O pensamento mais legítimo e contemporâneo do direito de família – O Estatuto das Famílias – PL 2.285/2007

Por Marcus Francez

O projeto de Lei 2.285/2007, de autoria do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e protocolado no Congresso Nacional pelo deputado federal Sérgio Barradas Carneiro (PT/BA), tem como principal objetivo a atualização legislativa com a realidade das novas configurações das famílias no Brasil.

Foi pensado, escrito e formatado por uma comunidade jurídica, envolvendo juristas, advogados, magistrados, membros do Ministério Público, professores de Direito, psicólogos, psicanalistas e assistentes sociais. O PL representa o pensamento mais legítimo e contemporâneo do Direito de Família. Em sua essência, ele valoriza o sujeito e não o objeto, isto é, a instituição.

É um projeto revolucionário. Certamente o que está ali expressado não é unanimidade, mas representa e traduz o pensamento não apenas de uma comunidade jurídica, mas principalmente da realidade brasileira atual.

A legislação de Direito de Família hoje, como já mencionado anteriormente, se apresenta dispersa no Código Civil, Código de Processo Civil e em outras leis especiais. Com a aprovação e conseqüente entrada em vigor do Estatuto das Famílias todas as normas relativas ao Direito de Famílias serão reunidas em um único volume.

Desta forma, a instituição do Estatuto das Famílias reunirá os temas de direito pessoal e patrimonial, separados no Código Civil, como primeira parte e, como segunda parte, trará toda a matéria relativa ao processo e ao procedimento.

Quanto ao direito material, o projeto de Lei traz em seus primeiros 121 (cento e vinte e um) artigos disposições de direito pessoal e patrimonial. Dentre estas disposições estão os títulos sobre as relações de parentesco, as entidades familiares, a filiação, a tutela e a curatela e os alimentos logo após o primeiro título dedicado às normas e princípios gerais aplicáveis às famílias e às pessoas que as integram.

Podemos observar a inclusão das famílias monoparentais e pluriparentais, bem como a união homoafetiva como entidades familiares (artigo 68 do projeto de Lei) e o reconhecimento da relação de parentesco por socioafetividade ou afetividade, além da consangüínea, como disposto no artigo 10 do projeto de Lei.

Já em sua segunda parte, o Estatuto abrange, em seu Título VII, as normas relativas ao direito processual, ou seja, apresenta as principais regras dos processos e dos procedimentos relativos à matéria de Direito de Família.

Como observa-se, serão diversas as modificações e inovações trazidas ao ordenamento jurídico brasileiro caso venha a ser aprovado tal projeto.

Desta forma, as principais mudanças que poderão ocorrer com a aprovação deste projeto de Lei. Senão vejamos:

Das Relações de Parentesco: Conforme dispõe o artigo 1.593 do Código Civil Brasileiro, a relação de parentesco é natural ou civil. Fala-se em parentesco natural quando o vínculo resulta da consangüinidade. Em contrapartida, será civil se resultar da adoção, ou seja, da relação formada entre adotante e adotado. Estabelece, ainda, em seu artigo 1.595, o parentesco por afinidade, decorrente de determinação legal, isto é, entre um consorte ou companheiro e os parentes consangüíneos do outro.

Com a aprovação e posterior entrada em vigor do “Estatuto das Famílias”, as relações de parentesco também resultariam da socioafetividade. Desta forma, o vínculo de parentesco entre pessoas não resultará apenas da consangüinidade ou da afinidade, mas serão considerados também os laços de afeto, tidos como elementos básicos para o reconhecimento da maternidade ou paternidade socioafetiva.

Das Entidades Familiares: A Constituição Federal, em seu artigo 226, §§ 3º e 4º, estabelece que a entidade familiar não se forma apenas pelo casamento, mas também, pela união estável entre o homem e a mulher, e, por fim, aquela formada por qualquer um dos pais e seus descendentes. O reconhecimento da união estável como entidade familiar veio atender a um reclamo da sociedade que, com a realidade do concubinato puro se fazendo presente de tal modo, fez com que o constituinte dispusesse sobre tal situação, até para uma maior valorização da família.

Como podemos observar, por meio do “Estatuto das Famílias”, vêm os legisladores atender aos anseios da sociedade e adequar a legislação à realidade social brasileira, reconhecendo como entidades familiares aquelas provenientes da relação entre pessoas do mesmo sexo (união homoafetiva) e as famílias parentais.

Com o reconhecimento da união homoafetiva (artigo 68 do Estatuto) como entidade familiar, passam a ser regulamentados e assegurados direitos derivados desta união, como a guarda e convivência com os filhos, a adoção de filhos, direitos previdenciários e à herança.

Já quanto às famílias parentais, aquelas que se constituem por meio das relações de parentesco e decorrem da comunhão de vida com a finalidade de convivência familiar, o Estatuto reconhece uma situação de fato que já é presente na realidade social brasileira. Assim, traz o Estatuto em seu artigo 69, § 1º, a conceituação da família monoparental, formada por um ascendente e seus descendentes, e em seu § 2º o conceito da família pluriparental, formada pela convivência entre irmãos, bem como comunhões afetivas estáveis entre parentes colaterais.

Do Casamento e Dos Regimes de Bens: Diferentemente do atual Código Civil, o “Estatuto das Famílias” traz o direito pessoal (casamento) e o direito patrimonial (regime de bens) juntos em um mesmo Capítulo, qual seja, o Capítulo II que trata sobre o casamento e todas as matérias que se relacionam a ele. Foram suprimidas e excluídas do Estatuto as causas suspensivas do casamento, bem como foram feitas atualizações quanto aos seus impedimentos, adequando-os à realidade social atual. Além disso, foram simplificadas suas exigências para a celebração e registro.

