JUSTIÇA QUE DÁ TRABALHO E CUSTA CARO
Montado em uma legislação ultrapassada e inútil, o judiciário trabalhista não diz em números a que veio… Mais uma bastilha a ser derrubada na restauração da República.
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Deu no Estadão: O Brasil conseguiu abocanhar mais um título para a sua extensa lista de conquistas negativas. Com cerca de 2 milhões de processos por ano, o país é campeão mundial em ações trabalhistas.
Um prêmio à estupidez
Segundo levantamento do sociólogo José Pastore, especialista em relações do trabalho há mais de 40 anos, nos Estados Unidos o número de processos não passa de 75 mil; na França, 70 mil; e no Japão, 2,5 mil processos.
Ou seja, com 2% dos trabalhadores do planeta, o Brasil responde por 98% das ações trabalhistas em curso no globo terrestre…
Um prêmio à estupidez coletiva que só nos envergonha.
Por óbvio que não se trata de uma questão cultural. O problema é estrutural, ideológico e econômico.
Legislação anacrônica
De fato, possuimos uma estrutura legal que não tutela qualquer relação dinâmica compatível com nossa economia. Leis anacrônicas que não se aplicam à realidade social, cultural e econômica. Leis que estimulam a fuga de capitais, instituem expedientes de arrecadação voraz e germinam fraudes e corrupção. Afugentam empregados e patrões da pretensa formalidade que deveria tutelar suas relações.
Na opinião de especialistas, o quadro caótico é resultado de inúmeras falhas, mas a principal é com certeza a anacrônica, falha, irreal e ideologizada legislação trabalhista. Em apoio aos marcos legais jurássicos, segue-se toda a paquidérmica e parasitária jusburocracia e seus penduricalhos, que, como os números provam, vampiriza a economia nacional.
“Quando vejo 2 milhões de ações na Justiça, começo a achar que há alguma inadequação na nossa lei, que não foi feita para um mundo moderno, globalizado. O elevado número de ações não é um bom sintoma”, avalia o advogado Almir Pazzianotto, ex-ministro do Trabalho e ministro aposentado do Tribunal Superior do Trabalho. Para Pazzianotto, houve uma “banalização da Justiça do Trabalho no Brasil. Qualquer coisa é motivo para entrar com um processo trabalhista”.
As mudanças urgem, pois o sistema, além de estruturalmente falido e institucionalmente desmoralizado, não se justifica financeiramente.
Para a correta reivindicação de direitos, deveria de há muito já ter se adotado mecanismos de conciliação extrajudicial, como arbitragem e conciliação prévia – aliás tentados em vários momentos, desde a instituição da mediação e arbitragem no país, porém, boicotados sistematicamente pela jusburocracia trabalhista, sindicatos aparelhados pela esquerda, federações patronais e demais segmentos que sobrevivem da massa de contenciosos.
“Esses mecanismos estão evoluindo de maneira muito lenta. Mas acredito que uma hora as pessoas vão se dar conta de que esse é o melhor caminho contra a morosidade”, afirma Pazzianotto ao Estadão.
Se depender das reações no campo da política e da justiça a qualquer ação reformadora dessa estrutura legal, nada sairá do lugar, até ruir.
Somente cegos e hipócritas não enxergam a disfuncionalidade legal vivida por nossas relações de trabalho. No entanto, a cegueira e hipocrisia são premiadas, porque adequadas à postura ideológica inoculada na jusburocracia mantida por toda essa estrutura legal.
Instituições comprometidas com o desastre
Essa jusburocracia envolve, por sua vez, hordas de sindicatos, federações, centrais, fundações, institutos, associações profissionais, partidos políticos e profissionais peritos, operadores jurídicos e ficais cada vez mais dedicados à manutenção de seus nichos de privilégios.
A ideologia estatocrata, pretensamente esquerdizóide mas, no fundo, fascista, é verdadeiro cancro que infecta as instituições dedicadas à tutela das relações de trabalho no Brasil. Esse cancro ideológico está matando seus hospedeiros, destruindo a economia e revelando o cenário patético da tragédia burocrática brasileira.
Par e passo com a monstruosidade de contenciosos que agora se destaca em escala mundial, emerge para terror de todos os que ainda não se tinham dado conta, a face cruel de uma estrutura burocrática paquidérmica e cara, que suga o dinheiro do cidadão contribuinte e destrói a economia e as relações sociais.
Nossas instituições estão comprometidas com o desastre.
Justiça cara e paquidérmica
Não há qualquer justificativa meritória ou catastrófica para o fato. A justiça do trabalho brasileira custa ao cidadão cinco vezes o volume de verbas que consegue arrecadar para devolver aos que a dela se socorrem.
Os dados estão à mostra no Relatório Geral da Justiça do Trabalho.
