Políticas Públicas e interfaces: a importância para o planejamento e gestão territorial e formação da cidadania
Por Profa. Dra. Clauciana Schmidt Bueno de Moraes*
Informar e educar sobre políticas públicas a cada cidadão deveria ser algo comum e contínuo, porém grande parcela da sociedade não possui conhecimento do seu real papel de cidadão como ator participativo na formação e gestão das cidades. Analisando o contexto das políticas públicas, podemos encontrar alguns apontamentos necessários antes das demais explanações.
É necessário estabelecer desde o início a distinção entre dois termos ingleses, “policy” e “politics”, uma vez eles que fazem referência a dois conceitos bastante distintos, mas que possuem a mesma tradução em português: política. Ao utilizarmos a expressão “política”, o conceito de “policy” (que possui como uma das traduções possíveis para o português o termo planejamento), torna-se adequado para tal contexto (Ham & Hill, 1993).
Thomas Dye (1976) descreve que análise de políticas “é descobrir o que os governos fazem, porque o fazem e que diferença isto faz”. Na visão deste autor todas as definições de análise de política, de fato, significam a mesma coisa, ou seja, “a descrição e explicação das causas e consequências da ação do governo”.
A relação direta entre o entendimento e análise das políticas públicas e a gestão pública, é algo que deve caminhar em conjunto com a dinâmica das cidades e das ações sociais e governamentais. Segundo Dagnino (2016), a gestão pública pode ser entendida como sendo a união de dois conjuntos. O primeiro é formado por outros dois subconjuntos que, por sua vez, possuem uma intersecção constituída pelas atividades de Gestão Governamental, a que ocorre exclusivamente no Estado, para atender interesses da empresa e também do movimento social. O segundo subconjunto – a Gestão Social – ocorre no movimento social, entidades sociais e também no Estado, mas para atender os interesses do movimento social.
A Gestão Pública engloba, portanto, a Gestão Governamental – cujo foco são os interesses da empresa e também do movimento social – e a parte da Gestão Social que ocorre no movimento social. Esse procedimento se fundamenta no fato de que as atividades concernentes à Gestão Social e, ainda que parcialmente, e em menor medida, à Gestão Governamental, são do interesse público (Dagnino et al, 2016).
Retomando a problemática atual sobre a necessidade da discussão das políticas públicas, exemplificando-se ainda com o caso do Brasil, nota-se que a sociedade brasileira a qual atualmente encontra-se em meio à “tantas crises” com problemas de saneamento básico para a população, saúde pública, economia, acaba por priorizar a “sobrevivência”, e se esquivando talvez muitas vezes de vivenciar ou se preocupar com crises de cunho político, e não entendem que a questão política está diretamente ligada a estes outros fatores, seja para “cobrar” seus direitos e/ ou para contribuir com seus deveres como cidadão.
Afinal, muitos acreditam na política apenas em ano de eleição. Um erro. A política está no nosso cotidiano, desde o momento que acordamos, quando recebemos a água potável (ou não), quando utilizamos para nossa higiene e alimentação, coisas tão simples e tão necessárias neste momento de pandemia. Quando destinamos nossos resíduos, que ao contrário do que alguns “pensam” não “somem no ar”, permanecem no planeta. Resíduos precisam ser geridos, tem custos, precisam ser tratados para evitar não apenas passivos ambientais, mas para garantir saúde e qualidade de vida nas cidades.
Política, está na sua ida ao trabalho, na tranquilidade, ou no caos do seu trajeto; está na falta de um trabalho.
A política está quando necessitamos deixar nossos filhos em uma escola, na certeza de que irão apreender valores, conhecimento, e que iremos valorizar aqueles que serão seus mentores, os professores. Professores estes que respiram e vivem a política, nas dificuldades, no dia-a-dia, e alguns desses nesta luta diária, talvez nem se deem conta o quanto a política está presente nesta sua rotina. E alguns, refletem, por fim, como ensinar política na sala de aula com tantos tabus e pré-conceitos, com tantas emergências humanas que as vezes ultrapassam os livros, onde o aluno “corre para a escola” pela merenda.