Quanto aos regimes de bens, o Estatuto exclui do ordenamento jurídico brasileiro o regime de separação obrigatória dos bens, atualmente imposto aos maiores de 60 (sessenta) anos, aqueles que dependem de suprimento judicial para casar e aqueles que contraíram o casamento em inobservância das causas suspensivas, conforme dispõe o artigo 1.641 do Código Civil. Desta forma, o Estatuto privilegia a liberdade de escolha do regime de bens por parte dos nubentes. O Estatuto apresenta, ainda, a possibilidade de alteração do regime de bens extrajudicial, não mais havendo a necessidade do casal entrar com pedido e justificativa para solicitar autorização judicial e efetuar a mudança do regime. Esta alteração poderá ser formalizada por intermédio de escritura pública e averbada junto à certidão de casamento e no registro de imóveis dos bens do casal, produzindo efeito perante terceiros apenas depois de realizada a averbação junto aos registros imobiliários.

Da Separação e Do Divórcio: O atual Direito de Família presente no Código Civil permite a imputação de responsabilidade e culpa a um dos cônjuges pelo término da relação conjugal por meio da investigação das causas da separação ou divórcio. Ao contrário do que dispõe o Código Civil, como bem expõe o deputado Sérgio Barradas Carneiro na justificação ao projeto de Lei, o “Estatuto das Famílias” procurou evitar essa interferência do Estado na relação de intimidade do casal, vedando a investigação das causas da separação e assegurando a liberdade de escolha dos que não desejam continuar casados.

Desta forma, busca-se uma maior atenção para a definição de guarda e convivência dos filhos menores ou incapazes, para a disposição de fixação de alimentos entre os cônjuges e em relação à obrigação alimentar por parte do não guardião, para a manutenção ou alteração do nome adotado na constância da relação conjugal, bem como a disposição da partilha dos bens do casal, como apresenta o artigo 59 do projeto de Lei.

Quanto à separação, em caso de escritura pública, que deverá ser consensual, não poderá o casal ter filhos menores ou incapazes ou então estarem todas as questões referentes aos filhos menores ou incapazes solvidas judicialmente, devendo ficar consignado na escritura o acordado com relação à pensão alimentícia e, quando for o caso, sobre os bens comuns. Já no que se refere ao divórcio, deverão os cônjuges declarar a data da separação de fato, o valor dos alimentos a um dos cônjuges ou a sua dispensa, a permanência ou não do uso do nome e, facultativamente, os bens e sua partilha.

Ainda, da mesma forma que na separação via escritura pública, havendo filhos menores ou incapazes, será necessária a comprovação de que todas as matérias relativas a eles estão solvidas judicialmente.

Cumpre salientar que o divórcio só terá eficácia se feita a sua averbação junto ao Cartório de Registro Civil em que ocorreu o casamento.

Do Processo e Do Procedimento: Em seu Título VII – Do Processo e Do Procedimento, o projeto de Lei do “Estatuto das Famílias” apresenta o processo, nas relações de família, sustentado pelos princípios da oralidade, celeridade, simplicidade, informalidade, fungibilidade e economia processual, valorizando a busca pela conciliação entre as partes no processo. Além disso, visando uma resposta mais rápida do Poder Judiciário, o legislador tratou de dar preferência de tramitação e julgamento aos processos ligados às matérias de Direito de Família, conforme demonstra o artigo 122, parágrafo único do projeto de Lei.

Com este mesmo objetivo, cumpre ressaltar, ainda, a criação das Câmaras Especializadas de Direito de Família nos Tribunais de Justiça, que, enquanto não criadas, serão os recursos apreciados por câmaras preferenciais, indicadas pelos Tribunais, que deverão contar com o atendimento de uma equipe multidisciplinar e de conciliadores. Podemos observar que o projeto de lei do estatuto traz toda a matéria relativa às normas do processo e dos procedimentos abrangendo as normas presentes tanto no Código Civil, como no Código de Processo Civil e outras leis especiais. Com isso, temos descriminados todos os procedimentos relativos ao casamento, ao reconhecimento da união estável e da união homoafetiva, à dissolução da entidade familiar, da ação e cobrança dos alimentos, da averiguação da filiação, das ações de investigação de paternidade e interdição.

Inclui ainda, em seu Capítulo IX, procedimentos de atos extrajudiciais, como o divórcio e a separação, o reconhecimento e dissolução da união estável e da união homoafetiva, da conversão da união estável em casamento e da alteração do regime de bens.

Como podemos observar de todo o exposto, o projeto de Lei 2.285/2007 que prevê a instituição do Estatuto das Famílias, se aprovado pelo Congresso Nacional, trará ao ordenamento jurídico brasileiro inovações legislativas que se adequarão à atual realidade social do país e preencherá lacunas deixadas por outras leis, como a Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), que se originou de um projeto do final da década de 60 e começo da década de 70, e que acabou deixando de contemplar matérias que já faziam parte da realidade do país, fazendo com que o Poder Judiciário, por muitas vezes, preenchesse as lacunas legislativas.

Além disso, trará ao processo e ao procedimento de matérias relativas ao Direito de Família regras diferenciadas de processos relativos às demais matérias do Direito, uma vez que os conflitos familiares exigem do Poder Judiciário uma resposta mais rápida e menos formal.

Assim, mais uma vez, a legislação corre atrás para se adequar à realidade social do país, trazendo pensamentos e práticas já consolidadas por doutrinadores e pela jurisprudência atual.

Marcus Francez é advogado associado do escritório Pinheiro Pedro Advogados e especializado nas áreas Cível, Trabalhista e Família. E-mail: macus@pinheiropedro.com.br


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