OPERAÇÃO LAVA JATO SEGUE DENTRO DA LEI, APESAR DA IMPRENSA…
A implementação da legislação de combate ao crime organizado está fazendo gente da mídia trocar alhos por bugalhos…
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
A semana se inicia com a “descoberta, por ouvir dizer” que nos acordos de colaboração voluntária (delação premiada) efetuados entre diretores da empreiteira (?) Odebrecht e o Ministério Público Federal, este teria “atropelado” o judiciário e acordado que vários dos delatores “passariam a cumprir pena logo depois da homologação”.
Colunistas de respeito na mídia têm apontado que dos 77 colaboradores, apenas 5 já teriam sido condenados pela Justiça. Os outros 72 começariam, então, a partir do acordo homologado, “a cumprir uma pena fora do arcabouço legal, que não foi determinada pelo Poder Judiciário”.
Segundo comentários acerbos, “alguns dos ‘apenados’ nem mesmo são réus. Vão ficar em prisão domiciliar ao arrepio de qualquer legislação ou decisão judicial.”
Acusam próceres da mídia, como o inteligente jornalista Reinaldo Azevedo, que “agora, o MP decide tornar obsoleto o Judiciário. E, ora vejam, com a chancela da meritíssima que preside o STF”.
Sugerem, dessa forma que a presidente do STF, Cármen Lúcia, fez a homologação sem nem conhecer o conteúdo da coisa. E assim teria atuado por razões políticas.
Comentários e reações fundaram-se na reportagem da Folha de São Paulo que informou terem os procuradores estabelecido “três tipos de regimes para os delatores: domiciliar fechado diferenciado (em casa); domiciliar semiaberto diferenciado (trabalha e à noite vai para casa) e domiciliar aberto diferenciado (recolhe nos finais de semana). Essas modalidades não existem na Lei de Execução Penal”.
A afirmação da Folha e as críticas advindas da matéria não procedem – aliás demonstram que tem jornalista gabaritado atuando como rábula, sem, no entanto, deter a prática necessária no campo penal que o habilite a tanto…
Outra questão que deve ser destacada é que o “nhém nhém nhém” está crescendo na proporção direta do surgimento de evidências materiais e delações envolvendo lideranças do PSDB e o próprio gabinete da presidência da república.
Agem, assim, os “preocupados” colegas da mídia, como cães farejadores de “pelo em ovo” – vale dizer: o negócio é desviar o foco da mídia e desmoralizar as evidências contra tucanos e poderosos no plantão da república.
interpretações legais equivocadas desinformam…
Com efeito, as medidas elencadas na reportagem da Folha de São Paulo revelam que os procuradores, nos acordos de colaboração, decidiram conferir status de delito de menor poder ofensivo a determinadas condutas – permitindo-se produzir suspensão dos processos mediante condições restritivas antes da aceitação da denúncia ou – em condições que ainda não se sabe ao certo (tudo ainda está sob sigilo) no bojo de processos já em curso. Esse expediente é previsto na Lei 9.099/1995 em combinação com a Lei 10.259/2001 – cujo texto derrogador não exclui da competência do juizado Especial Criminal os delitos que possuam rito especial.
Esse arranjo legal – que não é novo, permite ao titular da ação penal, considerar infrações de menor potencial ofensivo não só os crimes a que a lei comine pena não superior a 2 (dois) anos, como aqueles que possuírem previsão alternativa de pena de multa ou permitam rito de modulação especial, qualquer que seja a pena privativa de liberdade.
É justamente o caso da Lei de Combate ao Crime Organizado – Lei 12850/2013, cujo artigo Art. 4o permite ao magistrado, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha resultados efetivos, descritos na norma.
Mas a lei vai mais longe. No próprio artigo 4º, consta que:
“considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial” (§2º);
“o prazo para oferecimento de denúncia ou o processo, relativos ao colaborador, poderá ser suspenso por até 6 (seis) meses, prorrogáveis por igual período, até que sejam cumpridas as medidas de colaboração, suspendendo-se o respectivo prazo prescricional” (§3º); e que
“nas mesmas hipóteses do caput, o Ministério Público poderá deixar de oferecer denúncia” se o delator não for o líder da organização e a colaboração for efetiva (§4º), podendo, ainda, ser a pena reduzida se a colaboração ocorrer após a sentença (§5º).
E, sim, o MPF pode tratar dessas condições de restrição sem a presença do magistrado, competindo a este homologar ou não o acordo. É o que reza o parágrafo 6º e seguintes do mesmo artigo citado, senão vejamos:
§ 6o O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor.
§ 7o Realizado o acordo na forma do § 6o, o respectivo termo, acompanhado das declarações do colaborador e de cópia da investigação, será remetido ao juiz para homologação, o qual deverá verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade, podendo para este fim, sigilosamente, ouvir o colaborador, na presença de seu defensor.
§ 8o O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais, ou adequá-la ao caso concreto.
Assim, a reportagem da folha, e comentários ocorrentes na mídia, surgem absolutamente fora do contexto das coisas e da lei.
O que pode acontecer agora é a abertura de novos inquéritos, a distribuição das informações recebidas em inquéritos já abertos ou, ainda, o encaminhamento das provas coletadas a outras instâncias do Ministério Público Federal – incluso o judiciário eleitoral.
Está mais que claro que a Odebrecht comportou-se não como uma empresa de construção e projetos mas como um verdadeiro poder paralelo, ramificado nos aparelhos de Estado e transportado para estruturas similares em países diversos. Está claro, também, que essas ramificações não faziam distinção partidária – afinal, dinheiro não tem bandeira política ou filiação ideológica…
O surgimento de “juristas” de mídia, é algo tão preocupante quanto os arroubos autoritários ocorrentes no meio judiciário e no próprio ministério público. Principalmente quando se prestam à desinformação.
Houvesse, no entanto, um judiciário digno no Brasil, para além da vara do Juiz Moro, e de há muito TODOS os partidos envolvidos nessa lama da Lava-Jato já estariam com seus registros sub judice, bem como várias empreiteiras deveriam estar em processo de liquidação.
Porém, por estarmos sem dúvida diante da pior judicatura da história do Brasil (em especial no STF), a imprensa resolveu julgar…
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Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e das Comissões de Política Criminal e Infraestrutura da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/SP. É Vice-Presidente da Associação Paulista de imprensa – API, Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.