A política está quando na madrugada, ou em um momento de desespero ou rotina, precisamos do médico, do enfermeiro, do hospital, de dignidade humana, de igualdade para sermos tratados como qualquer outro ser humano neste momento delicado e de cuidados. Portanto, torna-se visível a importância das políticas públicas como ciência, como base para as ações práticas e como subsídio para os gestores públicos.
Para Dye (1976), a análise de políticas tem um papel importante na ampliação do conhecimento da ação do governo e pode ajudar os “fazedores de política” a melhorar a qualidade das políticas públicas.
Torna-se oportuno em um ano de eleições municipais no Brasil um evento internacional que dê um foco na discussão sobre a importância das políticas públicas para o planejamento e gestão territorial e formação da cidadania.
Pensando na importância da discussão deste contexto, foram realizadas discussões em diversas destas temáticas no IV SIPPEDES – Seminário Internacional de Pesquisa em Políticas Públicas e Desenvolvimento Social (https://www.youtube.com/channel/UCLKnup3w6sRsOziLDRQytZw). O Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Análise de Políticas Públicas da Universidade Estadual Paulista (UNESP/ Franca) realizou o evento entre os dias 26 e 28 de Outubro de 2020. O evento internacional foi transmitido ao vivo pelo YouTube e acompanhado por centenas de profissionais, diversas instituições públicas e privadas e universidades do Brasil e do exterior.
Segundo a coordenadora do IV SIPPEDES, Tatiana Noronha de Souza, “o evento oportunizou intensa troca de experiências a partir de uma perspectiva interdisciplinar, reafirmando a importância das pesquisas em ciências humanas, sociais, ambientais e da saúde, tão atacadas nos últimos anos, pelos movimentos conservadores e negacionistas. Este encontro é parte de uma estratégia de enfrentamento e resistência política e intelectual, frente ao retrocesso civilizatório que estamos enfrentando, em defesa dos valores democráticos até então conquistados”.
As atividades iniciaram no dia 26 de outubro com a Conferência de Abertura, cujo tema foi “Diretos Humanos e as Políticas Públicas” (https://www.youtube.com/watch?v=RUS1S6LpJjs), com Paulo Vanucchi (ex-ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos – SEDH). A mediação foi realizada pelo Prof. Dr. Agnaldo de Sousa Barbosa, coordenador do Programa de Pós-graduação em Planejamento e Análise de Políticas Públicas. “Dar espaço privilegiado à discussão acerca dos direitos humanos na abertura do IV SIPPEDES, sobretudo por meio de uma voz tão relevante nesse debate quanto a do ex-ministro Paulo Vanucchi, é demonstrar o compromisso da Universidade com valores que, apesar de relativizados nos últimos tempos, tem centralidade indiscutível na agenda das políticas públicas”, comenta o Professor Agnaldo de Souza Barbosa, coordenador do programa.
“O IV SIPPEDES evidenciou a importância da pesquisa em políticas públicas, sobretudo em um momento de pandemia do Novo Coronavírus, em que a desigualdade social e econômica ficou ainda mais evidente”, afirma Rosa Carolina Negrini da Costa, Mestranda do Programa de Planejamento e Análise de Políticas Públicas da UNESP de Francan, especialista em Direito Tributário (PUC-Minas) e bacharel em Direito (UFOP) e em História (USP).
Ainda no dia 26 foram realizadas as seguintes mesas redondas, citadas a seguir. “O financiamento da educação infantil no velho e no novo Fundeb” (https://www.youtube.com/watch?v=2P9_KRfNDns), com a participação do Prof. Dr. José Marcelino R. Pinto (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo – FFCLRP/ USP) e mediação da Profa. Dra. Hilda M. G. da Silva (UNESP).
