Eleições de outubro serão decisivas para os rumos da “lava jato”
Por Carlos Cardoso de Oliveira Júnior *
As investigações e processos criminais decorrentes da operação “lava jato” desnudaram para a sociedade brasileira o quadro de corrupção sistêmica que envolve o universo político brasileiro, revelando as associações ilícitas estabelecidas há muito tempo entre os partidos políticos, governantes e gestores públicos das três esferas de governo e parcela gigantesca do mundo empresarial que trabalha na venda de bens e serviços ao estado brasileiro, processo do qual também participaram empresas multinacionais.
A propósito, descobrimos que o Brasil fez da corrupção um produto de exportação, fato que gerou investigações em vários países da América Latina e da Europa, sendo responsável, entre outras consequências, pela prisão de dois ex-presidentes deste canto do mundo.
A extensão, profundidade e magnitude dos prejuízos causados aos cofres públicos tiveram o efeito de provocar uma das maiores crises políticas da nossa história, que acabou acarretando o impeachment de uma presidente da república.
Não por acaso, recentes pesquisas eleitorais apontaram a corrupção como o principal problema brasileiro, à frente inclusive da saúde e segurança públicas. Tudo isso em meio à maior crise econômica desde os anos vinte do século passado, responsável por uma dramática crise social, que se revela em toda a sua crueza pela existência de mais de 13 milhões de desempregados.
Nesse contexto, não há como negar o fato de que a “lava jato” ocasionou um verdadeiro tsunami político em nosso país, cujas consequências estão longe de terminar, mas que foram suficientes para despertar a cleptocracia brasileira para os riscos que rondam a continuidade do seu controle sobre o estado e orçamentos brasileiros.
Esse sistema político-partidário, que envolve, em maior ou menor grau, à esquerda, ao centro e à direita, todos os principais partidos políticos brasileiros, joga a sua sobrevivência em quatro palcos de batalha: opinião pública, Congresso Nacional, Supremo Tribunal Federal e nas eleições de outubro deste ano.
Todos esses cenários estão indissociavelmente associados, cada um deles adquirindo maior ou menor protagonismo, dependendo das circunstâncias concretas em que eles se encontrem circunscritos.
Em primeiro lugar, impõe-se o reconhecimento de que a “lava jato”, a despeito de alguns equívocos, alcançou inédita repercussão favorável junto à opinião pública, projetando-se como o mais importante trabalho de investigação envolvendo casos de corrupção estatal da nossa história, assinalando-se que os resultados alcançados só foram possíveis em razão do trabalho independente, arrojado e articulado, cada um dentro das suas competências específicas, da Polícia Federal, do Ministério Público Federal, da Receita Federal, da Justiça Federal e de outros setores do Poder Público Brasileiro.
O apoio popular à “lava jato” é o seu maior pilar de sustentação, e isso tem representado um fator de contenção às iniciativas legislativas do poder executivo e dos parlamentares federais voltadas a neutralizar efeitos e a criar dificuldades jurídicas ao seu pioneiro trabalho de investigação. O último decreto presidencial, em parte e temporariamente suspenso pelo ministro Luís Roberto Barroso, consubstanciou uma iniciativa flagrantemente favorável aos até então condenados nos casos do mensalão e da “lava jato”. Com objetivos igualmente inaceitáveis, inúmeras propostas legislativas tramitam no Congresso Nacional com o inconfessável propósito de desmontar o tímido arcabouço jurídico-institucional que ampara a luta contra a corrupção no Brasil.
Com certeza, esses arautos tupiniquins da impunidade encontraram inspiração na reação bem-sucedida que a cleptocracia italiana desfechou contra a histórica operação mãos limpas, que, enquanto contou com condições favoráveis para o seu desenrolar, desestruturou todo o sistema político-partidário que governava a Itália desde o fim da segunda guerra mundial, que, à semelhança do nosso, pautava-se pela prática generalizada da pilhagem do dinheiro público daquela nação.
Não podemos esquecer que a posterior derrota da operação mãos limpas assegurou o retorno da corrupção sistêmica naquele país, conforme a opinião praticamente unânime dos estudiosos desse episódio histórico.E, segundo alguns, numa escala ainda maior, posto que desmontaram toda a legislação e o sistema de justiça criminal que serviu de base àquela operação.
