Impactos da MP da Liberdade Econômica (MP nº 881/2019) nas questões relacionadas ao Direito Ambiental
Por Alexandre Victor Abreu*
A Medida Provisória nº 881/2019 instituiu a chamada “Declaração de Direitos de Liberdade Econômica” e foi responsável por alterar a redação de diversos artigos do Código Civil e outras leis especiais e tem como objetivo a desburocratização do exercício da livre-iniciativa.
Dentre outros assuntos, sendo estes relacionados principalmente ao Direito Civil e regulação de contratos, o Meio Ambiente também foi objeto da Medida Provisória.
O problema é que ao abordar questões relacionadas ao Meio Ambiente a MP se mostrou por vezes vaga e contraditória sendo que em análise fria do texto percebe-se que as pretensões de ampliar a liberdade contratual podem não se concretizar quando estiver relacionado às questões ambientais.
Isso porque a MP apresenta no seu Art. 2º os princípios que a norteiam, quais sejam, (i) a presunção de liberdade no exercício de atividades econômicas, (ii) presunção de boa-fé do particular e (iii) a intervenção subsidiária, mínima e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas.
Entretanto, a contradição que se busca demonstrar está no fato de que referidos princípios não se afinam com as normas e princípios Constitucionais de preservação do Meio Ambiente, base de nosso ordenamento jurídico.
Em matéria ambiental a responsabilidade civil é de natureza objetiva, ou seja, a obrigação de reparar o dano ambiental independe de boa-fé, bastando a existência de relação de causa e efeito entre o fato e o dano. Neste mesmo sentido, é sabido que não há total liberdade em matéria ambiental devendo toda pessoa física ou jurídica se ater à legislação Federal, Estadual e Municipal de proteção e conservação do Meio Ambiente de modo que no caso de descumprimento é cabível aplicação de penalidades dentre as quais está a suspensão da atividade.
Outro problema verificado diz respeito ao Artigo 3º, inciso I da MP em que o legislador ao abordar “atividade econômica de baixo risco” deixou de definir o que seriam e quais seriam estas atividades de baixo risco, deixando a cargo dos Municípios sua delimitação ou na ausência caberia ser utilizado listagem federal a ser elaborada pelo presidente da República ou pelo Comitê Gestor da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim).[1]
Ocorre que possibilitar aos Municípios a delimitação pode gerar manifesta situação de insegurança jurídica e violação ao princípio da isonomia ao possibilitar a existência de favorecimento em determinados locais em detrimento de outros por eventuais facilidades contrariando o próprio entendimento do Art. 4º da MP que busca vedar práticas de criação de reserva de mercado ou privilégios para determinado grupo econômico.
Não cabe aqui discutir se o empreendimento é causador de “baixo risco” ambiental, mas sim, é importante dizer que qualquer empreendimento que possa causar impacto ambiental é preciso passar pelo processo de licenciamento e a manutenção de MP que desobriga a obtenção da licença viola veementemente os princípios constitucionais do não retrocesso e da prevenção.
Posto isso, importante ressaltar outro ponto da MP que prevê a dispensa da Licença Ambiental. Este instrumento previsto na Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 3938/1981) é de fundamental importância na inter-relação desenvolvimento econômico com conservação do meio ambiente. É por meio da licença que o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais e obriga ao empreendedor cumprir suas obrigações de preservação ambiental.
É certo que merece destaque a proteção ao meio ambiente, inclusive pela importância dada pela Constituição Federal que estabelece em seu artigo 225 que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Ora, a própria Constituição Federal estabelece que a ordem econômica se sujeita a obrigatoriedade de proteção ao Meio Ambiente.
Por outro lado, o destaque positivo da MP da Liberdade Econômica em relação ao Meio Ambiente versa sobre a obrigatoriedade de observância das normas de proteção ao Meio Ambiente, o que contradiz a própria MP na medida em que o texto prevê maior liberdade econômica o que consequentemente compreenderia questões ambientais, sendo que tamanha não há liberdade em se tratando de Meio Ambiente, que é vedado pelo próprio texto constitucional e demais legislação que possuem grau hierárquico superior à Medida Provisória.
Nesse contexto, verifica-se que a Medida Provisória nº 881/2019 apresenta indícios de retrocesso à proteção e preservação do meio ambiente, o que por sua vez é inconstitucional, ao passo em que se passa a exigir a observância do disposto na Declaração de Liberdade Econômica, ou seja, a MP parece caminhar contrário aos princípios constitucionais.
Dessa forma, concluímos que no que diz respeito a preservação do Meio Ambiente e a relação existente com a Legislação Ambiental, a medida provisória não garante o livre mercado dentro do contexto da MP. O que verificamos é haver argumentos vagos que ajudam apenas a alimentar insegurança jurídica e que será preciso passar por ajustes para aprovação pelo Congresso Nacional.
Importante ressaltar que a MP da Liberdade Econômica terá validade de até 120 dias, entretanto, precisará ser aprovada pelo Congresso Nacional para se converter em lei. Ademais, na hipótese de não ser convertida em lei, caberá também ao Congresso Nacional disciplinar, por meio de decreto legislativo, as relações jurídicas decorrentes da MP da Liberdade Econômica durante sua vigência.
Nota:
[1] Art. 10 – A Lei nº 11.598, de 2007, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 4º…………………………………………………………………………………………………………….
§5º Ato do Poder Executivo federal disporá sobre a classificação de atividades de baixo risco, válida para todos os integrantes da Redesim, observada a Classificação Nacional de Atividade Econômica, hipótese que, a autodeclaração de enquadramento será requerimento suficiente, até que seja apresentada prova em contrário.” (NR)
*Alexandre Victor Abreu. Advogado atuante na área Ambiental e Minerário. Graduado pela Escola Superior Dom Helder Câmara, 2015. Especialista em Direito Processual Civil pelo Instituto de Educação Continuada da PUC-MG, 2018. Pós-graduando em Direito Ambiental e Urbanístico pela PUC-MG. Membro da Comissão de Direito Ambiental da OAB/MG e do grupo de estudos em Direito Minerário da UFMG. E-mail: alex_vsa@yahoo.com.br.
Fonte: Direito Ambiental