MUDANÇAS CLIMÁTICAS: O ACORDO-TERMOSTATO DE PARIS
O “oba-oba”, o “karaokê climático” , a “Diplomacia do Termostato” e o “Bolsa-Clima” do Acordo de Paris na COP 21
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
OBA-OBA CLIMÁTICO
“O Acordo de paris é um triunfo monumental para as pessoas e nosso planeta.” disse Ban Ki-moon, secretário-geral da ONU, ao final de uma conferência pontuada por oba-obas, delegações quilométricas, ações performáticas, antecipação do desfile de autoridades e transferência das decisões para o segundo escalão dos governos nacionais.
Ao fim e ao cabo, os pontos principais do acordo firmado na COP 21, no final de 2015, em Paris, incluem:
1.Iniciar a redução de emissões de gases de efeito estufa tão cedo quanto possível e atingir o equilíbrio entre emissões e absorções na segunda metade deste século.
2.Manter o aumento da tempreatura global “bem abaixo” de 2°C e perseguir esforços para limitá-lo em 1,5°C.
3.Revisar o progresso a cada 5 anos.
4.Alocar US$ 100 bilhões por ano em financiamentos para o clima em países em desenvolvimento, com o compromisso de maiores financiamentos no futuro.
Com todo o respeito à alegria de Ban Ki-moon, com exceção da promessa de cem bilhões de dólares anuais, a partir de 2020, uma espécie de “bolsa-clima” bilionária, o acordo é algo similar a apertar o termostato em direção a um ar condicionado ilusório e, com isso, pretender regular a temperatura atmosférica global…
DIPLOMACIA DO TERMOSTATO
Ao invés de reduzir objetivamente as emissões globais de Gases de Efeito Estufa, as Nações Unidas decidiram regular a temperatura do planeta. Para tanto criaram um ar condicionado com um termostato, em forma de protocolo, com limitação da temperatura do planeta a níveis ideais de conforto humano…
É isso? Irá funcionar?
Deus, a Terra, o Sol, o Cosmos… também assinaram o acordo de Paris?
O Acordo de Paris, portanto, é um Termostato de Papel. Só não terá destino similar ao documento de Copenhagen por conta do compromisso global de se se passar um cheque de 100 bilhões de dólares, anualmente, aos países fragilizados pelo aquecimento global…
Porém, como toda dissimulação diplomática, o compromisso é duro mas… com carência de cinco anos e sujeito à compromissos voluntários dos países, metas e programas periodicamente revisados… etc… etc… etc…
Só não foi um acordo “para inglês ver”, por ter justamente uma forte participação britânica, e sotaque francês.
O acordo conta, confortavelmente, com as circunstâncias ocorrentes na economia global, que não passaram desapercebidas pelos líderes mundiais. Nesse ponto, a festa – incluso a auto ilusão de grandeza na participação brasileira… – escondeu o puro oportunismo contido no consenso, senão vejamos:
EPPUR SI MUOVE
Diz a lenda que o gênio poli talentoso italiano Galileu Galilei murmurou esta frase depois de ter sido obrigado a renegar, em 1633, diante da Inquisição, sua crença de que a Terra se movia em torno do Sol.
De fato, não devo ter sido o único a imitar o gesto de Galileu, diante do anúncio feérico do Acordo de Paris – pois o cosmos, e a economia, de fato, já conspiravam para a redução de emissões e estabilização, pelo menos temporária, da temperatura do planeta.
A atividade solar, que chegou a assustar nos três últimos anos terráqueos, segundo vários estudos astronômicos, está declinado e, ao que tudo indica, não deverá aumentar por pelo menos quarenta anos.
Isso significa que nossos invernos tornarão a ficar frios e o gelo do Ártico estará se fechando novamente – nos próximos anos.
Cenário efetivo e projetado do aquecimento global em 200 anos
Em meu artigo sobre “Mudanças Climáticas de Biquini” tive oportunidade de falar sobre a questão e, na verdade, a variabilidade cíclica do clima do planeta em que pese a contribuição humana, segue parâmetros próprios, que nenhum termostato humano conseguiria modular… o que não desobriga países de controlarem as emissões de poluentes, no interesse da saúde pública, dos micro-climas e ecossistemas.
Por outro lado, as emissões globais de dióxido de carbono, após crescerem vertiginosamente, parecem estar sofrendo uma leve redução.
Pesquisadores ingleses dizem ser a primeira vez que isso pode ocorrer ao mesmo tempo em que a economia global cresce.
De acordo com estudo publicado na revista Nature Climate Change e apresentado na COP21, em Paris, as emissões de dióxido de carbono, a partir de combustíveis fósseis e da indústria, são susceptíveis de ter caído 0,6% em 2015, embora tenham aumentado em torno do mesmo montante em 2014.
