PANTANAL: NASCIMENTO, VIDA E MORTE (PRÓXIMA?)…

Pantanal, Mato Grosso do Sul, Brasil

Baias e salinas na região do Rio Negro Mato Grosso do Sul maio de 2000

 

Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro

Uma preciosidade resultante de um acaso geológico, com características peculiares e ameaçado por sua própria natureza sedimentar. Este é o Pantanal Matogrossense.

NASCIMENTO

O Pantanal Mato-Grossense é considerado a maior planície alagada contínua do mundo, uma imensa área de sedimentação e inundação cuja fonte provém do planalto que o circunda. Divide-se em várias sub-bacias hidrográficas, considerando as diferenças de sedimentos, tipo de solo, drenagem, altimetria e vegetação.

Segundo o grande geógrafo, professor Aziz Ab’Saber, o pantanal é resultado de um processo geológico progressivo de afundamento (subsidência) do que antes era uma grande saliência, por conta de falhamentos de blocos, culminando com uma gigantesca movimentação da placa tectônica (orogênese andina – ou seja, o surgimento abrupto e violento da cordilheira dos Andes), há milhões de anos, provavelmente no chamado período terciário. Posteriormente, o terreno passou por dissecação intensa em condições climáticas ainda mais úmidas que a atual, sendo individualizado no período Pleistoceno, resultando na depressão para onde foram e ainda são carreados sedimentos.

Por sofrer assoreamento constante, a drenagem das águas na depressão sedimentar é lenta, gerando alagamentos. Ademais, as águas superficiais ficam retidas, estranguladas no seu curso por um gargalo geológico formado por elevações à jusante, chamadas “Fecho dos Morros do Sul”, no Paraguai.

Assim, em que pese o nome, as áreas pantanosas na depressão são muito pequenas. A região é, na verdade, alagadiça – pelas características já descritas. Por isso, o Pantanal é considerado uma das maiores extensões úmidas contínuas do planeta.

A depressão está localizada no alto curso do Rio Paraguai, que integra a grande bacia do Prata, um complexo sistema hídrico alimentado por águas vertidas “de fora para dentro” – das beiradas dos planaltos à leste (do planalto central e desde a Serra do Mar), da cordilheira andina à oeste e do planalto amazônico ao norte – para o interior do continente, em direção ao sul, até a foz do Rio da Prata, onde irá alimentar o frio Oceano Atlântico – Sul com enorme volume de água doce provinda da quente região equatorial. Esse incrível “sistema invertido” banha cinco países e forma a segunda maior bacia hídrica da América do Sul, a qual reponde por 60% da geração de energia por hidrelétricas no continente.

O pantanal recebe, portanto, influência direta de três importantes biomas: Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica. Não fosse, portanto, pelo grande fluxo de água na região e pelo fato de resultar em um grande reservatório, que armazena as águas que escoam dos planaltos circundantes, o pantanal seria tão seco quanto a caatinga.

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Sub-bacias do pantanal

 

VIDA

Sobre essa formação hidro-geológica desenvolveu-se todo um bioma, o Complexo do Pantanal, coberto por uma formação de cerrado com a região alagada coberta de vegetação rasteira, de planície – formando uma “savana estépica”, com 250 mil km² de extensão, e altitude entre 90 a 200 metros acima do nível do mar.

O pantanal, por todas essas peculiaridades, se assemelha a área subtropical próxima ao mar, um “everglade” brasileiro em pleno centro do continente. Não por outro motivo, animais similares aos que se encontram no oceano e regiões costeiras, existem no pantanal.

Já foram catalogadas ali cerca de 263 espécies de peixes, 41 espécies de anfíbios, 113 espécies de répteis, 463 espécies de aves e 132 espécies de mamíferos – sendo 2 endêmicas (ou seja, só existem ali). Foram também catalogadas quase duas mil espécies de plantas – identificadas e classificadas inclusive de acordo com seu potencial medicinal.

Seres humanos também compõe a fauna local, e formam uma grande riqueza cultural, pelas comunidades tradicionais indígenas, de quilombolas e de pantaneiros.

Tamanha é sua biodiversidade, que o Pantanal foi considerado pela UNESCO, Patrimônio Natural Mundial e Reserva da Biosfera. O governo brasileiro instituiu na região o Parque Nacional do Pantanal.

