IBAMA MULTA BANCO POR FINANCIAR CULTIVO EM ÁREA EMBARGADA. PODE ISSO?

Uma análise de possibilidades legais a partir do fato concreto

Plantio de milho e soja em área embargada no MT

Plantio de milho e soja em área embargada no MT

 

 

Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro

Fiscalização integrada

O banco Santander foi multado em R$ 47,5 milhões pelo Ibama, por financiar o plantio ilegal de grãos em áreas da Amazônia que já estavam embargadas, administrativamente, pelo órgão de fiscalização (por se tratarem de áreas de proteção ambiental).

A autuação foi lavrada em operação do Ibama, executada em parceria com o Ministério Público Federal de Mato Grosso. A fiscalização do Ibama constatou que recursos do banco financiaram a plantação de milhares de toneladas de milho e soja em áreas já bloqueadas por causa de plantações irregulares anteriores. Em vez de serem revitalizadas, essas terras continuaram a ser exploradas.

A ação teve escopo abrangente, visando reprimir todos os elementos da cadeia produtiva envolvidos na ilegalidade. Além do Santander e dos produtores rurais que descumpriram os embargos ambientais, as infrações foram imputadas a algumas “tradings” de pequeno porte e outras empresas que atuam na cadeia produtiva. O total das multas aplicadas deve chegar a cerca de R$ 170 milhões.

A autuação milionária, imposta a empresas que financiam irregularmente o agronegócio em áreas de proteção ambiental, marca uma mudança de estratégia do Ibama, que tradicionalmente concentra esforços nas atividades dos produtores rurais.

A ordem agora é fazer uma fiscalização integrada, procurando envolver nas operações, sempre que possível, todos os agentes que atuam no negócio, sufocando seu financiamento e punindo os elos da cadeia produtiva do desmatamento ilegal.

Apuração do fato gerador da responsabilidade administrativa

A irregularidade do financiamento bancário foi apurada no cruzamento de informações realizado durante meses pelos agentes do Ibama e do MPF na Operação Shoyo, levada a cabo pela força tarega encarregada de mapear as áreas embargadas, organizar o histórico de imagens por satélite e confrontar as informações com a emissão de “cédulas de produto rural” , chamadas CPRs – títulos usados por produtores para tomar crédito junto aos bancos.

Como as CPRs são registradas em cartório, os fiscais puderam solicitar as informações junto às serventias e cruzar os dados, localizando as operações de crédito efetuadas nas áreas que já se encontravam embargadas.

“A lista de terras embargadas pelo Ibama é pública. É uma exigência básica que qualquer agente interessado em realizar ou financiar plantio verifique se aquela localização não tem irregularidades”, disse Jair Schmitt, coordenador-geral de fiscalização ambiental do Ibama, em entrevista à imprensa.

Fundamento da Multa Ambiental

O Banco Santander foi autuado por ter intermediado a plantação de 95 mil sacas de milho na safra de 2015, em uma área de 572 hectares que havia sido desmatada irregularmente e encontrava-se embargada pelo órgão ambiental previamente ao financiamento.

As irregularidades foram encontradas nas cidades de Porto dos Gaúchos, Feliz Natal e Gaúcha do Norte, próximos a Sinop (MT), um dos principais polos de produção de grãos do País.

Procurado pela reportagem, o Santander informou que ainda não tinha sido notificado e que, por isso, ainda não podia se manifestar. “O banco ressalta que, além de cumprir rigorosamente a legislação vigente, adota as melhores práticas do mercado no que diz respeito às políticas socioambientais”, declarou, em nota.

Multa não exclui apuração de responsabilidade civil e criminal

“Quem adquire, financia, transporta, comercializa ou intermedeia produtos oriundos de áreas desmatadas ilegalmente também é responsável pela devastação da floresta, inclusive bancos, tradings, transportadoras e empresas de beneficiamento”, disse Jair Schmitt, coordenador-geral de fiscalização ambiental do Ibama.

A declaração do representante do Ibama revela o óbvio: além das autuações administrativas, lavradas pelo órgão de fiscalização ambiental, o Ministério Público Federal de Mato Grosso irá buscar a responsabilização civil pelos danos causados nas áreas embargadas.

“Em matéria de dano, a responsabilização é compartilhada, independentemente se houve ou não intenção de provocar o dano. Quem participa do negócio tem que adotar mecanismos para evitar problemas”, comentou o procurador do MPF no Mato Grosso Marco Antônio Ghannage Barbosa, para acrescentar que “existe a possibilidade de apresentarmos ações na Justiça para responsabilização civil.”

