LAMA DA SAMARCO E O SURTO DE FEBRE AMARELA
Surto de febre amarela pode estar ligado à tragédia de Mariana, alerta bióloga da Fiocruz
Da Redação*
Deu no Estadão: Há uma possível relação entre o surto da doença em Minas Gerais e a tragédia causada pelo rompimento da barragem da Samarco – controlada pela Vale e BHP Bilinton que praticamente destruiu a Bacia do Rio Doce.
O dano ambiental da lama da Samarco
A tragédia, ocasionada provavelmente por um crime ambiental atribuído pelo Ministério Público às empresas envolvidas, foi provocada pelo rompimento da barragem de Fundão, pertencente à mineradora Samarco, controlada pelas empresas BHP Billiton e Vale S.A, em novembro de 2015.
Apesar das mortes e dos danos descomunais, os envolvidos seguem praticamente impunes, depois de mais de um ano.
O rompimento atingiu violentamente várias comunidades da região, matou 19 pessoas, prejudicou a economia de dezenas municípios atingidos, destruiu a produção agrícola de diversas famílias, exterminou os peixes que alimentavam ribeirinhos e indígenas da região, afetou milhões de pessoas que vivem e dependem da água e das terras da Bacia do Rio Doce. Sem dúvida, tratou-se da maior catástrofe socioambiental na história do Brasil e uma das maiores geradas pela mineração no mundo.
Desastre ambiental e o mosquito da Febre Amarela
Segundo a bióloga da Fiocruz Márcia Chame, o aumento dos casos suspeitos de febre amarela em Minas Gerais pode estar relacionado à tragédia de Mariana, quando 55 milhões de m³ de lama vazaram da barragem de Fundão após seu rompimento. A possível relação entre os dois fatos ocorre uma vez que grande parte das cidades mineiras que identificaram casos de pessoas com sintomas da doença estão na região próxima ao Rio Doce, local onde a barragem foi rompida.
“Mudanças bruscas no ambiente provocam impacto na saúde dos animais, incluindo macacos. Com o estresse de desastres, com a falta de alimentos, eles se tornam mais suscetíveis a doenças, incluindo a febre amarela”, afirmou a bióloga ao jornal.
Embora não seja o único motivo que possa ter contribuído para os casos, Márcia destaca o fato de que a região já sofria grandes abalos ambientais provocados pela mineração. “É um conjunto de coisas que vão se acumulando”, disse.
Para ela, este episódio lembra o que ocorreu no Rio Grande do Sul em 2009,quando um surto de febre amarela foi identificado no estado. “Ambientes naturais estão sendo destruídos. No passado, o ciclo de febre amarela era mantido na floresta. Com a degradação do meio ambiente, animais acabam também ficando mais próximos do homem, aumentando os riscos de contaminação.”
A bióloga explica que ao picar um macaco contaminado, o mosquito recebe o vetor da febre amarela (Haemagogus), que passa a transmiti-lo nas próximas picadas. Quando um ser humano sem estar vacinado é picado, começa a fazer parte do ciclo. Essa corrente aumenta quando animais, por desequilíbrios ambientais, deixam seus ambientes e passam a viver em áreas mais próximas de povoados ou cidades. “Com o desmatamento, animais também se deslocam, aumentando o risco de transmissão.”
Além de Minas, foram notificadas também mortes de macacos na região próxima da cidade capixaba de Colatina, também afetada pelos reflexos do acidente de Mariana. Não há ainda comprovação de que os macacos dessa área morreram por febre amarela.
Há precedentes no mundo
Pesquisas recentes sugerem que barragens na África subsaariana são responsáveis por “pelo menos 1,1 milhão de novos casos africanos de malária todo ano”, relatou Joby Warrick do Washington Post no ano de 2015.
Na bacia do Rio Senegal, na África Ocidental, em 1987, houve uma grande epidemia de febre do Vale do Rift. O surto deveeu-se a “uma série de modificações ecológicas no rio instituídas pelos governos da Mauritânia e do Senegal em cooperação com programas patrocinados internacionalmente”, o que incluía duas barragens, como relatou Kenneth J. Linthicum e seus colegas, do Centro de Entomologia Médica, Agrícola e Veterinária do Departamento de Agricultura dos EUA, ao Post.
E o que é válido para as represas também é para o corte e queimada de florestas, igualmente envolvidas no aumento de transmissão de doenças para humanos.
Chelsea Harvey, repórter do Washington Post, também mostrou como o desmatamento na Malásia parece ser outro principal elemento para a transmissão de malária, na medida em que serviu para aproximar humanos e macacos, permitindo que os mosquitos ajam como intermediários entre os dois, transmitindo a doença.
As áreas desmatadas tendem a ser mais quentes, por conta da ausência de árvores, que diminuem a temperatura, e essas temperaturas mais altas podem afetar partes cruciais do ciclo de vida do mosquito.
Alterações na forma de contágio
A transmissão da febre amarela em área silvestre é feita por intermédio de mosquitos do gênero (principalmente) Haemagogus. O ciclo do vírus em áreas silvestres é mantido através da infecção de macacos e da transmissão transovariana (passado de mosquito para os seus descendentes, filhos) no próprio mosquito. Uma vez infectada, a pessoa pode, ao retornar, servir como fonte de infecção para o mosquito Aedes aegypti, que então pode iniciar a transmissão da febre amarela em área urbana. Uma pessoa pode ser fonte de infecção para o mosquito desde imediatamente antes de surgirem os sintomas até o quinto dia da infecção.
O Aedes aegypti torna-se capaz de transmitir o vírus da febre amarela 9 a 12 dias após ter picado uma pessoa infectada.
Lama da Samarco alterou estatísticas
No Brasil, a transmissão da febre amarela em áreas urbanas não ocorria desde 1942. Em áreas de fronteiras de desenvolvimento agrícola, pode haver uma adaptação do transmissor silvestre ao novo habitat e ocorre a conseqüente possibilidade de transmissão da febre amarela em áreas rurais (“intermediária”).
O fato é que os estragos produzidos pelo desastre contribuíram para na alteração de comportamento dos vetores.
Pelo princípio da responsabilidade objetiva, a relação do dano com o surto gerará novas indenizações aos poluidores. Como o fato é posterior às manobras, ás idas e vindas entre atores institucionais e defesa das mineradoras, o fato habilitará novos atores e até mesmo os governos municipais a buscarem avaliação mais acurada do dano.
Pelo visto, a lama da Samarco, passados mais de ano da tragédia, continua a descer e a poluir corações e mentes de infectados pela febre amarela…
* pesquisa e compilação de Antonio Fernando Pinheiro Pedro
http://www.sobiologia.com.br/conteudos/Agua/Agua12.php
http://www.gazetadopovo.com.br/saude/lixo-e-desmatamento-estao-entre-as-causas-ambientais-da-proliferacao-do-zika-732iu6h9rvpqljud3rc50z4ds
https://www.brasildefato.com.br/2017/01/14/surto-de-febre-amarela-pode-estar-ligado-a-tragedia-de-mariana-alerta-biologa/