Direito ao desenvolvimento existe, desde que sustentável ambientalmente
Por Gabriel Wedy*
A preocupação com o desenvolvimento sustentável vem de longe. A deterioração ambiental foi o principal foco do chamado Clube de Roma, na década de 1970. O grupo, liderado por Dennis Meadows, elaborou um documento de impacto na comunidade internacional chamado Os Limites do Crescimento. Em síntese, a conclusão do documento é que a taxa de crescimento demográfico, os padrões de consumo e a atividade industrial eram incompatíveis com os recursos naturais. A solução para esse impasse seria a estabilização econômica, populacional e ecológica. O texto gerou grande polêmica e foi atacado pelos setores defensores do desenvolvimento econômico tradicional. Todavia, foi defendido por ambientalistas no sentido da busca de um desenvolvimento sustentável e compatível com a proteção do meio ambiente[1].
Os sociólogos Dunlap e Liere, por sua vez, realizaram importante estudo em que fizeram constar uma visão global emergente, à qual eles chamaram de novo paradigma ambiental (New Environmental Paradigm – NEP). Os elementos mais importantes desse novo paradigma ambiental foram o reconhecimento dos limites do crescimento, a preservação do equilíbrio da natureza e a rejeição da noção antropocêntrica de que a natureza existe apenas para o uso humano[2]. A esses elementos, acrescentaram em posterior estudo mais dois: a rejeição do excepcionalismo (no sentido de que os homens não são sujeitos a restrições naturais) e o potencial para mudanças ambientais catastróficas ou ecocrises[3].
O conceito de direito ao desenvolvimento sustentável restou moldado conjuntamente, entretanto, pela Declaração de Estocolmo (1972), pela Estratégia Mundial de Conservação (1980), pela Carta Mundial da Natureza (1982) e, finalmente, pelo Relatório Brundtland[4] (1987), em torno do conceito de sustentabilidade[5].
A Comissão Brundtland divulgou relatório denominado Nosso Futuro Comum[6] e conceituou a base do desenvolvimento sustentável como sendo “[…] a capacidade de satisfazer as necessidades do presente, sem comprometer os estoques ambientais para as futuras gerações”[7]. Daí se extraem dois elementos éticos que são essenciais para a ideia de desenvolvimento sustentável: preocupação para com as necessidades das gerações atuais (justiça ou equidade intrageracional) e preocupação para com as necessidades das gerações futuras (justiça ou equidade intergeracional)[8].
Bosselmann defende um terceiro elemento ético a ser agregado aos dois primeiros, que seria a preocupação com o mundo natural não humano, isto é, justiça ou igualdade entre as espécies[9]. Observa-se, aí, uma perspectiva para além do antropocentrismo e semelhante ao ecocentrismo[10]. Tal visão aproxima a justiça ecológica do mundo não humano. A Nova Zelândia, por exemplo, apresenta uma das legislações ambientais mais avançadas do mundo em matéria de desenvolvimento sustentável, com uma abordagem ecocêntrica, fornecendo definições holísticas de meio ambiente[11].
Novos códigos ambientais gerais informados e vinculados ao desenvolvimento sustentável podem ser observados na Holanda, na Escandinávia, na Alemanha e na Austrália. Novas molduras para a sustentabilidade foram criadas por países europeus na forma de Planos Verdes (Holanda, Suécia e França) e como Estratégias Nacionais (Reino Unido, Alemanha, entre outros). Estratégias similares foram adotadas no Canadá, nos Estados Unidos e na Austrália[12].