Ideia é obrigar o compliance

A outra ponta desse esforço de investigação consiste em trilhar o caminho da produção irregular. De fato, o volume produzido nas áreas embargadas chegou a 160 mil sacas de grãos. “Já notificamos a Secretaria da Fazenda no Mato Grosso para tentar trilhar para onde foi essa produção”, disse Lívia Martins, superintendente do Ibama em Mato Grosso.

Quanto ao banco, o representante do Ibama, Jair Schmitt, foi taxativo: “Da próxima vez que vão fazer seus financiamentos, o que a gente espera é que eles adotem procedimentos mais rigorosos e não financiem ou não comprem produtos de quem desmatou ilegalmente”. E acrescentou: “Se você é um produtor, desmatou ilegalmente e depois não tem para quem vender o seu produto, você vai se desmotivar a desmatar ilegalmente de novo, porque você não vai ter para quem comercializar. A expectativa nossa é reduzir o desmatamento a partir do autocontrole na cadeia econômica.”

A mudança de atitude operacional da fiscalização portanto, objetiva que o mercado passe a ter um melhor controle sobre a origem dos produtos que tradiciona.

Fiscalização do IBAMA em campo

Fiscalização do IBAMA em campo

 

Entendendo as responsabilidades ambientais

Reza a Constituição Federal, no seu art. 225, §3º:

“As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”

De fato, quando há infranção à regra ambiental, há possibilidade de ocorrer a tríplice responsabilização do infrator. No entanto, as três responsabilidades seguem critérios diferentes.

No entanto, é preciso separar os conceitos de infrator e poluidor. De fato, “infrator” é aquele que transgride uma norma, ignora, despreza, desrespeita. Vale dizer, o infrator demanda norma expressa para que possa, então, transgredir.

O poluidor, por outro lado, está descrito no art. 3º. da Lei 6.938/81 – Política Nacional de Meio Ambiente, como o “responsável direta ou indiretamente pela degradação ambiental” – e esta pode vir a ocorrer ainda que não aconteça de vir o poluidor transgredir qualquer regra…

Por isso é possível responsabilizar civilmente o poluidor de forma objetiva, independente de culpa, obrigando-o à reparação do dano, entre outras sanções obrigacionais – bastando identificar o liame de causalidade entre sua atividade e o risco ou dano provocado.

Essa responsabilidade objetiva, repita-se, é de natureza civil. Não guarda qualquer semelhança com a responsabilidade administrativa e a responsabilidade criminal, impostas ao infrator, conforme sua conduta subjetiva.

Ou seja, na esfera administrativa e criminal, o liame de causalidade, por si só, não basta para estabelecer responsabilidade do agente – é preciso aferir a conduta. transgressora.

Não é por outro motivo que o próprio parágrafo 3º do art. 225 da Constituição Federal, ao estatuir a tríplice responsabilização para o “infrator”, diferencia a “obrigação de reparar os danos causados” das “sanções penais e administrativas”.

Da mesma forma, o artigo 6º da Lei Federal 9.605/98 – que trata dos crimes e infrações administrativas ambientais, deixa claro, sem distinguir essas duas esferas, que:

“Para imposição e gradação da penalidade, a autoridade competente observará:
I – a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas consequências para a saúde pública e para o meio ambiente;
II – os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental;
III – a situação econômica do infrator, no caso de multa.”

Vale dizer: responsabilidades administrativa e criminal envolvem conduta infracional – responsabilidade subjetiva.

O próprio art. 70 da Lei 9.605/1998 – Lei de Crimes Ambientais, reza que “considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.” Vale dizer, há de ocorrer ação voluntária do agente transgressor.

A responsabilidade administrativa do Banco

Ao multar o Banco, o Ibama aparentemente parece ter usado o vínculo de causalidade como elemento base.

O conceito de poluidor indireto, estabelecido na Lei, vincula o responsável contratual pela viabilização do empreendimento. O nexo causal é a concessão do crédito financeiro – necessário para viabilizar economicamente o empreendimento e, portanto, implicar a responsabilização.

Nesse caso, a autuação administrativa lavrada contra o Santander estaria equivocada, pois não haveria propriamente uma “infração” e, sim, um liame de causalidade que poderia levar, no máximo, à busca pela reparação civil do dano ambiental.

Porém, conforme noticiado pelos organismos públicos envolvidos na fiscalização que gerou a multa, houve preocupação do Ibama em traçar conduta infratora do agente financiador, permitindo aferir uma conduta subjetiva passível de sanção administrativa.

