Poluir rios custa caro
Por Malu Ribeiro*
A poluição nos rios dos principais centros urbanos e econômicos do país reflete como o Brasil está distante de alcançar, até 2030, os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) assumidos durante a Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável.
A universalização do saneamento em São Paulo, anunciada para 2020, nos aproxima da meta do ODS6 – assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todas e todos. Apesar de estar uma década à frente da meta global, o Estado enfrenta o desafio das externalidades políticas, socioeconômicas e do clima, como evidenciam os resultados das análises da qualidade da água dos rios monitorados voluntariamente pela sociedade no programa Observando os Rios, da Fundação SOS Mata Atlântica.
As análises de 94 corpos d’água realizadas em 40 municípios da bacia do Rio Tietê, entre setembro de 2016 e agosto de 2017, apontam que São Paulo não conseguiu recuperar até agora o atraso decorrente da diminuição no ritmo das obras do Projeto Tietê e Córrego Limpo, assistida durante a crise hídrica. O estudo mostra que a mancha de poluição do Rio Tietê recuou 7 Km no último ano, passando de 137 Km para 130 Km. Entretanto, se manteve acima dos níveis de 2014, pré-crise hídrica, quando estava restrita a 71 km, a menor extensão já apurada pelo monitoramento, iniciado em 1993.
Para que possamos nos aproximar da chamada universalização do saneamento é preciso priorizar obras e investimentos, mas a recuperação do Tietê e sua enorme rede de drenagem não depende somente de avanços nos serviços de coleta e tratamento de esgotos. Para resultados mais expressivos é urgente que a gestão do saneamento ambiental ocorra de forma integrada, por todos os municípios, Estado, organizações públicas e privadas da bacia hidrográfica.
A região metropolitana de São Paulo reúne mais de uma centena de rios de Classe 4, a mais permissiva em relação a poluentes e que mantém rios em condição de qualidade péssima ou ruim, indisponíveis para usos. São todos afluentes do Tietê e altamente contaminados. Por isso se faz necessário o aperfeiçoamento da legislação que trata do enquadramento dos corpos d’água para excluir a Classe 4 da norma vigente.
Nesse cenário, a cobrança pelo uso da água e a compensação financeira por lançamento de poluição são instrumentos de gestão do Sistema Nacional de Recursos Hídricos que, se aplicados efetivamente, forçarão a mudança no enquadramento dos rios, a redução da transferência de poluição de uma bacia para outra e o fim de rios de Classe 4.
O princípio do “poluidor-pagador”, um dos fundamentos da cobrança pelo uso da água, é uma medida compensatória e de gestão que faz com que poluir fique bem mais caro do que tratar ou conservar. Visa eliminar as motivações econômicas da contaminação, aplicando a ética distributiva, prevista no Brasil desde o Código de Água de 1934 (Decreto 24.643/34).
A Política Nacional do Meio Ambiente impõe ao poluidor a obrigação de recuperar ou indenizar os danos causado. Aplica-se à pessoa física ou jurídica de direito público ou privado, responsável direta ou indiretamente por degradação ambiental. Os mesmos instrumentos e princípios estão contidos na Política Nacional de Recursos Hídricos e na de Resíduos Sólidos.
A região hidrográfica monitorada pelos voluntários da SOS Mata Atlântica concentra 27 milhões de habitantes, 65% da população do estado de São Paulo, e gera uma carga de poluição remanescente de esgotos tratados e não tratados de 730 toneladas de Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO) por dia. Em média, cada pessoa gera de 54 a 100 gramas de DBO por dia, variando de acordo com o padrão socioeconômico, de consumo e comportamento.
A bacia do Alto Tietê lança diariamente 591 toneladas de DBO no rio Tietê. Essa carga é medida no Cebolão, no encontro dos rios Pinheiros e Tietê, no município de São Paulo, e corresponde a 54% da carga de poluição hídrica do Estado.
A bacia dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí também transfere 106 toneladas DBO por dia nas águas do Tietê, no Reservatório de Barra Bonita.
O rio Tietê recebe a soma dessas imensas quantidades de poluentes e conta com os trechos de corredeiras, e com o maior volume de água do Médio Tietê, para depurar e recuperar a sua condição de uso múltiplo e vida aquática.
Para compensar o impacto e o serviço ambiental que o trecho do Médio Tietê presta à bacia hidrográfica e ao Estado de São Paulo, a Fundação SOS Mata Atlântica propõe que esses instrumentos compensatórios vigentes na legislação sejam aplicados. As bacias que transferem poluição devem compensar as bacias receptoras por meio do repasse de recursos proveniente da cobrança pelo usa da água por lançamento de DBO.
Dessa forma, o Comitê de Bacias do Alto Tietê passará a compensar as bacias de jusante pelo impacto que exporta com a ineficiência dos serviços de saneamento ambiental de seus municípios. O Comitê de Bacias dos Rios Sorocaba e Médio Tietê utilizará para cálculo da compensação pleiteada os valores vigentes da cobrança pelo uso da água, de R$ 0,13 o metro cúbico, referente ao preço unitário final de DBO (PUFDBO) anual.
O valor bruto da poluição que o rio recebe corresponde a R$ 76.830 milhões por ano.Tomando como base os valores praticados para transposição de água de boa qualidade, fixado em R$ 0,0191 o metro cúbico, o montante inicial pleiteado pelo Médio Tietê para negociação entre as bacias parte de R$ 12 milhões por ano.
A aplicação desse instumento torna economicamente mais vantajoso investir em tratamento do que usar rios para diluição de dejetos, ou seja, torna mais cara e inviável a prática de poluir.
Até hoje, a cobrança pelo uso da água no Estado de São Paulo não vem sendo aplicada para os casos de transferência de poluição, diluição e assimilação de cargas entre bacias hidrográficas. A justificativa é o fato de não haver um único poluidor responsável pela morte de grandes trechos de rios.
De fato, a contaminação é proveniente das cargas excedentes de todos os municípios da bacia, dos órgãos gestores estaduais e de todos os usuários de água. Cabe aos Comitês de Bacias, que reúnem todos esses atores, promover a gestão compartilhada da água e a cooperação, lema do 8 Fórum Mundial da Água, que acontecerá no Brasil, em março de 2018.
A cobrança por transferência de DBO entre bacias, como medida de justiça e compensação, acaba com a zona de conforto dos entes federados e usuários da água que não assumem a sua parcela de responsabilidade e solidariedade perante o real custo da poluição.
*Malu Ribeiro é especialista em Água da Fundação SOS Mata Atlântica, ONG brasileira que desenvolve projetos e campanhas em defesa das Florestas, do Mar e da qualidade de vida nas Cidades. Saiba como apoiar as ações da Fundação em www.sosma.org.br/apoie.
Originalmente publicado no Blog do Planeta.
Fonte: SOSMA