Segundo a Professora Corinne Le Quere, da Universidade de East Anglia – Reino Unido, desde 2000, as emissões globais têm crescido anualmente por 2-3%. A desaceleração ocorreu enquanto a economia global cresceu 3% em 2014 e 2015.
“Estamos esperando uma estagnação das emissões, possivelmente, até mesmo um pouco de queda”, disse Corinne Le Quere à BBC News.
“A principal causa é que o uso de carvão diminuiu na China por conta da reestruturação da sua economia, mas há também uma contribuição do crescimento muito rápido em energia renovável em todo o mundo, e esta é a parte mais interessante: Podemos realmente crescer com energia renovável suficiente para compensar o carvão? ”
A questão levantada pela professora, que liderou o estudo, é relevante.
Sim, de fato a queda de emissões se deve à adoção de medidas severas de redução do uso do carvão na matriz energética da China, bem como ao crescimento do uso de energias renováveis em vários países.
Por óbvio que a tendência poderá estancar e reverter, na hipótese dos países emergentes retomarem o crescimento econômico – porém, o fato é que há mudanças sensíveis na tecnologia de produção, e a crise de valorização de commodities, que está afetando vários países, está justamente vinculada a essa questão.
Há uma revolução tecnológica monstruosa, conduzindo a transformação da indústria.
O destino de matérias primas e o fluxo de materiais nos processos de industrialização sofreu forte transformação, acelerada nos últimos 70 anos, visando reduzir peso, eletro intensividade, perdas, corrosões, entraves logísticos e impactos ambientais – agregados tradicionalmente aos produtos.
Ora, com a progressiva internalização de custos sócio-ambientais na atividade econômica, a busca por novos materiais e processos químicos de transformação tem balisado setores preocupados em reduzir custos de extração e impactos ambientais decorrentes da eletrointensividade. Não por outro motivo, minérios ferrosos vêm sofrendo queda progressiva na demanda – e o aço está sendo progressivamente substituído pelo carbono.
Tabela apresenta a relação de uso e valor dos materiais no século XX
Com isso, o petróleo passa a não mais interessar para uso como combustível e, sim, como matéria nobre na produção de fibra-carbono, dentre outros usos mais sofisticados.
Essa tendência poderá resultar, como de fato já está resultando, em enormes ganhos no controle de emissões de gases de efeito estufa – para muito além das medidas de controle de emissões.
Por outro lado, há um esforço estratégico mundial para não mais alimentar “Estados Loucos” sustentados por petrodólares. O custo para as democracias e grandes economias é alto demais para compensar a tolerância a desmandos desumanos e rompantes terroristas. A crise dos gasodutos russo-ucranianos, que afetou a Europa, também serviu de alerta e incentivo à busca de energias nativas produzidas de forma renovável ou mesmo atômica.
O discurso da descarbonização da economia é efetivo. Porém, a descarbonização da matriz energética implicará na carbonização dos produtos industrializados.
O fato é que há, na economia global um movimento gigantesco que em tudo combina com os esforços de controle de emissão de gases de efeito estufa, protagonizados pelas Nações Unidas, em sede de sua Convenção Quadro de Mudanças Climáticas – CQMC.
Nesse sentido, a COP 21 fez um karaokê climático perfeito, no ritmo da economia e da geofísica…
UMA LUVA PARA A INICIATIVA PRIVADA
Como a confirmar o karaokê no ritmo dos interesses econômicos, a operosa Câmara de Comércio Internacional, que se fez presente nas negociações do clima, e cuja ICC Task Force on Green Economy tenho a honra de integrar – apontou o resultado extremamente positivo, e em alguns elementos além das expectativas (por exemplo, abordagens cooperativas), para os negócios globais.
Alguns pontos-chave, do ponto de vista dos negócios privados, devem ser destacados:
– O Acordo de Paris é juridicamente vinculativo e universal, incluindo um quadro de transparência e de medição, relatório, medidas de verificação; nesse sentido as metas de redução de emissões (diferente do Protocolo de Quioto) são tratadas através de compromissos voluntários de 186 países e, não mais, por metas mandatórias por grupos de países;
– O pico global das emissões de GEE na segunda metade deste século, traduzindo o alvo abaixo de 2°C abaixo, não só coincide como vai além do resultado pretendido pelo G7 – de “descarbonização da economia mundial ao longo do século XXI”. Esta “tradução” é importante para as futuras decisões de investimento empresarial;
– Os ajustes econômicos seguirão INDCs (compromissos nacionais para a UNFCCC – ou de redução de emissões) e outros regulamentos nacionais – que serão paulatinamente adequados e absorvidos pela iniciativa privada;
– Período de avaliação de 5 anos comporta as abordagens cooperativas e contabilidade de resultados de mitigação internacionalmente transferidos. Mecanismos para solicitações de desenvolvimento sustentável dos negócios foram tidas em conta e serão integrados ao esforço de estabilização do clima;
– Embora os negócios e intervenientes não estatais não estejam diretamente referenciados no preâmbulo, a referência a “vários atores” pode ser interpretada como inclusão das atividades da iniciativa privada, de alguma forma. Negócios continuam incluídos nas decisões preambulares, cartas anteriores, e NAZCA;
– A nova meta quantificada, coletiva, de um piso de US $ 100 bilhões por ano para os países em desenvolvimento, a partir de 2020,acordada em Paris, abordará atividades de interesse para a iniciativa privada nesses países, também.
