O Estado Amplo Europeu: o Leviatã Burocrático
A democracia funciona quando você sabe quem são seus representantes.
(Cidadão britânico)
Por Marilene Nunes (*)
O aumento do poder do Estado Amplo Europeu (Estado Transnacional) e a sua política coletivista passiva, como forma de participação política imposta aos cidadãos europeus, parece ter levado um golpe com o plebiscito, negociação política denominada “Brexit” no Reino Unido, no último dia 23 de junho de 2016, indicando que existe séria crise de representatividade na União Europeia.
“Brexit” é a fusão das palavras “britânica” e “saída” em inglês, nome da campanha política que culminou na decisão histórica do rompimento do Reino Unido com a União Europeia, e se aprovada no parlamento britânico deverá alterar muito a geopolítica europeia.
Mesmo com o escore apertado de 51,9% sob 48,1%, a decisão deverá abalar os mercados financeiros e provocará uma onda de choque na credibilidade global sem contar com a possiblidade do efeito dominó de outros referendos serem cogitados por outros países como: Alemanha, Holanda, Itália e França.
Diante do surpreendente resultado do referendo, questiona-se o que subjaz a saída do Reino Unido da União Europeia?
O Estado Amplo Europeu, o Leviatã Burocrático
A União Europeia (UE), bloco econômico e político que se formou inicialmente a partir de 1957 com a comunidade econômica europeia, hoje congrega 28 países do continente europeu. O seu surgimento foi o marco da institucionalização do Estado Amplo Europeu que concluiu a sua organização 1993, formando um Estado supranacional que objetivou dar sustentação a competição intra-capitalistas em mercados globalizados, fornecendo-lhes as bases legais e o arbitramento dos mercados, além da regulação das mercadorias e serviços produzidos na comunidade europeia. Sendo também função do Estado Amplo gerenciar a integração tecnológica entre as empresas transnacionalizadas.
Para a compreensão profunda do fenômeno “Brexit” é preciso nos livrarmos das teses esquerdistas sobre a existência de políticas “neoliberais” no capitalismo.
O neoliberalismo é um devaneio teórico sem nenhuma concretude prática e histórica e, portanto, real. Um sofisma criado pela esquerda para justificar o seu espaço prático de atuação burocrática na administração do Estado nacionalista dando-lhe função que extrapola a que a economia capitalista precisa para produzir políticas econômicas produtivas que conduzam a inserção social dos produtores ao consumo e ao acesso ao bem-estar social, ou seja, sua função é mínima, não em importância, mas sim na intervenção econômica.
No capitalismo contemporâneo a integração do capital decorre do processo da globalização da economia que confere as empresas transnacionalizadas poderes de Estado. O Estado capitalista globalizado se articula por meio de um triângulo corporativista que envolve o Estado Amplo (empresas) com suas instituições políticas como por exemplo a União Europeia e todas as instituições que a compõem, o Estado Restrito (Nações) e os sindicatos fortemente burocratizados.
O capitalismo só pode funcionar por meio de integração tecnológica e aqui nos referimos as infraestruturas tais como: saneamento básico, transportes, sistema rodoviários e aeroviários, banco central e muitas outras condições gerais de produção de que o Estado Restrito (Estado Nação) tem como função constituir e gerir por meio dos recursos financeiros que denominamos de público, mas que na verdade são capitais decorrentes dos impostos cobrados aos capitalistas e trabalhadores organizados em um território.
Nos primórdios do capitalismo quando a quase totalidade das empresas eram territorizadas, a gestão das condições gerais de produção e o seu financiamento estavam centralizadas sob a jurisdição do Estado Nação (restrito). O financiamento das infraestruturas era proveniente do fundo público.
Os surtos crescentes de produtividade oriundos das políticas de incentivo à produção, no Pós Segunda Guerra Mundial, promoveram a expansão da produtividade que abriu caminho para a eclosão de um grande processo de transnacionalização das empresas que implodiu com o fundo público como forma única de financiamento das infraestruturas, porque inviabilizou a sua retenção dos capitais nos limites do Estado Nação (restrito) à medida que os mesmos se tornaram voláteis.
A crise de recursos gerou a necessidade de organização de um Estado Amplo fundamental na busca de obtenção de outras formas de financiamento e de gerenciamento para a constituição de um fundo público transnacionalizado. A resposta foi a criação da União Europeia.
