PEDESTRE: CIDADÃO DE SEGUNDA CLASSE
MOBILIDADE URBANA, NO BRASIL, NÃO É PARA PEDESTRES
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
SOMOS TODOS SEMOVENTES
MOBILIDADE URBANA virou sinônimo de meios de transporte, trânsito de veículos, tráfego e congestionamentos.
Porém, o tema não se restringe apenas à movimentação de carros, caminhões, ônibus, motos ou bicicletas por leitos carroçáveis (ou não). Mobilidade urbana compete, sobretudo, a quem anda a pé.
Acima de tudo, somos pedestres.
Ao que tudo indica, nos esquecemos de nossa característica principal, sermos semoventes.
A amnésia com relação ao nosso estado começa na própria Política Pública instituída no Brasil.
De fato, diz a Lei Federal 12.587/2012 – Política Nacional de Mobilidade Urbana:
“Art. 1º – A Política Nacional de Mobilidade Urbana é instrumento da política de desenvolvimento urbano de que tratam o inciso XX do art. 21 e o art. 182 da Constituição Federal, objetivando a integração entre os diferentes modos de transporte e a melhoria da acessibilidade e mobilidade das pessoas e cargas no território do Município”.
Mas… quais seriam os diferentes modos de locomoção? O texto legal não inclui nossa própria mobilidade.
Nos 28 artigos postos no referido diploma legal, não há uma única palavra nem uma única referência aos pedestres…
A Lei menciona a universalização de acesso aos meios de transporte mas não estabelece uma única diretriz para garantir a universalização do acesso, segurança e conforto de quem anda a pé – literalmente a totalidade da população.
A omissão legal, é sinérgica. O marco legal de mobilidade urbana faz remissão expressa ao Estatuto da Cidade (Lei Federal 10,257/2001), o qual também não faz qualquer menção aos pedestres.
Os pedestres só serão amparados legalmente no Código Nacional de Trânsito – que não trata de políticas públicas e, no entanto, é o único texto que contempla regra voltada à segurança e proteção ao pedestre – em relação às vias de tráfego de veículos.
CORRIDA DE OBSTÁCULOS
De fato, há uma lacuna no que tange à garantia legal de conforto, qualidade de vida e liberdade de movimento do pedestre, face ao tráfego urbano.
Demanda não falta: ausência de sinalização ou sinalização inadequada, calçadas impróprias e mal cuidadas, vias de pedestres utilizadas indevidamente por carros, bicicletas, skates, donos de estabelecimentos comerciais e camelôs…
Até mesmo postes de iluminação e suporte de placas de trânsito tornam-se barreiras intransponíveis, obrigando o pedestre a “invadir” o “leito carroçável” das vias, para se locomover.
Vários são os locais em que calçadas viram depósito de lixo.
Em algumas cidades há respeito dos motoristas às faixas de pedestre. No entanto, isso é exceção.
Iluminação pública, então… é para permitir a mobilidade dos veículos – calçadas vivem às escuras.
Sinais de tráfego, iluminação de rua, calçamento e estruturas de calçadas, via de regra, atendem a todo tipo de funcionalidades, mas não aos pedestres.
A responsabilidade pela mobilidade do pedestre é do Poder Público. Este, no entanto, limita-se quando muito, a fiscalizar a “conservação” das calçadas e ignora sua funcionalidade.
Conservação da calçada, aliás, é responsabilidade do proprietário do imóvel fronteiro ao trecho da via. Para tanto, a calçada sempre irá servir à funcionalidade pretendida pelo proprietário do lote que a conserva, expondo o pedestre ocasional a toda sorte de idiossincrasias convenientes ao bunker urbano lindeiro à calçada: pedras entre “matinhos”, degraus desproporcionais, rampas íngremes, espinhos, “desvios”, seguranças-armários-armados-enxotadores de pedestres, ciclovias… etc…
Como a fiscalização é praticamente inexistente e, quando muito, sujeita a denúncias, o pedestre vive em permanente situação vulnerável no trânsito brasileiro. Uma permanente corrida de obstáculos.
Outra questão reveladora da ausência de proteção pública a quem se desloca a pé pelas cidades são as campanhas de segurança do trânsito.
Conforme anúncios oficiais, o resultado positivo das campanhas e medidas adotadas pelo Sistema Nacional de Trânsito, reflete-se na redução pontual de acidentes de veículos. Os índices de atropelamento, no entanto, continuam dignos de uma guerra civil.
VIAS EXPRESSAS – TRITURADORES HUMANOS
Outros problema grave: vias expressas e auto estradas em área urbana.
Construídas visando tão somente o fluxo de tráfego de veículos, essas estruturas lineares costumam ser planejadas e implantadas desprezando o ecossistema urbano consolidado no entorno. De fato, constituem verdadeiros trituradores da paisagem urbana e de vidas humanas.
Trata-se de infraestrutura implantada sem atentar para o seccionamento que geralmente provoca, de vilas, loteamentos, bairros ou mesmo cidades inteiras.
Se ocasionalmente projetam sombras, isolam casas, manchas urbanas e segregam comunidades, as vias expressas sempre obrigam o pedestre a percorrer longos percursos até poder atravessá-las de forma segura, por meio de passarelas ou passagens subterrâneas distantes e construídas de forma ocasional – geralmente após alguma tragédia com atropelamento.