Assim, do ponto de vista comercial, o Acordo de Paris foi “um bom negócio – não pesou a mão na atividade privada, preservou a transição gradual já em curso, dos parques industriais para os países do oriente e da adoção de sistemas produtivos tecnologicamente mais avançados nos países desenvolvidos. Também choveu no molhado quanto à transição já em curso das matrizes energéticas para fontes mais limpas e abriu, com a “bolsa-clima” uma perspectiva interessante para o mercado de infraestrutura, banking e agronegócios sustentáveis.
A JUSTIÇA CLIMÁTICA, reivindicada por ambientalistas internacionais, por exemplo, sumiu do mapa das questões tratadas na COP 21.
A questão da inclusão social, ainda que mencionada, definitivamente ficou “embutida” na “bolsa-clima”…
BRINCANDO DE DEUS
O relatório do IPCC – Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas, que informa cientificamente a Conferência e sobre o qual já havia me pronunciado no meu artigo “Mudanças Climáticas de Biquini”, é a causa do termostato diplomático plantado no Acordo de Paris.
A premissa do IPCC, contida no silogismo sobre o qual funda as conclusões traduzidas no acordo climático, foi desenvolvida em um relatório apresentado em duas fases. A primeira, baseada em demonstrações factuais, afirma que o aquecimento global hoje experimentado é fato sem precedentes na história do planeta, e que as emissões de gases de efeito estufa (GEE), ocasionadas por ação humana, são a causa do fenômeno. A segunda, atesta que as alterações do clima já estão provocando impactos significativos no ambiente, como o aumento do nível do mar, acidez dos oceanos, redução da extensão e espessura do gelo nos polos.
Tais alterações, segundo o relatório, se refletem no ambiente humano, causando perdas econômicas de magnitude, redução da produtividade agrícola e danos à infraestrutura, ocasionados por extremos de chuva e seca.
O IPCC alerta que esses impactos irão se agravar se a temperatura média do planeta aumentar nas próximas décadas, “caso não tenhamos sucesso em reduzir drasticamente as emissões de GEE”.
A verdade é que essa premissa pretensiosa levou à conclusão quixotesca do Acordo de Paris: que o próprio ser humano pode deter, refrear ou mitigar, de forma efetiva, o processo de alterações climáticas que hoje ocorre em larguíssima escala.
Imodesto na sua essência, o Relatório do IPCC, que apelidei de “Biquíni”, abrigou a vaidade de seus membros, reproduzida pelos agentes políticos encarregados de fechar um acordo na COP 21 de Paris – a qualquer custo, mesmo na base do termômetro e do ventilador sobre a superfície do planeta.
Por conta disso, o “primo pobre” das mudanças climáticas, mais uma vez apareceu apenas como aceno de alarme no horizonte: as medidas estruturantes de defesa civil e de reestruturação dos padrões de permissão para a agricultura – visando proteger preventivamente as populações e garantir a produção de alimentos nos tempos difíceis que virão.
Não que isso não esteja ali. Está no bojo do apoio de 100 Bi, da Bolsa-Clima aos países mais fragilizados e emergentes. Porém, ainda não se tornou o urgente alvo da articulação internacional no bojo da Convenção do Clima da ONU…
A questão é que no bojo do jactancioso relatório, salta aos olhos o esforço mental, inconfessável, misto de vaidade intelectual e ativismo biocêntrico, de conferir ao Homem um protagonismo de proporções tiranossáuricas, como se pudesse o ser humano traçar uma nova era geológica no planeta.
Pior que isso: agora o Acordo de Paris confere ao ser humano a capacidade de acionar um sistema de “ar condicionado” sobre nosso planeta… relegando a um outro momento aquilo que DEVEMOS fazer – reduzir nossas próprias emissões e, priorizando uma fantasia sobre o que não está de forma alguma em nosso alcance: regular humanamente a temperatura do planeta.
http://www.cartacapital.com.br/blogs/blog-do-grri/entenda-a-cop-21-e-as-disputas-em-jogo-5188.html
http://www.bbc.com/news/science-environment-35029962
http://www.theeagleview.com.br/2014/04/mudancas-climaticas-de-biquini.html?q=BIQU%C3%8DNI
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor- Chefe do Portal Ambiente Legal, do Mural Eletrônico DAZIBAO e responsável pelo blog The Eagle View.