GOVERNO PAULISTA INCENTIVA BOTA-FORAS CLANDESTINOS
LACUNA NA NORMA PÕE EM RISCO A GESTÃO DOS RESÍDUOS DA CONSTRUÇÃO CIVIL EM SÃO PAULO
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
A Política Nacional de Resíduos Sólidos veio em boa hora para transformar a gestão ambiental de nossa Construção Civil, setor no qual o desperdício de material e o descuido com o destino dos resíduos, salvo as exceções de praxe, constitui uma constante histórica.
Várias são as construtoras atualmente empenhadas em conferir sustentabilidade ambiental à suas atividades, havendo no SINDUSCON – Sindicato da Construção Civil, em especial no Rio e em São Paulo, empenho programático para otimização do gerenciamento dos resíduos do segmento.
Na outra ponta, o setor de destinação e disposição dos resíduos e rejeitos da Construção Civil tem se organizado visando conferir razão econômica à uma atividade que, até poucos anos atrás, era dominada por “terralheiros” e “bota-foras” ocasionais e clandestinos.
O Poder Público, antes da entrada em vigor da Lei Federal, já estava cuidando de estabelecer marcos normativos para a atividade, conquistando um melhor monitoramento do fluxo de geração e destinação dos resíduos da construção civil – entulhos, solos e materiais agregados. Inclusive reclassificando tecnicamente os materiais e definindo competências. Agora, com o marco legal, todo o SISNAMA poderá incrementar esse processo de controle.
A resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente – Conama 448/2012, estabelece diretrizes, critérios e procedimentos para a gestão dos resíduos provenientes da Construção Civil. A Resolução mantém a classificação de resíduo da construção “classe A” para o material oriundo da escavação de terrenos, incluindo solos de atividades de terraplenagem. O artigo 4º, parágrafo 1º, desta Resolução, inclusive, aponta para a vedação expressa de disposição de resíduos da construção civil em aterros domiciliares, em áreas de bota fora, em encostas, corpos d´água, lotes vagos e em áreas protegidas por lei.
No entanto, o caso paulista deve merecer reparos, e é sobre isso que iremos doravante nos ater, destacando esse exemplo como algo a ser evitado no resto da federação.
O governo do estado de São Paulo, ao atender a Resolução CONAMA 307/2002 (alterado pela Norma 448/2012), havia editado a Resolução SMA 41/2002, que estabelecia diretrizes para o licenciamento de aterros de inertes e da construção civil, impondo ao interessado a adoção de mecanismos de controle ambiental da área, identificação do gerador, volumetria e qualificação analítica do material de ingresso no local de destino final (aterro).
No entanto, pretendendo “melhorar” o arcabouço legal de controle da poluição, o governo paulista revogou Resolução SMA 41/2002, e regrediu o nível de fiscalização ambiental, passando a dispor o assunto de forma equivocada, por meio de novo marco legal genérico e falho.
Com isso, o governo do estado instaurou um regime de disposição de solos que permite o escoamento irregular de terra contaminada e demais materiais controlados por seu território.
Com efeito, a Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, ao editar a Resolução SMA 56/2010, dispensou do licenciamento ambiental “a recepção exclusivamente de solo com a finalidade de regularização de terreno, para ocupação por edificação ou outro uso” e, contraditoriamente, não especificou qualquer mecanismo adicional para garantir que o solo mencionado, efetivamente, fosse o proveniente de jazida.
Conforme caracterizado pelo próprio Código Nacional de Mineração, a utilização de solo estranho à própria jazida, vinculada às atividades de nivelamento, escavação ou terraplanagem, por si só descaracterizaria o benefício da lei, sendo mais grave a transgressão se a atividade envolver remuneração pela terra utilizada ou o lançamento em locais exteriores a obra.
O vácuo normativo, permitiu que atividades clandestinas desviassem solos contaminados ou mesmo outros materiais para “áreas de nivelamento”, sem qualquer embasamento técnico ou avaliação de risco.
A situação contraria o disposto na Resolução CONAMA 307/2002 que estabelece diretrizes, critérios e procedimentos para a gestão dos resíduos da construção civil (recentemente alterada pela Resolução CONAMA 448/2012), e permite toda sorte de crimes ambientais.
Sob o pretexto de nivelar topograficamente logradouros particulares que necessitam de alteamento de cota original do terreno, autoridades municipais da região metropolitana concedem autorizações para recepção de material terroso, sem qualquer controle da origem do material, sua qualidade ambiental e ensaios técnicos que atendam o disposto na norma ABNT (que trata de aterros e terraplenagem – norma NBR 15113 – e sua qualificação ambiental – NBR 10004).
Sedimentos de dragagem de corpos d´água e solo turfoso, que seguem a norma federal (resolução Conama 344/2004 e resolução SMA 39/2004), para disposição final, são ignoradas e o solo e sedimentos seguem para localidades que não cumprem o rito administrativo Federal e Estadual.
Ditos resíduos (solo, e outros materiais resultantes da escavação e dragagem), são lançados rotineiramente, por exemplo, em áreas localizadas nas fronteiras do munícipio de São Paulo, cujo espaço cúbico disponível serve aos préstimos das empresas de terraplenagem e construtoras que praticam ato de comércio sobre o material escavado.
