Jornalistas e advogados discutem novas formas de censura à imprensa
Decisões judiciais que proíbem publicações, mandam apagar notícias da internet, obrigam a quebrar o sigilo de fonte e reconhecem o direito ao esquecimento, impedindo notícias sobre casos antigos, representam novas formas de censura, na avaliação de participantes de debate no Supremo Tribunal Federal.
A corte sediou nesta segunda-feira (11/6) o seminário 30 anos Sem Censura: a Constituição de 1988 e a Liberdade de Imprensa. Apesar do nome, vários debatedores declararam que a prática ainda existe mesmo sem a existência de censores oficiais do governo, como ocorria no regime militar.
Atualmente, por exemplo, há 14 projetos de lei em tramitação no Congresso que podem gerar sérios riscos a liberdade de imprensa, segundo a Associação Nacional dos Jornalistas. “Apesar de a censura ter diminuído 50% de 2017 para 2016, o Brasil ainda ocupa o oitavo no índice global de impunidade e 103 no ranking de liberdade de imprensa”, disse Judith Brito, representante da entidade.
Ela afirmou que, na esfera judicial, há muitos políticos que pretendem impedir a divulgação de reportagens que eles consideram ofensivas: somente em 2016, foram 219 processos relacionados aos políticos brasileiros.
Segundo Judith, o julgamento que derrubou a Lei de Imprensa, em abril de 2009 (ADPF 130), foi um divisor de águas que, depois de um momento de grandeza, permitiu decisões que causaram perplexidade.
Ela citou trecho do voto do ministro Carlos Ayres Britto (hoje aposentado), para quem “a liberdade de imprensa é plena e, sendo plena, inadmite censura prévia”. “Em casos de destruições de reputações e provocação de males irreparáveis, a constituição oferece ‘antídotos’, como o direito de resposta e a exigência de democratização e do não monopólio dos meios de comunicação social”, disse o ministro na época.
A advogada Taís Gasparian também entende que a censura vem se renovando. “Novas formas e modos que se apresentam. Causam embaraço, constrangimento, coação do jornalista e violência simbólica. Por exemplo, o prazo para a propositura de processo contra o jornalista é de três anos. Já melhoramos, antes eram 20 anos, mas ainda assim é muito tempo”, avalia.
Ela afirmou que o direito ao esquecimento, que tem sido aplicado por membros do Judiciário, prejudica a própria população, impedindo a veiculação de notícias já publicadas ou impedindo nova veiculação de fatos ocorridos no passado. “É importante que se preserve o que foi divulgado”, diz.
Uma das novas formas de censura debatidas foram as indenizações de valores exorbitantes, muitas vezes dirigidas a jornalistas — e não a veículos de imprensa —, causando inclusive o fechamento de jornais.
Os convidados citaram tentativas de censura a jornais brasileiros como ocorreu com o jornal Folha de São Paulo. Uma reportagem sobre o patrimônio financeiro da Igreja Universal do Reino de Deus, em dezembro de 2007, desencadeou cerca de 60 ações apresentadas por fiéis que se consideravam “ofendidos” no seu sentimento religioso.
O jornalista Carlos Lindenberg afirmou que o Brasil foi, em 2016, o sétimo país do mundo em número de jornalistas assassinados, segundo a Unesco. Nos últimos 11 anos, foram 930 jornalistas mortos exercendo o seu trabalho.
Levantamento
Segundo pesquisa do Conselho Nacional de Justiça, a maioria dos processos relacionados à liberdade de imprensa está na Justiça estadual, com 68,7% dos casos. Uma parcela significativa está concentrada na Justiça Eleitoral, com 25%. A incidência do casos de liberdade é quatro vezes maior nas capitais do país do que nas demais cidades: enquanto na capital o índice foi de 2 casos por cem mil habitantes, no interior a relação foi de 0,5.
A difamação é o motivo mais frequente, com ocorrência de 59% das vezes, seguida da violação à legislação eleitoral com 19,4%.
Os três tribunais que, proporcionalmente à população, possuem mais processos sobre a liberdade de imprensa são do Rio de Janeiro, do Distrito Federal e do Paraná, todos com 1,8 ou mais casos por cem mil habitantes. A menor incidência está em Rondônia, no Paraná e no Amazonas. A média nacional é de 1,2.
Também nesta segunda, o deputado federal Miro Teixeira (Rede-RJ) defendeu que jornalistas deveriam ter a mesma imunidade constitucional de advogados no exercício da profissão, ficando isentos de responder a processos de indenização e crimes contra a honra, como injúria e difamação. Ele avalia que o próprio STF poderia reconhecer a prerrogativa, mesmo sem lei específica.
O seminário fez parte das determinações da Resolução CNJ 163/2012 que instituiu o Fórum Nacional do Poder Judiciário e Liberdade de Imprensa e criou uma Comissão Executiva Nacional sobre o tema. A comissão é atualmente composta por pessoas nomeados na Portaria 30 /2018. Com informações da Assessoria de Imprensa do CNJ.
Gabriela Coelho é repórter da revista Consultor Jurídico
Fonte: Conjur