A Mesa “Saneamento Ambiental e Políticas Públicas: Desafios e Perspectivas” (https://www.youtube.com/watch?v=SERnhv2Fcr4), contou a participação do Prof. Dr. Carlos Manuel Martins (Mestre em Planejamento Regional e Urbano, Engenheiro e Professor Especialista em Engenharia Sanitária no IPL – Instituto Politécnico de LISBOA. Presidente das Águas do Alto Minho e Ex-Secretário de Estado do Ambiente de Portugal), Doutor Antonio Fernando Pinheiro Pedro** (Advogado e Especialista em Direito Ambiental. Diretor-sócio da Pinheiro Pedro Advogados. Consultor Jurídico da Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos – ABREN) e Prof. Ms. José Valverde Machado Filho (Coordenador Executivo do Comitê de Integração de Resíduos Sólidos da Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do Estado de São Paulo), a qual foi mediada pela Profa. Dra. Clauciana Schmidt Bueno de Moraes (UNESP).
“Diversos cidadãos pensam que falar sobre política é algo exclusivo apenas para políticos. O IV SIPPEDES demonstrou justamente o oposto, onde todos podem contribuir com as políticas públicas. O evento abordou temas relevantes em diversos setores como saúde, meio ambiente e saneamento básico. Na Mesa sobre Saneamento Ambiental, por exemplo, pude conhecer mais sobre as legislações deste setor, atuais alterações legais e conhecer experiências bem-sucedidas de países do exterior, como Portugal. Para minha formação contínua como profissional da Engenharia Ambiental, foi um evento necessário para uma visão complementar do nosso papel junto as políticas públicas”, comentou Ananda Islas da Silva, Engenheira Ambiental (UNESP) e Analista de Meio Ambiente.
A Mesa “Saúde Pública” (https://www.youtube.com/watch?v=xYFohDl4uAk), contou com a participação da professora Eliana Goldfarb Cyrino (Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP), professora Elen Rose L. Castanheira (Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP) e professora Ludmila C. de Braga (Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP, mediada pela Profa. Dra. Fernanda de Oliveira Sarreta (UNESP).
No dia 27 de Outubro, ocorreram as palestras: “Abordagens resilientes e níveis de governança no desenvolvimento da juventude em regiões de fronteira de Portugal” (https://www.youtube.com/watch?v=0kapsE1pr6c) com a professora Sofia Marques da Silva (Universidade do Porto-PT), com mediação da Profa. Dra. Madalena Gracioli (UNESP). Em seguida, ocorreu a palestra “O Racismo na legislação brasileira pós-CF/1988: o impacto do SEPPIR” (https://www.youtube.com/watch?v=LqvhEyPeaH4) com o professor Dimas José Batista (Universidade Federal de Tocantins – Campus Araguaína) e mediação do professor Jonas Rafael dos Santos (UNESP).
Ainda nesta data, ocorreu a Mesa “Meio Ambiente e Políticas Públicas” (https://www.youtube.com/watch?v=WnhDGu8d1ww), com os seguintes os temas: “A importância das matas ciliares urbanas na proteção e conservação da biodiversidade” com o professor Célio Bertelli (Centro Universitário Municipal de Franca) e “Políticas Públicas de meio ambiente em tempos de pandemia” com Mário Mantovani (Diretor de Políticas Públicas – SOS Mata Atlântica) e mediação do Prof. Dr. Genaro Alvarenga. E, a palestra “O efeito das ações humanas na Amazônia e o impacto nas mudanças climáticas e as emissões de carbono” (https://www.youtube.com/watch?v=oqRNhIKmc2o) com a doutora Luciana Gatti (Instituto de Pesquisas Espaciais – INPE) e mediação da Profa. Dra. Fernanda Mello Sant’Anna (UNESP).
Segundo Willian Leandro Henrique Pinto, Engenheiro Ambiental (UNESP), Mestre em Tecnologia (UNICAMP) e Analista Ambiental; “participar do IV SIPPEDES foi uma experiência engrandecedora. A programação de palestras e os trabalhos referentes aos 11 eixos temáticos propostos me proporcionaram um aprendizado multidisciplinar no tocante às políticas públicas. Além disso, pude contribuir com as discussões do evento ao submeter minha pesquisa atual cuja temática abrange a segurança de barragens e planejamento ambiental urbano”.