No Brasil, existem referências ao desenvolvimento no Preâmbulo e nos artigos 3º, 170 e 225 da Constituição Federal de 1988[13]. Direito ao desenvolvimento, em sentido estrito, segundo parte da doutrina, com a qual se discorda pela ausência do elemento sustentabilidade, seria um direito fundamental que integraria o ordenamento jurídico brasileiro. Encontraria lastro no parágrafo 2º do artigo 5º da Constituição brasileira, segundo o qual os direitos e as garantias ali expressos não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais de que a República Federativa do Brasil faça parte[14]. Entretanto, o melhor entendimento é que o desenvolvimento é apenas um princípio constitucional e um direito fundamental se nele estiver entranhado o pilar da sustentabilidade ambiental. Desenvolvimento com base numa matriz energética baseada nos combustíveis fósseis, no desmatamento, na ganância de empreendimentos patrocinados por agentes econômicos poluidores/predadores, com uma visão utilitária do meio ambiente, não pode ser considerado um princípio constitucional e muito menos um direito fundamental.
Desenvolvimento sustentável apenas funciona, como princípio e direito fundamental, à medida que incorpora a ideia de sustentabilidade ecológica. Dentro de uma visão holística, pode-se referir que o conceito de desenvolvimento sustentável é igual ao desenvolvimento ambientalmente responsável e socialmente não excludente[15]. Organizações não governamentais, nesse sentido, têm adotado a Carta da Terra como defesa de uma visão ecocentrista que possa superar o antropocentrismo, fixada pela Rio 92, e colocar um maior enfoque na questão ambiental em consideração aos direitos dos seres vivos e da natureza como um todo.
Na Carta da Terra, encontram-se valores para um futuro sustentável, notadamente em seu princípio 1º, que defende o respeito à terra e à vida em toda a sua diversidade. Tal princípio é o núcleo da justiça ecológica quando reconhece que todos os seres são interdependentes e todas as formas de vida têm valor independentemente dos seres humanos.
Os primeiros princípios, 1º a 4º, tratam do cuidado para com a comunidade da vida. Os princípios 5º a 8º são relacionados à integridade ecológica e descrevem a justiça interespécies, que tem faltado na construção do discurso do desenvolvimento sustentável. Nos princípios 9º a 12º, é abordada a justiça social e econômica. Os princípios 13º a 16º referem-se à democracia, à não violência e à paz. Enfocam, todos eles, a justiça nas perspectivas intrageracional e intergeracional.
Ações estatais devem incutir hábitos comportamentais na sociedade com a veiculação de campanhas públicas de estofo para se poupar água, eletricidade, madeira e evitar o uso indiscriminado de combustíveis fósseis[16]. São relevantes as políticas de prevenção de incêndios nas florestas, de reciclagem de lixo e o abandono do uso de embalagens plásticas no campo ambiental. No plano econômico cabe, por certo, incentivar o estímulo da poupança pública e individual, a contenção de gastos, o consumo sustentável, evitar o desperdício de alimentos, bem como promover a austeridade e a responsabilidade fiscal sem avareza. No plano da saúde, devem as campanhas públicas priorizar a prevenção de doenças e a higienização da população de modo concomitante com o acesso ao atendimento médico e aos medicamentos necessários. No plano político, campanhas de conscientização cívica sobre a importância do voto e o combate à corrupção podem trazer resultados positivos no aspecto da boa governança.
O Estado deve orientar e estimular o comportamento social promotor do desenvolvimento ambiental, econômico, político e humano, de maneira sustentável e harmônica, em benefício das presentes e futuras gerações de homens e seres vivos não humanos que fazem parte da biodiversidade. Nesses termos, é possível fixar um conceito razoável de direito fundamental ao desenvolvimento sustentável nesta era das mudanças climáticas marcada também pela escassez de produção de energia renovável.
[1] SOUZA, Mônica Teresa Costa. Direito e Desenvolvimento. Curitiba: Juruá, 2011. p. 142. e GIDDENS, Anthony. Sociology. Cambridge: Polity Press, 2006. p. 614.
[2] DUNLAP, Riley; VAN LIERE, Kent. The new environmental paradigm: a proposed measuring instrument and preliminary results. Journal of Environmental Education, Madison, v. 9, n. 4, p. 10-19, 1978.
[3] DUNLAP, Riley et al. Measuring endorsement of the new ecological paradigm: a revised NEP Scale. Journal of Social Issues, Washington, v. 56, n. 3, p. 225-442, 2000.