No ano de 2015, a Justiça do Trabalho, que concentra 21% dos gastos do judiciário, apresentou despesa de R$ 17,1 bilhões, um custo pelo serviço de Justiça de 86 reais por habitante, ou quase 3% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional . Desse valor impressionante, 93,5% foram para despesas com recursos humanos – sendo 97% só com magistrados e servidores e 3% com o pagamento de terceirizados e estagiários.
No entanto, o colosso burocrático arrecadou, no mesmo ano de 2015, perto de 3 bilhões em custas, emolumentos, taxas, execução previdenciária e penalidades impostas – 19% do que consome do cidadão contribuinte.
Mas o desastre não para aí
No ano de 2015, a Justiça do Trabalho conseguiu pagar aos reclamantes uma quantia quase igual ao seu custeio. Tirando os grandes casos de reclamações em massa ou grandes indenizações isoladas, o resultado piora e a média de pagamentos é ainda mais baixa que o que se paga em média por ação ajuizada: algo próximo de 3,4 mil reais por reclamação.
Vamos esmiuçar esse varejo seguindo o cálculo de José Pastore para o Estadão: para cada mil reais julgados, a Justiça do Trabalho custa ao cidadão mil e trezentos…
Ou seja, o brasileiro literalmente paga para manter um judiciário que nada lhe devolve.
Se somarmos o fato do judiciário trabalhista construir palácios suntuosos com a mesma dedicação com que distribui grosserias e arrogâncias aos incautos que o procuram, sejam partes, prepostos, advogados, testemunhas, o resultado, além de revoltante, é desalentador. Não é a toa que o caríssimo fórum trabalhista de São Paulo, por exemplo, detém outro número impressionante: o de recorde de suicídios praticados em suas instalações, em relação a toda a cidade.
O volume de conflitos mal resolvidos por essa imensa máquina burocrática só é superado pelo volume de contradições e deficiências meta-burocráticos por ela produzidos.
Segundo se sabe, uma ação trabalhista, no Brasil, superada a conciliação, se nenhum outro incidente ocorrer, levará em média sete anos para ser julgada e, no mínimo, mais três anos para que sua execução seja satisfeita. Ante esse simulacro de acordo bíblico entre “Labão e Jacó”, a saída sistemática é o achatamento dos valores devidos em juízo, por meio de forçosas conciliações na primeira instância – a melhor saída para partes, juízes e advogados, mas que não se traduz nem de longe em “justiça”.
Na outra ponta a mesma ponta…
Na outra ponta do problema, está o mesmo problema: a enorme carga tributária necessária para sustentar uma máquina burocrática monstruosa, que custa mais de um bilhão de reais por dia ao contribuinte brasileiro…
Não por outro motivo, a resposta institucional do cidadão comum é buscar a informalidade. “Hoje muitas pessoas trabalham sem registro por causa da elevada carga tributária sobre os salários”, afirma Almir Pazzianotto.
A informalidade não é um fenômeno infracional ou criminológico. É evidente manifestação de desobediência civil.
Em socorro da burocracia, corporações e organismos estatais contratantes desenvolvem sistemas de compliance informatizados, que têm tentado vincular passivos trabalhistas à manutenção de contratos com seus fornecedores. Por óbvio que o que se está testemunhando com esse fenômeno é pura “metaburocracia”. O resultado tem se revelado ainda mais perverso. Estreitamento dos canais de contratação que deveriam oxigenar a economia cambaleante…
A falência do Estado brasileiro
Hoje, as estruturas burocráticas instaladas nos três poderes da República brasileira sugam vorazmente os recursos públicos e massacram o cidadão contribuinte. Essas estruturas carcomidas, ineficazes, caras e metaburocráticas, são as novas saúvas do Brasil: ou acabamos com elas, ou elas acabam com o País.
A Justiça do Trabalho, portanto, não é justiça e não representa o trabalho. É apenas mais uma masmorra burocrática que consome o cidadão brasileiro.
Mais uma “bastilha” a ser derrubada pelos cidadãos que, cedo ou tarde, se ocuparão de esmagar o ogro burocrático e destruir seus palácios, despejando todo o entulho nos bota-foras da República restaurada.
Fontes:
– http://www.apcefpi.org.br/portal/pi/informacoes/artigos/brasil-e-o-numero-um-do-mundo-em-acoes-trabalhistas.htm#sthash.TR1ZsoA7.dpuf
– http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/80430-justica-do-trabalho-aumenta-produtividade-e-tem-alto-grau-de-virtualizacao
– http://www.tst.jus.br/documents/10157/11677987/Indicadores.pdf
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP) e jornalista. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Membro do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, das Comissões de Política Criminal e de Infraestrutura da OAB/SP. É membro do Conselho da União Brasileira de Advocacia Ambiental, Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API, Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.