe, as exceções não se presumem. Se não fosse assim, a ordem jurídica seria arbitrária, o que se constitui em uma contradição em seus próprios termos.
Alega-se que danos ambientais devido a sua gravidade, a sua perpetuação no tempo etc não prescrevem. A própria Procuradora Geral da República, em seu parecer enviado ao STF reconheceu que não há lei criando a exceção para os danos ambientais, entretanto, insistiu na tese da imprescritibilidade com base em argumentos meta jurídicos.” o direito ao pedido de reparação de danos ambientais está protegido pelo manto da imprescritibilidade, por se tratar de direito inerente à vida, fundamental e essencial à afirmação dos povos, independentemente de não estar expresso em texto legal”[4] Em sentido contrário, veja-se que há prescrição para o crime de homicídio (20anos).
Em primeiro lugar, há que se dividir o dano ambiental em duas grandes categorias: (1) o dano direto ou próprio, isto é, o dano ao meio ambiente em si e o (2) indireto ou impróprio, isto é o dano causado às pessoas e seus bens. A discussão se dá em torno de (1) e parte de (2), pois não há dúvida de que danos materiais prescrevem. Aliás, não devemos esquecer que a lei sobre responsabilidade nuclear (Lei nº 6453/1977) reconhece a aplicação do regime de prescrição[5] para o dano nuclear, sendo este “o dano pessoal ou material produzido como resultado direto ou indireto das propriedades radioativas, da sua combinação com as propriedades tóxicas ou com outras características dos materiais nucleares, que se encontrem em instalação nuclear, ou dela procedentes ou a ela enviados”.
Muitos se mostram preocupados com danos que só venham a se manifestar muitos anos após os fatos que lhes tenham dado causa, ou cujo conhecimento não seja contemporâneo `a sua ocorrência. O direito tem solução para tais problemas sem a necessidade de uma “jurisprudência criativa”. Com efeito, imaginemos que 10 anos após um grave derramamento de óleo no mar, chega-se `a conclusão que os peixes consumidos pela comunidade local sofreram mutações decorrentes do acidente e não se prestam para consumo, o artigo 189 do Código Civil fixará como dies a quo aquele em que a situação foi identificada. Não há, portanto, qualquer prejuízo para a proteção ambiental. Isto é importante nos casos em que os danos não decorrem imediatamente de um fato determinado.
O princípio da actio nata também é de grande utilidade para entender como se deve manejar o tema da prescrição em matéria ambiental, enquanto não existir uma lei que expressamente declare imprescritíveis os danos ao meio ambiente. Assim, o conhecimento da lesão do direito pela vítima e’ que, efetivamente, dará início `a contagem do prazo prescricional (AgRg nos EDcl no REsp 1.074.446/GO, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 13.10.2010; AgRg no Ag 1.098.461/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Raul Araújo Filho, DJe 2.8.2010; AgRg no Ag 1.290.669/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJe 29.6.2010; REsp 1.176.344/MG, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 14.4.2010.)
Como se viu, não existem motivos jurídicos, muito menos ambientais, para que se pratique uma verdadeira barbaridade contra a ordem jurídica reconhecendo-se um regime de imprescritibilidade sem qualquer previsão legal.
Notas:
[1] Código Civil:
Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts 205 e 206.
Art. 190. A exceção prescreve no mesmo prazo em que a pretensão.
[2] Constituição Federal, art. 5º:
XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;
XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem; …
XLIV – constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.
DOS ÍNDIOS
Art. 231…
§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.
[3] Código civil:
Art. 197. Não corre a prescrição:
I – entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal;
II – entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar;
III – entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou curatela.
Art. 198. Também não corre a prescrição:
I – contra os incapazes de que trata o art. 3º;
II – contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios;
III – contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra.
Art. 199. Não corre igualmente a prescrição:
I – pendendo condição suspensiva;
II – não estando vencido o prazo;
III- pendendo ação de evicção.
[4] https://www.oeco.org.br/noticias/danos-ambientais-nao-prescrevem-defende-raquel-dodge/
[5] Art . 12 – O direito de pleitear indenização com o fundamento nesta Lei prescreve em 10 (dez) anos, contados da data do acidente nuclear. Parágrafo único – Se o acidente for causado por material subtraído, perdido ou abandonado, o prazo prescricional contar-se-á do acidente, mas não excederá a 20 (vinte) anos contados da data da subtração, perda ou abandono.
*Paulo Bessa Antunes – Mestre e Doutor em Direito. Líder de Pesquisa Acadêmica cadastrada no CNPq. Visiting Scholar de Lewis and Clark College, Portland, Oregon. Professor adjunto de Direito Ambiental da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Procurador regional da República (aposentado). Foi Presidente da Comissão Permanente de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros. Ex-chefe da Assessoria Jurídica da Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro. Sócio da prática de Direito Ambiental do Tauil & Chequer Advogados, advogado e parecerista em Direito Ambiental. Autor de diversos livros e artigos sobre Direito Ambiental.
Fonte: Direito Ambiental