Nesse caso, o nexo causal pode se dar subjetivamente por extensão do conceito de ilicitude, vinculado por lei à performance econômica do agente, e essa extensão econtra-se disposta no próprio Código Civil, que reza:

“ Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”

Se levarmos em conta a implicação dessa figura jurídica sob a égide funcional da Constituição Federal, fica claro que o titular da relação de financiamento deve observar o princípio disposto no seu art. 170, a saber:

“Art. 170. (…) VI – a defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.”

Sendo o Estado regulador da atividade econômica, suas diretrizes indicativas e de compatibilização funcional da economia com os interesses e programas de desenvolvimento e equilíbrio ambiental (art. 174 da CF), deverão estar presentes e constituir o “bona fide” de qualquer contrato de financiamento, em especial de obras estruturantes.

Por outro lado, o interesse difuso em causa – o equilíbrio ambiental, deve ser considerado em qualquer contrato que viabilize economicamente empreendimento potencialmente causador de impacto ambiental. Todo financiamento de projeto com potencial impacto ambiental, portanto, tem interesse público e é relevante.

Não por outro motivo, o Banco Central publicou a Resolução BACEN 4.327/2014, que estabelece as diretrizes para a implantação de uma política de responsabilidade sócioambiental (PRSA) nas instituições financeiras.

A norma aponta como princípios a serem observados na PRSA, o da relevância e o da proporcionalidade. O primeiro referente ao grau de exposição a risco inserido nas atividades e operações e o segundo, à compatibilidade da política à natureza e complexidade das atividades, serviços e produtos das instituições.

A norma também institui como diretrizes a serem observadas, a de manutenção de uma estrutura de governança (incluindo a montagem de um comitê de responsabilidade socioambiental) e de uma unidade de gerenciamento do risco socioambiental – destinado à avaliação contínua das operações, produtos e serviços, conforme o tamanho e natureza de serviços de cada instituição.

A implementação da política de governança e gerenciamento de risco induz à responsabilização do operador financeiro e pretende formar um cenário de regulação que a consolide.

A regulamentação baixada pelo BACEN “chove no molhado”, no que tange a reconhecer uma responsabilidade ambiental já delineada na legislação ordinária e analisada pela doutrina. No entanto, reforça a hipótese de transgressão disciplinar ou criminalização da conduta pelo fato da inobservância dos aspectos ambientais no ato de contratar o financiamento e permitir o aporte a ser destinado à atividade financiada.

É o que diz a Lei Federal 9.605/9, que estabeleceu tipo penal aplicável à conduta omissiva-comissiva:

“Art. 68. Deixar, aquele que tiver o dever legal ou contratual de fazê-lo, de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental:
Pena – detenção, de um a três anos, e multa.
Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de três meses a um ano, sem prejuízo da multa.”

Conclusão

Assim, a operação levada a cabo pelos organismos de controle ambiental e fiscalização da lei buscou abranger todo um ciclo econômico a partir do cultivo de produto agrícola em área embargada e legalmente protegida. Isso permitiu análise integrada de condutas diversas em uma mesma cadeia produtiva e resultou na autuação dos agentes envolvidos na produção, distribuição e comercialização do produto, incluso o órganismo de financiamento. Em tese, a ação possui procedibilidade técnica e juridica.

Em tese, é possível sim aferir conduta passível de repressão administrativa pelo fato do financiamento. A responsabilidade do banco não se esgota no liame de causalidade advindo da relação contratual. Pode sim,o agente, incorrer em infração à norma de cautela que permitiria aferir o risco do financiamento – conduta passível de sanção administrativa.

Do ponto de vista da tutela integrada dos conflitos ambientais, andou bem o governo federal ao adotar nova técnica de investigação e implementação de sanções aos elementos envolvidos na cadeia produtiva relacionada à exploração econômica de área já embargada e classificada como de relevante interesse ambiental.

Nesse caso, a atitude deverá estimular o mercado a adotar mecanismos de salvaguarda, compliance a análise de risco regularmente consolidados e perfeitamente aplicáveis, às suas atividades e transações.

 

fontes:

http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,ibama-multa-o-santander-em-r-47-5-milhoes,10000083694

http://www.theeagleview.com.br/2015/08/nas-infracoes-ambientais.html?q=responsabilidade

http://www.theeagleview.com.br/2015/05/bancos-e-meio-ambiente-o-risco-da.html?q=bancos

 

Artigo publicado originalmente em The Eagle View

 

afpp2Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e das Comissões de Política Criminal, Infraestrutura e Sustentabilidade da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/SP. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.

 

 

 

 

 


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