Porém, segundo o Ministério do Meio Ambiente, apenas 4,6% do Pantanal encontram-se protegidos por unidades de conservação, dos quais 2,9% correspondem a UCs de proteção integral e 1,7% a UCs de uso sustentável.

No Brasil, a região abrange o oeste do estado do Mato Grosso e o noroeste do estado do Mato Grosso do Sul (140.000 km2 em território brasileiro). Engloba o norte do Paraguai e o leste da Bolívia – nesses países é chamado de chaco.

As ações governamentais de preservação, no entanto, constituem forma de retardar um processo de degradação natural previsível, hoje acelerada pela poluição.

Ocorre que o bioma não perdeu sua característica sedimentar. Continua a ser assoreado e está, a cada dia, sofrendo impactos decorrentes não apenas das alterações climáticas, como também das ações humanas.

Bioma peculiar - cerrado, vegetação de estepe em terreno alagadiço... pleno de vida.

Bioma peculiar – cerrado, vegetação de estepe em terreno alagadiço… pleno de vida.

 

MORTE (PRÓXIMA?)

A morte do pantanal é certa. O problema é que este momento se aproxima e pode ocorrer ainda neste século.

Um estudo recentemente publicado no livro Dynamics of the Pantanal Wetland in South America – “Climate Change Scenarios in the Pantanal” – aponta que as planícies alagadas do pantanal correm o risco de “sumir” até 2100.

A obra é fruto de pesquisas organizadas pelos cientístas do CEMADEN – Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais e do CCST – INPE – Centro de Ciência do Sistema Terrestre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, ambos do MCT (Ministério de Ciência e Tecnologia). Seus autores são os professores Jose A. Marengo , Gilvan S. Oliveira e Lincoln M. Alves.em Cachoeira Paulista. Eles tiveram o apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo) e do INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas).

Segundo a obra, as principais causas de risco são o aumento da temperatura na região em até 7% e a diminuição das chuvas em até 40%.

Hoje, durante os meses de cheia – novembro a março – os rios transbordam em até 70%. Nos meses restantes, de seca, quando as águas baixam, formam-se camadas de sedimentos férteis que impulsionam o crescimento da vegetação e das pastagens.

Todo esse rico ciclo hidrológico corre o risco de ser extinto, de acordo com o estudo realizado pela equipe do hidrologista e meteorologista José Antonio Marengo Orsini, do CEMADEN.

Sistema agonizante?

Sistema agonizante?

 

“Um aumento da temperatura média de 5º C a 6 °C implicaria em deficiência hídrica, o que afetaria a biodiversidade e a população”, observa Marengo. “Isso porque o aumento da temperatura e diminuição das chuvas provocará o aumento da evaporação das águas do pantanal e comprometerá drasticamente toda a sua biodiversidade”, completa o cientista.

O estudo ressalta o aumento da temperatura mundial e projeta para a região pantaneira um aumento em torno de 10° C, até 2100, chegando aos 50°C nos dias mais quentes (hoje, a média já chega a ultrapassar os 40°C). Estamos próximos de uma temperatura de deserto. O fato compromete a fauna e a flora do bioma.

Embora as questões climáticas sejam uma realidade que comprometem todo o planeta, há outro perigo: a falta de controle territorial dos governos atingidos pelo Bioma.

O estudo aponta o “descaso com o avanço da agropecuária e do turismo sem a devida fiscalização”. Critica o acesso descontrolado às poucas áreas de preservação e, também, aponta a multiplicação de atividades ilegais na região pantaneira.

De fato, o fator humano é um componente sinistro na tragédia que naturalmente se avizinha.

Pesquisa: Ana Alves Alencar

 

Fontes:

http://agencia.fapesp.br/pantanal_pode_ter_temperaturas_elevadas_em_7_c_ate_2100_indica_estudo/22994/

Climate Change Scenarios in the Pantanal – Jose A. Marengo e outros, in Dynamics of the Pantanal Wetland in South America, Springer International Publishing Switzerland, (doi: 10.1007/698_2015_357),http://link.springer.com/chapter/10.1007%2F698_2015_357

ORIGEM E EVOLUÇÃO DO PANTANAL MATO-GROSSENSE – SOUZA, C. A. – http://www.labogef.iesa.ufg.br/links/sinageo/articles/132.pdf

 

afpp-55 (3) - CopiaAntonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.

 

 

 

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