Madeira ilegal: se não fazemos por aqui, a Europa faz por todos…
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
No último dia 3 de março(2013), entrou em vigor na UE (União Europeia) o Regulamento n º 995/2010, denominado EUTR – European Union Timber Regulation (Regulamento Madeireiro da União Européia). Aprovado pelo Parlamento e pelo Conselho Europeu em 20 de Outubro de 2010, o marco legal teve data prefixada para entrar em vigor, visando permitir que o comércio interessado bem como os estados-membros a ele se adaptassem.
Criado precipuamente para combater o comércio ilegal de madeira, o EUTR reprime esse crime internacional introduzindo três instrumentos importantíssimos:
1- Proibição da introdução no mercado da UE de “madeira extraída ilegalmente e de produtos derivados dessa madeira”;
2- Obrigação dos operadores que comercializem madeira e seus derivados pela primeira vez no mercado da UE, de efetuar uma análise de risco – a chamada ‘due diligence';
3- Uma vez no mercado europeu, manutenção de registros atualizados de fornecedores e clientes, por parte dos operadores econômicos, de forma a manter a rastreabilidade da madeira e produtos dela derivados, até o consumidor final, ainda que submetidos a transformação e manufatura.
O regulamento abrange uma vasta gama de produtos de madeira enumerados no seu anexo, usando a nomenclatura do Código Aduaneiro da União Europeia.
O ponto alto de conflitos na implementação da norma, sem dúvida, é a chamada “due diligence”. A EUTR determina aos operadores exercer gestão de risco, para minimizar qualquer possibilidade de colocar madeira extraída ilegalmente, ou produtos de madeira contendo madeira extraída ilegalmente, no mercado da UE.
Essa diligência envolve:
A. Informação: O operador deve ter acesso e apresentar informações que descrevem a madeira e os produtos de madeira, país de origem, espécies, quantidade, detalhes do fornecedor e as informações sobre o cumprimento da legislação nacional.
B. Avaliação de risco: O operador deve avaliar o risco de ocorrência de madeira ilegal em sua cadeia de suprimentos, com base nas informações recolhidas, considerando os critérios estabelecidos no regulamento.
C. Mitigação de risco: Quando a avaliação identificar risco de ocorrência de madeira ilegal na cadeia de abastecimento, deverá também avaliar se o risco poderá ser mitigado pela obtenção de informações adicionais e verificação mais severa por parte do fornecedor do produto.
O regulamento abrange móveis, pisos, papel e celulose, entre muitos outros derivados. Não estão incluídos produtos reciclados, bem como documentos impressos (como livros, revistas e jornais). Isso pode ser alterado, no entanto, se necessário.
O regulamento aplica-se tanto a madeira importada quanto á produzida em solo europeu.
Madeira e produtos de madeira abrangidos por FLEGT válida ou licenças CITES são considerados em conformidade com os requisitos do regulamento.
Para relembrar: FLEGT é a sigla para EU Forest Law Enforcement, Governance and Trade – um plano de ação para recuperar áreas degradadas em países fornecedores por meio de acordos voluntários, regularizando a extração e o comércio de madeira. Já a CITES é uma Convenção Internacional articulada nos anos 60 e 70, que estabelece regras com relação a espécimes sob risco de extinção – documento histórico por ser originário de uma articulação de uma organização não governamental, a IUCN.
A menção aos documentos não é gratuita. Reforça a influência decisiva das ONGs estabelecidas em todos os países fornecedores de recursos florestais e minerais para a Europa. O EUTR prevê “organizações de monitoramento” reconhecidas pela Comissão Europeia, como entidades privadas responsáveis pelos sistemas operacionais de due diligence juntos aos operadores.
Os operadores poderão desenvolver o seu próprio sistema de Due Diligence ou utilizar um já desenvolvido por uma dessas organizações de vigilância.
A apatia do governo brasileiro é lamentável. Também o é a costumeira ignorância do setor produtivo madeireiro. A medida afetará diretamente as exportações do Brasil.
Notório o descompromisso do governo e do setor produtivo com solução aceitável que implique no cumprimento de legislação factível e que efetivamente vigore em nosso território. Espera-se que, passado o turbilhão de emoções da votação da nova legislação florestal, todos possam se debruçar sobre o assunto.
Há um dado alarmante: somente 4% (quatro por cento) da madeira extraída em território brasileiro é certificada. Ou seja, 96% da nossa produção está à mercê da barreira não tarifária erigida com muito critério pela União Europeia.
Enquanto por aqui muita autoridade, de saia ou colete, desfilava palavras ao vento, na Europa os agentes públicos trabalhavam… e ainda contavam com o apoio de seus agentes privados, radicados em solo brasileiro.
Vamos aguardar os novos capítulos dessa legislação cujos efeitos cairão direto em nosso colo.
Publicado originalmente no portal Última Instância em 07 de maio de 2013. Confira o artigo original aqui.
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor-Chefe dos Portais Ambiente Legal, Dazibao e responsável pelo blog The Eagle View. Twitter: @Pinheiro_Pedro. LinkedIn: http://www.linkedin.com/in/pinheiropedro
Fonte: The Eagle View
Publicação Dazibao, 18/11/2020 e 05/2013
Edição: Ana A. Alencar