MEDALHAS… MEDALHAS…
Um lance de memória dos tempos de militância no Direito Penal Militar
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
A foto acima é dos anos 80. Eu estava condecorando por bravura policiais militares do 11o. BPM.
Fui defensor credenciado pela Caixa Beneficente da Polícia Militar do Estado de São Paulo, entre 1985 e 1995. Atuei em aproximadamente 500 processos na Justiça Militar, envolvendo a defesa de milhares de policiais.
O foco da atuação era defender os policiais quando indiciados ou denunciados pelo cometimento de crime contra a pessoa no exercício da função. O período era complexo – nesses dez anos de atividade intensa, a média de mortes de civis, ocorrida em confrontos com a polícia militar paulista era superior a mil, por ano. A Justiça Militar chegou a enfrentar uma avalanche de 11.000 (onze mil) processos, por conta de uma atitude explicitamente beligerante do Ministério Público Paulista que passara a denunciar até sumiço de latinha de graxa para sapatos em vestiário de quartel…
A Polícia Militar, e esse fato é patente, acumulava sua atividade de policiamento administrativo, ostensivo e repressivo, com o atendimento à uma demanda advinda do clima político-econômico que então ocorria: a de segurar, a qualquer custo, os efeitos nocivos de um descontrole social e territorial crescente, que se abatia especialmente nos meios urbanos do Estado.
Greves sindicais, movimentos de canavieiros, grandes rebeliões no sistema prisional, o advento em grande profusão dos chamados loteamentos e ocupações clandestinas nas áreas de mananciais e periferias das cidades paulistas…
O fato é que, em verdade, a PM agiu com extrema eficiência (e o termo aqui não contém qualquer conteúdo crítico moral) na contenção social – isso em uma época marcada pela recessão econômica, desemprego, profunda crise moral na política, desmandos e, o mais triste ainda não resolvido, momentos de explícita covardia demonstrados por dirigentes e líderes políticos pusilânimes, que não conseguiam conciliar o discurso proselitista que faziam com algum laivo de competência, capacidade de gestão ou identidade para com as funções exercidas.
O processo de implementação do regime democrático no Brasil envolveu conflitos de ordem ideológica, que sistematicamente punham em xeque a figura da instituição judiciária militar. Por ser o direito penal militar muito pouco conhecido, exercido por um segmento bastante restrito e estigmatizado por sua aplicação excepcional a civis, durante a vigência da Lei de Segurança Nacional, o judiciário militar era vítima frequente de questionamentos midiáticos de radicais, autoridades em busca de algum refletor da mídia, gente que não tinha o que fazer, vítimas legítimas e não tanto, de algum abuso ou violência policial… enfim, um caldo de cultura propício para desorientar convicções e julgamentos.
Nesse sentido, várias foram as defesas que me incumbi de exercer, as quais diziam respeito muito mais à defesa institucional da Polícia Militar e da própria lisura da Justiça Militar que, propriamente, dos acusados em causa. O processo penal-militar assim o permitia, pois na Justiça Militar prevalece a oralidade.
Assim, a tribuna do advogado era o cenário ideal para contextualizações político-sociais – permitia também o desenvolvimento, com muita liberalidade, de teses técnicas, questionamentos no campo da perícia, da balística, da disciplina militar e de procedimentos operacionais – debates memoráveis com promotores de justiça – vários deles muito experientes e julgamentos públicos por um conselho de justiça formado por quatro oficiais e um magistrado togado (à época chamado Auditor), que não raro se estendiam em considerações densas a respeito dos fatos da causa e suas circunstâncias, antes de proferir o seu voto. Uma aula a cada julgamento.
Fiz centenas e centenas de defesas e sustentações orais na Justiça Militar do Estado e no tribunal do Júri. Atuei em quase mil procedimentos disciplinares militares – averiguações sumárias, conselhos de disciplina e de justificação.
Éramos, naquela época, muito poucos profissionais especializados na disciplina. Todos respeitadíssimos por praças, oficiais, magistrados e promotores.
Éramos bem recebidos nos quartéis, na Academia de Polícia Militar e tinhamos amplo e irrestrito acesso aos oficiais de cartório, magistrados e promotores.
Casos históricos passaram por minhas mãos, como o complexo caso envolvendo as guarnições da ROTA, assaltantes e reféns – na Praça Panamericana, ou o caso emblemático do tiroteio entre a guarnição da PM e um investigador aposentado (pai de magistrado) cuja altercação com a mulher, no seu apartamento, fora comunicada à PM (por vizinhos) como “roubo a residência”, nos anos 80. O caso da rebelião na Casa de Detenção – o Carandirú, acompanhado na fase da Justiça Militar por mim – encarregado que fora da defesa de 23 PMs.
Os momentos de coragem e enfrentamento nessas crises, me fizeram crescer e amadurecer para muito além do que poderia ter imaginado ao sair da faculdade.
Após me desligar voluntariamente da CBPM, continuei atuando como advogado na defesa de PMs, escolhendo a dedo as causas, até que minhas atividades na consultoria ambiental e cível reduziram quase que por completo minha disponibilidade de tempo – isto porque a defesa de acusados na justiça militar e, principalmente, nos extensos processos administrativos disciplinares – em especial os conselhos de disciplina e justificação, demandavam tempo e exigiam comparecimento pessoal do defensor em sessões que chegavam a durar o dia inteiro, por dias seguidos.
Sempre me fiz acompanhar por colegas que me auxiliavam. Hoje, vários seguem na carreira da advocacia criminal e nela despontam com muito sucesso.
Uma coisa é certa: sempre busquei agir em defesa dos PMs na perspectiva de defendê-los e, também, proteger a função que eles exerciam, de garantir e zelar pela ordem pública e integridade dos cidadãos de bem.
Foi um período de boas lembranças, excelentes amizades, muito aprendizado e profundo conhecimento da estrutura de segurança pública brasileira.
Hoje ainda tenho minhas causas criminais, alguns processos administrativos e, inclusive, júris (afinal, não deixei a profissão…rs). No entanto o volume é significativamente menor – o que me permite transitar nas demais áreas do direito sem “inundar” o escritório com gente fardada e ter sempre uma viatura na porta, como ocorria nos anos 80 e 90…
Confesso, porém, que aquela agitação toda me motivava…
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor- Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.