No último dia do evento ocorreu a palestra “Políticas de ensino superior, universidade, democracia e mudança social” (https://www.youtube.com/watch?v=MenRP3-8fdw) com o professor Krystian Szadkowski (Universidade Adam Mickiewicz) e a palestra “Teoria crítica e democracia” (https://www.youtube.com/watch?v=MenRP3-8fdw) com o professor Jeremiah Morelock (Boston College) e mediação do Prof. Dr. Felipe Ziotti Narita. Em seguida, ocorreu o encerramento do IV SIPPEDES com o Prof. Dr. Agnaldo de Sousa Barbosa, Coordenador do Programa.
Em todos os dias ocorreram simultaneamente a apresentação dos 235 trabalhos científicos que foram aprovados para o evento com a discussão de diversas temáticas que envolvem as políticas públicas. A próxima edição do SIPPEDES irá ocorrer em 2022. Todas as palestras do IV SIPPEDES (2020) estão disponíveis no canal do Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Análise de Políticas Públicas no YouTube e são apresentadas por temáticas (https://www.youtube.com/channel/UCLKnup3w6sRsOziLDRQytZw)
Portanto, é indispensável discutirmos continuamente a formação da cidadania e a formação de gestores públicos. Conforme descreve Dagnino (2016), no que se refere ao gestor público estes deverão seguir atuando no interior do aparelho do “Estado Herdado”, não preparado para enfrentar os problemas que a sociedade hoje lhe coloca. E, ao mesmo tempo, transformá-lo no sentido da criação do “Estado Necessário”, entendido como um Estado capaz não apenas de resolvê-los, mas de fazer emergir e satisfazer as demandas da maioria da população.
A política faz parte do nosso cotidiano, gostemos ou não. Devemos discutir as políticas públicas e, portanto, a partir disso, buscar informar e formar cidadãos e gestores mais críticos, mais atuantes, conhecedores de que fazemos parte da política, e de que precisamos entender e nos envolvermos com a gestão das nossas cidades, do nosso país, através dos nossos direitos e deveres de cidadania.
Discutir e contribuir com as políticas públicas, é sim, resgatar valores, fortalecer a dignidade humana, e contribuir para a educação, saúde, emprego, habitação, economia, direitos humanos, meio ambiente e na participação do processo de planejamento e gestão das cidades. E especialmente, contribuir para a construção de políticas públicas quem deem prioridade para o bem coletivo e a qualidade de vida; um direito de todos.
Referências:
DAGNINO, R.; CAVALCANTI, P. A.; COSTA, G. (Org.) Gestão Estratégica Pública. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2016.
DAGNINO, R. A capacitação de gestores públicos: uma aproximação ao problema sob a ótica da Administração Política. Revista Brasileira de Administração Política, Bahia, v. 3, 2010.
DYE, T. R. The policy analysis. Alabama: The University of Alabama Press,1976.
HAM, C.; HILL, M. The policy process in the modern capitalista state. Harvester Wheatsheaf, Londres, 1993.
*Profa. Dra. Clauciana Schmidt Bueno de Moraes – Geógrafa (UNESP), Administradora (UNIP), Possui Mestrado e Doutorado em Ciências da Engenharia Ambiental pela Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo – EESC/ USP, Pós-doutorado Empresarial em Ciências Ambientais – CNPq. É Professora e Pesquisadora do Instituto de Geociências e Ciências Exatas (IGCE/ UNESP) e Docente Permanente do Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Análise de Políticas Públicas (UNESP), (http://lattes.cnpq.br/3559496026857773).
**Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor-Chefe dos Portais Ambiente Legal, Dazibao e responsável pelo blog The Eagle View. Twitter: @Pinheiro_Pedro. LinkedIn: http://www.linkedin.com/in/pinheiropedro
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Publicação Ambiente Legal, 24/11/2020
Edição; Ana A. Alencar