A subversão ocorre debaixo dos narizes de geradores, transportadores e prefeituras, que não atendem ao disposto na norma federal (resolução Conama 448/2012).
Pelo fato do vácuo “construído” na Resolução 56, autoridades ambientais acabam permitindo, por omissão fiscalizatória, que ocorra o ingresso de qualquer tipo de solo sem identificação de origem, qualidade ambiental e técnica operacional, em áreas que deveriam ser protegidas, ocasionando completa alteração da qualidade paisagística e ambiental.
Não só o aspecto administrativo da falta de controle está em jogo. O próprio espírito da legislação de politica urbana e o desenvolvimento da função social da cidade ficam afetados, especialmente porque o resíduo da construção civil, disposto em locais inadequados, contribui para degradação da qualidade ambiental.
Basta uma visita em qualquer obra de escavação privada para observar visualmente o excesso de peso imposto ao veículo que transporta o resíduo, declaradamente impresso, muitas vezes, no manifesto de carga contratado pelas construtoras.
O artigo 257, parágrafo 6º, do Código Nacional de Trânsito, estabelece a responsabilidade solidária do transportador e embarcador (gerador) por infração à legislação de trânsito e transporte. No caso em tela, há infração pelo excesso de peso bruto total no veículo, se o peso declarado for superior ao limite legal- a resolução 258/2007 do CONTRAN, em seu artigo 12, estabeleceu regras nesse sentido, para excesso de peso entre eixos.
A situação acima descrita, com todos os desdobramentos sinérgicos que resvalam até para as normas de trânsito, acarreta enorme deseconomia, representada pelas perdas no fluxo dos resíduos sólidos da construção civil, perdas essas direcionadas a bota-foras clandestinos e atividades de nivelamento topográfico irregulares.
O vazadouro clandestino de materiais provenientes da construção civil incluem resíduos contaminantes, que deixam de ser tratados e dispostos adequadamente e se tornam fator de degradação ambiental de novas áreas nos centros urbanos.
Outro aspecto da questão, diz respeito ao fato do licenciamento ambiental dos aterros e áreas de beneficiamento de resíduos, não se encontrar harmonizado com as autorizações municipais pertinentes às obras e reformas da construção civil geradoras dos resíduos, bem como escavação de solo e terraplanagem.
A fiscalização ambiental das obras acima mencionadas, bem como das obras públicas e de significativo impacto ambiental, carece de regramento e documentação que garantam o correto rastreamento da origem e destino do fluxo dos materiais resíduos e rejeitos da construção civil.
Não se tenha dúvidas – tamanha proporção de irregularidades, “permitidas” pela lacuna aberta proativamente pelo governo paulista, não passou despercebida por facções criminosas e autoridades corruptas.
Hoje, o negócio da disposição irregular de resíduos da construção civil se espalha pela região metropolitana de São Paulo, atingindo cavas, áreas de preservação permanente, fundos de vale, beiras de estradas e vias urbanas e encostas, carreando resíduos até de obras públicas, sob a guarda de “soldados” do crime organizado e corruptos de toda ordem…
O caso não é apenas um caso de polícia. Envolve mesmo a defesa da livre iniciativa e livre concorrência, pois o dumping ambiental proporcionado omissivamente pelo governo paulista interfere na economia da destinação regular de resíduos e destrói qualquer iniciativa digna de gestão ambiental no setor da construção civil.
Se o governo do estado de São Paulo tiver algum interesse em conferir seriedade á gestão de resíduos da construção civil, terá que adotar medidas para além da distribuição de releases, assinatura de convênios e adoção de programas de computador para controle de transporte de resíduos…
É preciso que a autoridade governamental de São Paulo:
A) Determine a criação de mecanismo normativo de rastreamento de origem e destino do fluxo de materiais resíduos e rejeitos da construção civil, que vinculem a destinação destes a aterros e estações de beneficiamento devidamente licenciados pela autoridade ambiental competente, e que condicionem a conclusão das obras civis à comprovação da destinação e disposição final ambientalmente adequada dos resíduos e rejeitos delas provenientes, no cumprimento exato dos termos da Política Nacional de Resíduos Sólidos, instituída pela Lei Federal 12.305/2010;
B) Implemente combate dedicado aos bota-foras e outras áreas clandestinas de destinação de resíduos e disposição de rejeitos da construção civil, integrando o corpo técnico de fiscalização do Sistema Estadual de Administração da Qualidade Ambiental, Proteção, Controle e Desenvolvimento do Meio Ambiente e Uso Adequado dos Recursos Naturais – SEAQUA, com o Sistema Estadual de Segurança Pública, de forma a coibir a atividade criminosa representada pela destinação irregular dos resíduos e rejeitos da construção civil, contribuindo para a sensível redução da deseconomia representada por este fenômeno criminológico.
É preciso, portanto, que o governo paulista, urgentemente, corrija estas distorções administrativas, para que de fato se possa falar em uma gestão ambiental de resíduos sólidos que saia efetivamente do discurso fácil e ingresse na dura realidade da implementação da lei ambiental.
Artigo publicado em: The Eagle View e Portal Ambiente Legal
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), sócio-diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados, é consultor ambiental. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. Jornalista, é Editor- Chefe do Portal Ambiente Legal, responsável pelo blog The Eagle View e Editor do Mural DAZIBAO.
.