“NASCENTES INTERMITENTES”: DEMAGOGIA OU ECOLOGIA?
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
A Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 350/15, do deputado Sarney Filho (PV-MA), que altera o novo Código Florestal (Lei 12.651/12) com o objetivo de proteger as “nascentes intermitentes”.
O projeto altera o conceito de nascente contido no código para “afloramento natural do lençol freático, ainda que intermitente, que dá início a um curso d’água”.
O conceito constante do Código Florestal é “afloramento natural do lençol freático que apresenta perenidade e dá início a um curso d’água”.
O conceito constante na lei não é gratuito, visa justamente eliminar dúvidas entre o que é nascente e o que é afloramento.
De fato, afloramentos costumam ocorrer nos períodos de chuva intensa, quando há movimento de solo com deslocamento de lençol freático, em voçorocas e outras erosões. Não guardam vínculo com o conceito sério de nascente.
Em um passado recente, essa confusão levou a subjetividades e arbítrios de toda ordem, como o caso da voçoroca que fez aflorar o lençol freático em uma fazenda no cerrado, a qual foi motivo de notificação do IBAMA ao proprietário para que “recuperasse a Área de Preservação Permanente” em torno da “nascente e curso d’água” advindas da erosão.
Ações do Ministério Público choveram nas últimas décadas, embaladas pela famigerada medida provisória que introduziu a confusão na lei florestal, reforçada pelas resoluções do CONAMA criadas na gestão de Marina Silva.
A lei florestal, hoje em vigor, resgatou a academia, a seriedade dos conceitos, e restaurou a tutela efetiva das nascentes, eliminando a confusão com todo e qualquer afloramento ocasional.
Por óbvio, as viúvas do caos não se deram por vencidas e, agora, o resultado se faz presente no projeto de lei em curso na Câmara Federal.
“A lei vigente efetivamente protege, para o caso das nascentes, aquelas que não sejam intermitentes, mas as nascentes intermitentes precisam mais ainda de proteção, por toda sua fragilidade e importância biológica”, explica o autor do PL, Deputado Sarney Filho – que foi o mentor da Medida Provisória de 2001 – que motivou a mudança na legislação florestal.
“As nascentes tem importância vital para todo o sistema hídrico, sendo que a diminuição de suas vazões, e até mesmo a sua total seca, apresenta consequências negativas diretas para os córregos, rios e demais cursos d’água”, complementa Sarney. Segundo o deputado, a proteção das nascentes é importante especialmente no contexto atual de crise hídrica no País.
A justificativa é retórica e induz à confusão. Proteger nascentes, nada tem a ver com afloramentos intermitentes…
APPs em voçorocas?
O projeto famigerado também altera a proteção das faixas marginais de curso d’água, retomando a confusão conceitual ao estender o conceito para “as faixas marginais de qualquer curso d’água natural, perene ou intermitente, desde o seu nível mais alto da cheia do rio”.
Hoje o conceito contido no código para APPs é de “faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular”. Assim, o que pretendem as viúvas do caos, capitaneadas por Sarneyzinho… é… repor o caos no controle territorial da agricultura brasileira.
O cinismo das mudanças envolve, logicamente o discurso, mais ideológico que científico, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), no sentido das margens de cursos d’água voltarem a ser demarcadas a partir do nível mais alto da cheia do rio, como ocorria antes da aprovação do novo código.
“A substituição do leito maior do rio pelo leito regular para a definição de Área de Preservação Ambiental torna vulneráveis amplas áreas úmidas em todo o país, particularmente na Amazônia e no Pantanal”, ressalta o Deputado, confundindo propositadamente alhos… com bugalhos.
Segurança hídrica ou confusão conceitual
O parecer do relator, deputado Rodrigo Martins (PSB-PI), foi favorável à proposta. “Nenhuma nascente pode ser considerada insignificante, pois mesmo a menor nascente contribui para a segurança hídrica do Brasil”, afirmou.
“No que concerne ao restabelecimento da delimitação da APP a partir do nível mais alto do leito do curso d’água, consideramos que a alteração, além possibilitar a proteção essencial às áreas úmidas do País, contribuirá para a redução das perdas patrimoniais e de vidas humanas associadas às enchentes e a outros desastres naturais”, complementou o relator, reintroduzindo a insegurança jurídica em nome da segurança hídrica-intermitente… ou seja lá o que isso for…
De uma forma ou outra, no entanto, a reação dos radicais da natureza sem causa, ou com causa, no sentido de intentar desfigurar a lei florestal em vigor, já era esperada.
A militância biocentrista fez e faz uso de todos os expedientes, cosméticos, dramáticos, científicos e institucionais – até mesmo tragédias ocasionadas pela crise hídrica, pelas chuvas, pelas mudanças climáticas no globo, para criar obstáculos ao novo Código Florestal – como se o anterior, então EM VIGOR, houvesse evitado a tragédia da degradação das nascentes, ou o desmatamento histórico num território sabidamente mal ordenado.
Na verdade, as tragédias mostraram justamente a FALÊNCIA da legislação anterior, jamais a necessidade de sua manutenção.
Tramitação da confusão
Por óbvio que no processo legislativo em curso na Câmara Federal, a Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural já havia rejeitado o projeto.
Agora, o PL será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania e, em seguida, será encaminhado ao Plenário. Por todos os motivos acima expostos, A CCJ deverá também rejeitar o PL, eliminando o discurso “natureba” com objetivos oportunistas.
Aguarde-se, no entanto, muito barulho no entorno da questão… não bastassem todos os graves problemas econômicos, políticos e sociais que – intermitentes, também afloram na casa de leis da Nação… sem qualquer área de proteção permanente para o cidadão contribuinte…
ÍNTEGRA DA PROPOSTA
Para quem se interessar, abaixo se encontra o link do Projeto de Lei, em trâmite na Câmara Federal.
Fonte: Câmara Legislativa
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor- Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.