Essas passarelas, ou passagens subterrâneas em estradas e vias expressas, quando existentes, constituem um show à parte: escadas em caracol, longas rampas em zigue-zague, gradis mal dimensionados, falta de iluminação, nenhuma manutenção, cantos escuros, espaços usados como banheiro público…
Quando há semáforo, o espetáculo é diferente. O sistema semafórico costuma priorizar a mobilidade dos veículos, não dos pedestres. Provoca travessias curtas seguidas de longas esperas em ilhas… mesmo quando há grande movimento de transeuntes a pé.
Não raro, os semáforos são calibrados para permitir a travessia de corredores olímpicos… Isso constitui um desafio à paciência do cidadão que circula sobre por seus próprios pés, ou auxiliado por uma cadeira de rodas, ou com o apoio de muletas e bengala… submetido a buzinaços e esperas em ilhas entre semáforos…
Algumas cidades, como Londres, já estão recalculando o fluxo dos semáforos a partir do número de pedestres. No Brasil os debates a favor do aumento do tempo para travessia de pedestres ainda engatinham.
As iniciativas mais complexas – como as faixas em X, instituídas em São Paulo – possuem mais caráter midiático que, propriamente, funcional…
Esse caos é apenas parte das dificuldades estruturais ou sistêmicas enfrentadas por quem anda a pé em nossas cidades.
FAIXAS E REDUÇÃO DE VELOCIDADE
Eduardo José Daros, presidente da Associação Brasileira de Pedestres (Abraspe) declarou recentemente à imprensa que: “As políticas urbanas estão transformando as cidades em armadilhas. Em um mundo altamente tecnológico, estamos na Idade Média na garantia da acessibilidade. No Brasil, o pedestre é cidadão de segunda classe.”
Exemplo de cidadania reduzida é justamente a política de instalação de ciclofaixas em centros urbanos no Brasil, sendo o foco principal do conflito a cidade de São Paulo. Imbuído de uma necessidade absoluta de marcar sua gestão com alguma iniciativa de impacto social, o prefeito Fernando Haddad distrituiu ciclofaixas a torto e à direito pela cidade, segregando ainda mais os espaços destinados á circulação de pedestres…
A obsessão desacompanhada de planejamento já resultou em acidentes graves e questionamentos que fragilizaram uma política que intencionava priorizar formas alternativas de mobilidade urbana…
Há, porém, iniciativas legislativas mais sérias, em curso.
A Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara Federal aprovou um projeto de lei (PL 6207/13), do deputado Walter Feldman (PSDB-SP), que dispõe sobre a circulação de pedestres e ciclistas. A proposta altera a Política Nacional de Mobilidade Urbana – Lei Federal12.587, já aqui mencionada.
O projeto de lei faz o óbvio: inclui calçadas, passeios e passagens de pedestres no rol da infraestrutura de mobilidade urbana, ao lado de vias e ciclovias.
Pelo projeto de Walter Feldmann, é também priorizada a acessibilidade das pessoas com deficiência e os deslocamentos de pedestres, permitindo maior visibilidade do cidadão que se desloca a pé nas políticas públicas de mobilidade urbana.
No campo administrativo, o governo federal procura reagir à inércia. Recentemente foi baixado regulamento instituindo um novo modelo de faixas para travessia de pedestres – Resolução 495 do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN). A norma, publicada em 5 de junho de 2014, visa promover melhoria na acessibilidade, conforto e segurança na circulação e travessia dos pedestres nas vias públicas e propiciar aos condutores maior visibilidade da travessia de pedestres.
Pelo regulamento, a faixa deverá ser elevada em locais onde haja autorização expressa do órgão ou entidade de trânsito com circunscrição sobre a via. A mudança, na sua maior parte, ficará a cargo das Prefeituras.
Nos novos modelos de faixas a elevação deve ser igual à altura da calçada, desde que não ultrapasse 15 cm. Em locais em que a calçada tenha altura superior a 15 cm, a concordância entre o nível da faixa elevada e o da calçada deve ser feita por meio de rebaixamento da calçada. Esses detalhes técnicos seguem a norma ABNT NBR 9050.
As faixas elevadas podem ser implantadas somente em trechos de vias que apresentem características operacionais adequadas para tráfego em velocidade máxima de 40 km/h, seja por suas características naturais, seja por medidas para redução de velocidade. Assim, é patente que a implantação da nova estrutura implicará na redução da velocidade permitida aos veículos nas vias urbanas.
Assim, a resolução inaugurou uma nova temporada de conflitos entre administrações municipais e motoristas – razão pela qual sua implantação tem se dado e continuará ocorrendo de forma vagarosa e hesitante.
CONCLUSÃO
Enquanto isso, os pedestres continuam enfrentando obstáculos, desviando de buracos, saltando sobre poças, arriscando a vida ao trafegar no leito carroçável das vias públicas, ziguezagueando em meio ao tráfego de veículos, nas vias públicas.
Urge, portanto, que ocorram campanhas sobre segurança no trânsito, direcionadas a pedestres e, sobretudo, a motoristas e administradores públicos.
Fontes:
http://www.cidadessustentaveis.org.br/noticias/prioridade-para-pedestres-fica-apenas-no-papel
http://www.institutocarbonobrasil.org.br/cidades1/noticia=737418#ixzz369uPuKrT
http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/CIDADES/470446-PROJETO-ESTIMULA-USO-DE-BICICLETAS.html
http://www.theeagleview.com.br/2015/08/a-brincadeira-mortal-de-haddad-playmobil.html?q=pedestre
http://www.ambientelegal.com.br/mobilidade-urbana-no-brasil-nao-e-para-pedestres/#sthash.k8D2ii73.BAbVLfDI.dpuf
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Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.