OS TRITURADORES DA REPÚBLICA
O Supremo triturou a República fatiando o impeachment. O Senado, mantendo direitos da destituída, triturou a Constituição
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
A sessão de julgamento de Dilma Rousseff no Senado Federal, de 31 de agosto de 2016 transitará pelos dois lados da história. Entrará pela porta da frente, pelo fato da cassação do mandato de uma presidente desprovida de capacidade de governar, cessando um projeto criminoso de poder. Sairá pela porta dos fundos pelo fatiamento do julgamento, em desobediência à Constituição Federal, que permitiu manter o direito da destituída de exercer funções públicas.
A manobra ao final do espetáculo, revelou uma trama para embaraçar os processos contra políticos envolvidos na chamada Operação Lava-Jato, que está passando a limpo o Brasil.
Assim, após o alívio com o impeachment, veio o golpe contra a lava-jato.
O expediente do senado não pode ser visto isoladamente. Ele é consentâneo com o labirinto procedimental construído no Supremo Tribunal Federal.
Triturando a Constituição
Se o Supremo Tribunal bancou o Triturador da República ao encetar o roteiro da burocratização do Impeachment, o Senado Federal assumiu o papel de Triturador da Constituição, fazendo letra morta o artigo da Carta, que determina não apenas a perda do cargo, mas, também, a inabilitação da presidente destituída para o exercício de função pública.
A Constituição é clara: o impeachment de um presidente significa a perda do cargo,com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública.
A regra é expressa:
“Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
I – processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles;
II – processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade;
(…)
Parágrafo único – Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.”
Não tem chicana possível contra a letra expressa da norma. O impeachment e a inabilitação são indissociáveis, uma coisa só. Nem é caso de chamar de pena acessória (que seguiria, de todo modo, a principal). O texto não diferencia as medidas, pois elas configuram uma única, clara e indivisível condenação.
Quando proposto o destaque em plenário, pelos parlamentares encarregados da abjeta defesa da mandatária “impichimada”, o presidente da Sessão, Ministro do STF, Lewandowski, deveria de pronto ter impedido o prosseguimento da questão.
Porém, o magistrado que presidia a sessão jamais poderia fazê-lo. Afinal, ele seguia à risca um script formatado antes do início do julgamento no Senado, decidido no Supremo Tribunal.
Triturando o Impeachment
É fato: o golpe perpetrado no Senado, contra a república e a constituição, tem sua origem no Supremo Tribunal Federal.
A teratológica decisão do STF, na ADPF 378, promovida pelo Partido Comunista do Brasil, ao desfigurar o procedimento de impeachment, violou a autonomia do Poder Legislativo para decidir a questão e, de lambuja, autorizou o Senado Federal a fazer a lambança procedimental ao final do julgamento.
Quanto ao Ministro Lewandowski, este já havia expressado posição similar no voto que proferiu na AP 470, em que ele fatiava a condenação dos parlamentares condenados em ação penal, devolvendo a questão da perda dos direitos políticos e do mandato ao poder legislativo*.
Ali, o ínclito julgador informava:
“Por todas essas razões, concluo o meu voto assentando que ao Supremo Tribunal Federal, na hipótese vertente, compete tão somente comunicar, à Casa Legislativa a que pertence o parlamentar condenado criminalmente, que ocorreu o trânsito em julgado da decisão, para que esta proceda conforme os ditames constitucionais.”
Como já havia dito em meu artigo “Supremo Tribunal Federal Torna-se o Supremo Triturador da República”*, o primeiro golpe de estado partiu da toga.
A origem está na ADPF 378 – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, promovida pelo Partido Comunista do Brasil.
Os comunistas, com a medida, por óbvio pretendiam paralisar ou fatiar o processo de impeachment da Presidente Dilma. Ao acolher o pedido, o Supremo decidiu para que nada pudesse ser, de fato, decidido.
Criaram os ministros do STF, duas instâncias de admissibilidade para um mesmo procedimento e, com isso, burocratizaram o impeachment.