Voltando à realidade brasileira, ganha indiscutível relevância o papel desempenhado e a desempenhar pelo Supremo Tribunal Federal, uma vez que ali são decididas, em última instância, todos os questionamentos penais e constitucionais envolvendo as iniciativas e resultados da Lava Jato.
Decorridos mais de quatro anos, não subsistem quaisquer dúvidas de que os principais alicerces jurídicos do sucesso da “lava jato” consubstanciam-se, fundamentalmente, no instituto da delação premiada e na admissibilidade da execução provisória da sentença penal condenatória a partir da segunda instância, peças universalmente consagradas nos países democráticos como essenciais para combater as organizações criminosas, especialmente aquelas dedicadas à corrupção e à lavagem de dinheiro, que, de há muito, diga-se de passagem, ganharam dimensão transnacional.
Não por acaso, parlamentares de todas as principais bancadas partidárias com assento no Congresso Nacional articulam importantes mudanças em toda a nossa legislação que disciplina o controle, a fiscalização e a repressão aos atos de improbidade administrativa e aos crimes contra a administração pública em geral.
Acrescente-se a isso a insólita e pífia “Reforma Política” aprovada no Congresso Nacional, feita sob medida para dificultar e ou impedir a renovação dos nossos quadros parlamentares, no bojo da qual foram criados fundos públicos bilionários para o financiamento dessa classe política.
Não nos iludamos, a cleptocracia brasileira não almeja tão somente a continuidade dos saques desferidos contra os recursos públicos. Além disso, acalenta como prioridade o objetivo de restabelecer a impunidade que historicamente sempre a beneficiou. Para tanto, não poupará esforços para impedir a multiplicação pelo país afora da atuação exemplar que a “lava jato” vem implementando. Este tema está presente em todas as negociações políticas que se desenvolvem entre as forças partidárias tradicionais com vistas às eleições deste ano.
Pois bem, a população brasileira minimamente informada acompanha, em virtude da grande cobertura midiática, como uma grande novela,os sucessivos capítulos nos quais essas e outras questões são objeto das batalhas jurídicas que se desenrolam no âmbito da nossa Suprema Corte, a ponto de se reconhecer, com notável ineditismo, que os brasileiros sabem o nome de todos os ministros do STF, o mesmo não ocorrendo com os jogadores da nossa outrora vitoriosa seleção canarinho.
Mas também o STF não oferece nenhuma segurança de que aquelas duas questões centrais não possam sofrer alterações a partir da mudança da jurisprudência hoje prevalecente a respeito. Pelo contrário, um expressivo número de seus ministros têm proferido decisões que contrariam frontalmente o sentimento de justiça da esmagadora maioria da nossa sociedade, o que explica o crescente descrédito dessa instituição, fartamente documentada por pesquisas de opinião pública.
Destaque-se, a respeito, que caberá ao próximo mandatário(a) do Brasil a indicação, com a posterior aprovação pelo Senado, de pelo menos dois ministros do STF, circunstância que poderá alterar substancialmente a correlação de forças ali hoje precariamente existente, favorecendo ou dificultando a moralização dos nossos costumes políticos e administrativos na esfera pública.
E agora chegamos ao cenário das eleições gerais de outubro deste ano, quando serão eleitos os novos ocupantes da Presidência da República, da Câmara dos Deputados e de dois terços do Senado Federal. Esse será, indiscutivelmente, o evento decisivo para a definição dos rumos da “lava jato” e da luta contra a corrupção no Brasil. Será a Batalha de Stalingrado da nação brasileira contra a cleptocracia que há décadas a mantém refém dos seus propósitos oligárquicos, consistentes em ocupar o poder, ainda que em rodízio, e a partir disso saquear impiedosamente os cofres públicos. Assim como o indômito povo russo, que, ao derrotar as tropas nazistas em Stalingrado, virou o jogo da segunda guerra no teatro de operações da Europa oriental, se conseguirmos derrotar ou enfraquecer de maneira significativa as oligarquias partidárias em todas as regiões do país, estaremos virando o jogo a favor da construção de uma verdadeira República e de uma autêntica Democracia.
*Carlos Cardoso de Oliveira Júnior é procurador de Justiça aposentado do Ministério Público de São Paulo, e membro do Movimento do Ministério Público Democrático.
Fonte: Conjur