O revogaço do CONAMA: Como queríamos demonstrar… ‘Deu ruim’. E agora?
Proceder contrariamente a uma muralha jurisprudencial, por entender ser esta equivocada, não é forma inteligente de gestão ambiental…
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
Confirmando o despacho anterior da ministra Rosa Weber, o Supremo Tribunal Federal (STF), formou maioria em plenário para suspender os efeitos da Resolução 500/2020, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que havia revogado três normas anteriores do órgão que tratavam do licenciamento para empreendimentos de irrigação e dos limites de Áreas de Preservação Permanente (destacando restingas e manguezais), em especial as resoluções 302 e 303 do Conama. A decisão liminar ocorreu na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) 747, em conjunto com a 748 e 749, submetidas a referendo do Plenário. Com isso, as resoluções atacadas permanecem em vigor, e a iniciativa de revogá-las, suspensa.
Como havia previsto em artigo anterior*, o STF confirmou sua postura jurisprudencial de recorrer a princípios para decidir pela maior restrição, como meio de precaução face a polêmicas decorrentes do impacto de mudanças na lei ou em normas infra legais, em matéria ambiental. A ocorrência do perigo de dano (periculum in mora), foi o requisito para a concessão cautelar, devido ao elevado risco de degradação de ecossistemas essenciais à preservação da vida sadia, ao comprometimento da integridade de processos ecológicos essenciais e à perda de biodiversidade
Em várias ocasiões tratei de atacar essa postura judiciária de barrar a ação regular da administração no exercício da tutela administrativa ambiental, para depois debater sua validade – postura essa contaminada pelo biocentrismo. Não faltam artigos meus a respeito. Porém, entendo que o papel da Administração Pública, visando o bem maior da resolução administrativa dos conflitos, deveria ser o de compreender que certezas jurídicas cedem lugar à habilidade política, na implementação de mudanças. Proceder contrariamente a uma muralha jurisprudencial, por entender ser esta equivocada, não é forma inteligente de gestão ambiental.
A revogação das normas mantidas pela decisão do Supremo, vinha sendo debatida no próprio Conselho Nacional do Meio Ambiente há tempos. Mais um motivo para que nesse período tratasse o Ministro e sua equipe de preparar uma norma de transição, atendendo ao disposto na Lei de Introdução das Normas do Direito Brasileiro que reza :
“art. 23. A decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais.”
Como havia escrito em artigo bastante criticado por alguns colegas governistas, “o caminho certo estava ao alcance da mão. Bastava consultar um vade mecum. Bastava construir uma agenda de discussão pública, organizar um breve calendário para a revogação paulatina das resoluções – ainda que em curto prazo, sem descurar de eventual novo regramento para o que fosse necessário. Bastava, também, estabelecer normas de transição – tudo como manda a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro”.**
Vale dizer – deveria ter o Ministério do Meio Ambiente agido com cautela na forma para mexer no conteúdo das normas que entendera conflitantes com a nova legislação florestal. Deveria o CONAMA observar as circunstâncias jurídicas que as envolviam.
Mas a ideia do “revogaço”, falou mais alto… e resolveram “passar a boiada”.
Forma é finalidade no direito público. Atropelada a forma, atraída foi a judicialização e, com ela, a perenização de um conflito que deveria ter se resolvido.
O caso, agora, vai para o conhecimento e decisão do mérito. Independente da solução, que fique registrado que não se lida com arrogância na imposição de uma doutrina contra um comportamento jurisprudencial conhecido.
Nota:
* PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro – “A Arte de Errar até Quando Acerta”, in Blog The Eagle View, 30Setembro2020, in https://www.theeagleview.com.br/2020/09/arte-de-errar-ate-quando-acerta.html
** idem
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor-Chefe dos Portais Ambiente Legal, Dazibao e responsável pelo blog The Eagle View. Twitter: @Pinheiro_Pedro. LinkedIn: http://www.linkedin.com/in/pinheiropedro
Fonte: The Eagle View
Publicação Dazibao, 28/11/2020
Edição: Ana A. Alencar