É o fim das restingas? Nada disso.
7 perguntas e respostas para entender o que aconteceu na 135ª Reunião do CONAMA
Por Marcos Saes*
No dia 28/09/2020, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) revogou três de suas Resoluções (284, 302 e 303). Esse fato foi divulgado país afora como sinal de grande retrocesso ambiental. As acusações são as mais variadas: o CONAMA teria legalizado a derrubada de restingas e permitido até mesmo a queima de lixo tóxico. Não faltaram até insinuações e ameaças contra os servidores membros do CONAMA, que devem ser repudiadas como antidemocráticas que são.
As perguntas e respostas a seguir servem para explicar de maneira objetiva, técnica e desapaixonada o que realmente aconteceu, sem sensacionalismos.
O que é o CONAMA?
O CONAMA é um órgão federal que tem funções consultivas e deliberativas dentro do Sistema Nacional do Meio Ambiente. Ele pode, dentro de sua competência, deliberar sobre normas e padrões ambientais para resguardar o meio ambiente ecologicamente equilibrado. Para isso servem suas Resoluções.
Também é importante entender o que o CONAMA não é, pois o órgão não tem poder legislativo. Isso quer dizer que a atuação do CONAMA está limitada a fixar parâmetros, definições e limites para a aplicação das leis ambientais, mas não pode criar leis novas, nem emitir Resoluções que ultrapassem os limites das leis.
O CONAMA pode revogar as próprias Resoluções?
Sim. As Resoluções do CONAMA são o resultado do seu processo deliberativo. É por meio delas que o órgão exerce sua função de fixar parâmetros, definições e limites para a aplicação da lei ambiental.
Assim como pode livremente criar tais Resoluções, o CONAMA pode também revogá-las quando entende que estão desatualizadas, perderam sentido ou quando se tornam incompatíveis com lei superveniente – atualização é o que se espera de um órgão técnico, afinal de contas. Esse tipo de revogação é corriqueira: desde 2012, o CONAMA revogou mais de vinte de suas Resoluções.
O Brasil foi pego de surpresa pelas revogações?
Não. O próprio CONAMA já vinha sinalizando sua intenção de revogar essas Resoluções desde 2016, por manifestações de Grupo Assessor designado especificamente para verificar a compatibilidade das Resoluções com o novo Código Florestal – algumas porque se tornaram inúteis, pois tiveram seu teor absorvido pela nova lei, outras porque tornaram-se incompatíveis com as disposições do Código.
Além disso, tais Resoluções já vinham sendo criticadas há muito tempo por diversos estudiosos do Direito Ambiental por ultrapassarem o poder deliberativo do CONAMA, criando normas que só poderiam ser estabelecidas por lei – como a criação de Áreas de Preservação Permanente (APPs) que não estavam previstas no Código Florestal, por exemplo.
O CONAMA acabou com a proteção às restingas e manguezais?
Não. Quando se fala em “APP de restinga” é preciso tomar muito cuidado, porque o termo se refere a duas coisas bem diferentes. A primeira delas é a restinga propriamente dita. Essa vegetação continua sendo protegida, como sempre foi, pelo Código Florestal. A lei determina que são APPs as áreas de restinga que exercem função ambiental de fixar duna ou estabilizar mangue. Igualmente em relação aos manguezais, que também recebem proteção como APP.
O que deixa de existir com a revogação da Resolução 303 é a faixa de APP de 300 metros (contados da linha preamar média) além da própria restinga. Essa regra, além de ter baixa aplicabilidade na prática dos órgãos ambientais, já vinha sendo apontada como inconstitucional por boa parte da doutrina e parcela da jurisprudência. Também vale lembrar que se está a tratar de Mata Atlântica, área que possui lei protetiva específica.
O CONAMA acabou com as APPs em torno de reservatórios artificiais?
Não. O Código Florestal de 2012 trouxe regras específicas para as APPs em torno de reservatórios artificiais, tornando inócua a regulamentação trazida pela Resolução 302 do CONAMA. Agora a faixa de APP passa a ser definida caso a caso, pelo próprio órgão ambiental. Todas essas normas, vale destacar, já foram analisadas e tiveram sua constitucionalidade reconhecida pelo STF.
O CONAMA legalizou a queima de lixo tóxico?
Não. Aliás, poluir é crime previsto na Lei de Crimes Ambientais. O que aconteceu na reunião do CONAMA foi a aprovação de nova resolução que regulamenta o processo de licenciamento ambiental do coprocessamento de resíduos em fornos de clínquer – o que significa, em bom português, a destinação de resíduos sólidos para a produção de cimento. Quando respeitados os parâmetros técnicos, é forma mais ambientalmente correta de produzir o material, ainda dando destinação adequada aos resíduos sólidos.
O CONAMA permitiu a irrigação sem respeitar critérios de eficiência no uso da água?
Não. A revogação da Resolução 284 não altera em nada o regulamento da irrigação, pois a norma apenas consolidava regras que já existem em outros instrumentos. Foi uma simplificação da estrutura normativa, sem perda de qualidade na proteção ambiental.
As sete questões acima apontadas abordam os principais pontos que repercutiram negativamente na mídia após a revogação das Resoluções 284, 302 e 303. O CONAMA tomou uma decisão jurídico-ambiental, devidamente embasada em critérios técnicos – nada além disso.
*Marcos Bruxel Saes – Advogado. Presidente da Comissão de Direito Ambiental do Ibradim. Presidente da Comissão de Desenvolvimento e Infraestrutura da OAB/SC. Conselheiro do Conselho Superior de Meio Ambiente da FIESP e do Consema/SC. Diretor de Meio Ambiente da AELO.
Fonte: Saes Advogados
Publicação DAzibao, 14/10/2020
Edição: Ana A. Alencar