Pior, o Supremo aderiu ao duplipensar orwelliano de Dilma: despolitizou um processo que é político. Redefiniu competência política de decidir a quem politicamente não poderia. Deu ao Senado Federal, de quebra, uma qualidade de “decidir politicamente”, que ele não tem.
Traduzindo: o Supremo Tribunal Federal ignorou solenemente o papel das casas parlamentares nos regimes bicamerais e conferiu “juízo de admissibilidade” do impeachment a quem não representa o povo.
Triturando a República
Qualquer leguleio sabe que o termo “Câmara Alta”, conferido ao Senado, não advém da “superioridade de instância” mas, sim, da qualidade da representação, que nada tem de popular. O Senado não representa o povo, representa a federação. Por isso é chamado “Senado Federal”…
Compete ao Senado, nos processos legislativos, aprovar, rejeitar ou reformar os projetos aprovados pela Câmara, examinar a indicação de administradores e magistrados indicados pelo executivo e julgar o Presidente da República… Atividades técnicas, de moderação, que dizem respeito aos interesses federativos de Estado.
O Senado Federal não pode usurpar o componente político expresso pela vontade popular proporcionalmente estatuída no âmbito da Câmara Federal. Desconhecer essa nada sutil diferença é negar força popular à política da República.
Assim, o golpe da toga ocorreu quando os ministros judicantes, que deveriam zelar pelo supremo interesse nacional, judicializaram a política nacional. Instalaram um contraditório sistêmico no Senado, que permitiu manobras processualísticas como a que resultou na amputação do comando constitucional do art. 52 da Carta da República.
Com isso o Senado golpeou a Constituição.
Triturando a democracia
Essa primeira manobra, ocorrida há meses, foi o que permitiu ao Senado livrar a presidente destituída de amargar o período de inabilitação para a vida pública.
Porém, o atentado à Constituição não se processou em favor dela e, sim, em benefício das centenas de políticos na iminência de sofrer sanção penal nos vários processos que apuram a epidemia de corrupção que assaltou o país nas gestões petistas.
Já havia alertado, antes, que os supremos julgadores da república criaram um moto contínuo ilusório, que acirrará ânimos e levará os Brasileiros vitimados pela crise sistêmica a desconfiarem do sistema democrático que se lhes apresenta. Essa sucessão de manobras ordinárias, liberadas pela caixa de pandora judiciária e consolidadas pelo legislativo federal, pode arrasar o que resta de confiança popular no sistema democrático no Brasil.
Esse é o resultado do “ativismo judicial”… Belo desserviço prestado à pátria, por uma judicatura que não deixará saudades quando, felizmente, um dia se for…
Feita a lambança no Judiciário, o Senado simplesmente “surfou na onda” para apresentar à Nação, boquiaberta, uma declaração pública de que para o Poder instalado no País, nem todos são iguais perante a Lei e… ela pode ser fatiada para favorecer uns, em detrimento dos demais…
Fica claro que há uma fatia isolada de operadores do direito realmente dispostos a passar o Brasil a limpo, comprometidos com o Estado Democrático de Direito e com a moralidade pública. Essa fatica isolada está cercada e é constantemente bombardeada por uma jusburocracia e uma classe política que, literalmente, não quer largar o osso. A luta desigual no campo das instituições em frangalho só não teve ainda um final funesto, porque MILHÕES de brasileiros já deram o seu aval à descontaminação do país – já mostraram nas ruas que não irão tolerar a contituidade da desordem e da corrupção como método de governo.
O povo é maior que os trituradores
O Supremo e Senado deram as costas para o Brasil, trituraram a república.
O sentimento é que não há outra razão de ser da política, senão a do favorecimento pessoal. Há, também, profundo descompromisso da classe dirigente e sua burocracia, para com o povo brasileiro.
O povo brasileiro, no entanto, não deu, e não dará, as costas para a democracia. Ele é maior que o Estado que o atormenta.
Com muito esforço e sacrifício, não se tenha dúvida, todos iremos superar esse lixo instalado no Estado brasileiro.
A vida é dura, mas é vida que segue…
* Leia:
Supremo Tribunal Federal torna-se o Supremo Triturador da República
Voto do Ministro Lewandowski na AP- 470 /MG
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.