A União Europeia instituiu um mercado comum através de um sistema padronizado de leis aplicáveis a todos os Estados membros. E hoje as suas políticas econômicas são responsáveis por 20% do PIB (Produto Interno Bruto) global, realidade que mostra o impacto positivo da gestão do Estado Amplo europeu no crescimento econômico dos seus Estados membros, no entanto nos últimos 10 anos a burocratização por meio da excessiva regulamentação da atividade econômica vem brecando o processo da produtividade, ao mesmo tempo tornado um inferno a vida do cidadão comum como consumidor no território dos Estados Nação.
A União Europeia devia atuar através de um sistema de instituições supranacionais independentes e de decisões intergovernamentais negociadas entre os Estados membros. Mas não é o que ocorre na prática. Formada por um complexo organizacional extremamente burocratico cujas instituições mais importantes são a Comissão Europeia, o Conselho da União Europeia,o Conselho Europeu, o Tribunal de Justiça da União Europeia, o Banco Central Europeu e o Parlamento Europeu que é eleito a cada 5 anos, a representatividade política está restrita somente ao Parlamento. O Parlamento Europeu é o único órgão de representação política que o cidadão europeu dos estados membros participam por eleição direta. Todos as outras instituições que compõem a UE são “black box” para os cidadãos que nada sabem a cerca dos seus gestores e de como procedem no processo de importantes decisões. Outro fator que torna ainda mais obscuro o poder na UE é o fato do Palarmento não ter poder para legislar, porque legislar é atributo exclusivo da Comissão Europeia que na verdade detem o poder real.
O fenômeno “Brexit” está associado ao significativo aumento de competência e de poder do Estado Amplo, de que a União Europeia é a forma institucional de existência. As competências de elaboração de políticas de gestão econômicas, sociais e culturais dirigidas para 28 estados membros independentes, com muita diversidade econômica e cultural sem acesso de participação política efetiva, tornaram complexo o sistema político europeu atingindo frontalmente seu sistema de representatividade democrática.
O distanciamento da população das regiões subnacionais das decisões tomadas no âmbito comunitário é visto como evidência de um grande deficit democrático no processo da integração regional europeia. Muitos estados independentes, membros da União Europeia reclamam, com razão, da falta de representatividade nas instituições políticas da UE e por isso não desejam mais seguir as políticas impostas pelas regras e decisões unilaterais da União Europeia.
A bandeira política do “Brexit” é bastante esclarecedora nos seus argumentos ao afirmar que a saída britânica tem como objetivo a proteção da economia dos estados que compõem o Reino Unido contra os gastos com políticas de proteção a imigrantes e a interferência excessiva do Estado Amplo europeu na economia britânica, além sua da organização totalmente antidemocrática.
Por esses argumentos fica claro que o Estado Amplo parece refletir as mesmas crises políticas de governabilidade dos Estados Nação, motivadas pela crise da representatividade democrática, fortes são os indícios de que o paradigama da democracia representativa se agrava nas gestões complexas como a da União Europeia.
Existem denúncias de que a corrupção no Parlamento Europeu e também em outras instância da UE é elevada. O índice de “lobbysmo” formados para pressionar as políticas que beneficiam as grandes economias europeias em detrimentos dos estados de menor poder econômico tem sido uma prática comum. A corrupção vem se desenvolvendo paulatinamente nas intituições do Estado Amplo europeu, beneficiando financeiramento os altos funcionários e políticos na burocracias da UE.
A economia capitalista para gerar riqueza precisa da integração econômica e a política tem papel fundamental nesse processo. A fiscalização e o controle das políticas econômicas e sociais produzidas no Estado Amplo europeu deverão vir acompanhas de ampla participação e fiscalização por seus Estados membros sob pena de invalidar e por em xeque a integração.
(*) Marilene Nunes é doutora em Gestão e Políticas Públicas (USP), mestre em Economia Política (UFRGS), especialista em Gestão do Conhecimento (FGV) e graduada em Pedagogia (UFRGS). Especialista do Conselho Estadual de Educação (CEE-SP). Atua em vários programas de pós-graduação no Brasil e no exterior. Articulista no Portal Ambiente Legal.