Exercício de competência normativa do CONAMA: Conflitos e Ilegalidades
Por Karina Pinto Costa
Tema extremamente relevante, que deve ser mais discutido e questionado na prática pelos operadores do direito, refere-se ao exercício de competência do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), órgão integrante do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), para regulamentação direta de Lei.
Ab initio, para tratar dos conflitos advindos da atuação normativa do CONAMA, importa ressaltar que as normas infraconstitucionais que versam sobre questões ambientais, cada uma com sua finalidade, competência e processo legislativo, devem estar em conformidade com os dispositivos constitucionais.
Já as normas infralegais (Resoluções, Portarias, etc), dada sua natureza, não podem criar direitos ou obrigações, por força do disposto no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, que é taxativo ao dispor que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (grifamos)’.
Para entender o assunto, cumpre mencionar a origem legal do CONAMA, órgão criado pela Lei Federal n° 6.938/81, que instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA). De acordo com art. 6º, II, da referida lei, o CONAMA, considerado órgão consultivo e deliberativo, possui a finalidade de assessorar, estudar e propor ao Conselho de Governo, diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e os recursos naturais e de deliberar, no âmbito de sua competência, sobre normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida1.
Ademais, pela leitura do art. 8º, I, VI e VII da Lei Federal 6.938/81, com as alterações trazidas pela Lei Federal n° 8.028/90, não resta dúvida que a competência normativa outorgada ao CONAMA foi para o estabelecimento de normas, critérios e padrões em atividades estritamente técnicas, tanto que o art. 14, II, e § único do Decreto Federal n° 99.274/90, norma que regulamentou a Lei da PNMA, deixou claro que as palavras ‘normas’ e ‘critérios’ referidas na legislação, “consubstanciam parâmetros de emissão, ejeção e emanação de agentes poluidores”.
Entendemos que a atribuição conferida ao CONAMA refere-se apenas à competência para fixar normas técnicas para controle e manutenção da qualidade do meio ambiente. Isto quer dizer que, quando necessário, o órgão, obedecendo estritamente o que já está estabelecido em Leis e Decretos, poderá, por seus atos, melhor explicitar o que a legislação já determina.
Não diz respeito, portanto, à competência normativa/legislativa destinada a inovar Lei de forma direta, dispondo sobre novos direitos e obrigações, o que configura abuso de poder regulamentar. Em regra, a Constituição Federal de 1988 manteve a atribuição exclusiva do Presidente da República para regulamentar Lei Federal (art. 84, IV, CF/88).
Com entendimento divergente, corrente doutrinária seguida pela maioria dos representantes do Parquet e por alguns magistrados sustenta que a Lei Federal nº 8.028/902, de vigência posterior à Carta Magna de 1988, delegou competência legislativa ao CONAMA para propor normas e padrões ambientais, possibilitando a este órgão colegiado regulamentar Lei e criar novos direitos, no sentido lato, visando tutelar o meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Ocorre que o artigo 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) vedou completamente a possibilidade de delegação a órgão do Poder Executivo no que se refere à ação normativa, atividade freqüente antes do advento da atual Constituição.
A título de exemplo de normas infralegais baixadas pelo CONAMA, que provocam conflitos na prática, por inovarem disposições de lei federal (art. 2°, “b”, do Código Florestal, por exemplo), tem-se a Resolução do CONAMA de n° 302/02 e a de n° 303/02, que instituem direitos e deveres, e limitam o uso da propriedade, impondo restrições diversas daquelas constantes em norma superior.
A Resolução CONAMA nº 302/2002, ao criar a expressão “área urbana consolidada” e delimitar metragem da área de preservação permanente (APP) no entorno dos reservatórios artificiais, invadiu competência do Poder Executivo Municipal, ente responsável em dispor sobre ordenamento territorial e sobre definição das zonas urbanas, de expansão urbana, nos termos do art. 30, VIII, da CF/88.
A delimitação de faixa de APP trata-se de clara restrição ou limitação à propriedade, restrição possível somente por força de Lei, consoante disposição dos arts. 5º, II, 37 e 84, IV, da CF/88, posto que impõe ao cidadão obrigação de fazer ou de não fazer algo. Para preservar o Estado Democrático de Direito é que apenas mediante Lei, que passa por amplo processo legislativo, permite-se a criação de direitos e imposição de obrigações.
Assim é que o §1º, do art. 1.228, do Código Civil, deixou expresso que as limitações econômicas e sociais a serem contrapostas ao direito de propriedade devem ser impostas a todos por meio de lei especial.
Não se pode admitir o CONAMA, órgão colegiado do Poder Executivo, sem representação popular, que possui apenas a função de orientar as políticas públicas a serem adotadas pelo SISNAMA, a “legislar” e, inclusive, revogar ou alterar dispositivos de Lei Federal, que obedeceu a todo o trâmite legislativo e, portanto, pode ser imposta a todos, porque aprovada regularmente, pelos representantes eleitos pela sociedade brasileira para, justamente, legislar em seu nome.
Destarte, o CONAMA arvorou-se na condição de órgão legislativo, ao pretender alterar dispositivo de Lei Federal por meio de Resolução, como se tivesse representatividade da população brasileira para a prática de tal ato, ou mesmo competência constitucional para “legislar”, ultrapassando, assim, as competências legais a ele atribuídas pela Lei Federal 6.938/81.
1) Com a redação dada pela Lei Federal n° 8.028/90.
2) Referida norma dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios.
Karina Pinto Costa é advogada associada ao Escritório Pinheiro Pedro Advogados. Atua na Área de Contencioso Ambiental. E-mail: karina@pinheiropedro.com.br