[4] A Assembleia-Geral das Nações Unidas, por meio da A/RES/38/61, no ano de 1983, constituiu uma comissão para elaborar um relatório sobre questões atinentes ao meio ambiente (Comissão Mundial sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente), incluindo o desenvolvimento sem o comprometimento dos recursos naturais. Essa foi a origem do Relatório Brundtland.
[5] BOSSELMANN, Klaus. The Principle of Sustainability: transforming law and governance. Farnham: Ashgate, 2008. p. 40.
[6] Comentando o Relatório Brundtland, Garcia afirma que “o desenvolvimento sustentável se apresenta como a solução capaz de conciliar as dinâmicas econômicas, sociais, ecológicas e como problema, em virtude da complexidade de obter essa conciliação. Dele se diz um princípio normativo sem norma”. GARCIA, Maria da Glória F. P. D. O Lugar do Direito na Proteção do Ambiente. Coimbra: Almedina, 2007. p. 448.
[7] WORLD COMMISSION ON ENVIRONMENT AND DEVELOPMENT. Our common future: brundtland report. Oxford; New York: Oxford University Press, 1987. p. 13.
[8] BOSSELMANN, Klaus. The Principle of Sustainability: transforming law and governance. Farnham: Ashgate, 2008. p. 97.
[9] BOSSELMANN, Klaus. The Principle of Sustainability: transforming law and governance. Farnham: Ashgate, 2008. p. 99.
[10] Quando se refere ao ecocentrismo, é impensável olvidar as lições de Thoreau que antecederam em mais de cem anos o Dia da Terra. Em Walden, ele celebra “a doce e benéfica sociedade na natureza” (THOREAU, Henry David. Walden, or life in the woods and on the duty of civil disobedience. New York: New American Library, 1962. p. 92 e 97.). E, no ensaio Walking, ele argumenta, em tom polêmico para a época, a noção de homem “como parte e parcela da natureza ao invés de membro da sociedade” (THOREAU, Henry David. Walking. Red Wing: Cricket House Books, 2010, p. 657-660). Aldo Leopold faz uma reformulação nas intuições ecológicas do pensamento de Thoreau com forte apelo ético. Sua ideia de comunidade biótica incorporou o valor de viver em harmonia com a natureza, contrariamente ao caminho da conquista, do controle e da dominação do meio ambiente. Para Leopold, a conservação é um estado de harmonia entre o homem e a Terra (LEOPOLD, Aldo. A sand county almanac: with essays on conservation form round river. New York: Ballantine Books, 1966. p. 240-243). Para Rachel Carson, discípula de Leopold, “o controle da natureza é uma frase concebida na arrogância, nascida na era da biologia e da filosofia de Neanderthal, quando supostamente a natureza existia para a conveniência do homem”. CARSON, Rachel. Silent spring. Boston: Hougton Mifflin, 1962. p. 189.
[11] Na Nova Zelândia, o Environment Act (1986) e o Conservation Act (1987) abordam de modo ecocêntrico e holístico o meio ambiente, e o Resource Management Act (RMA), mais recentemente, adotou uma abordagem ética de administração sustentável dos recursos naturais. Ver: GRUNDY, Kerry James. Sustainable managment: a sustainable ethic. Sustainable Development, New Jersey, v. 5, n. 3, p. 119-229. Dec. 1997.
[12] BOSSELMANN, Klaus. The Principle of Sustainability: transforming law and governance. Farnham: Ashgate, 2008. p. 107.
[13] O direito ao desenvolvimento vem previsto no próprio preâmbulo da Constituição Federal de 1988: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte, para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias […]”. Segundo Anjos Filho: “Em relação ao regime e aos princípios constitucionalmente albergados, é necessário considerar, inicialmente, que o preâmbulo da Constituição consignou que o Estado Democrático criado pela Assembléia Nacional Constituinte teve como uma de suas finalidades assegurar o desenvolvimento como um dos valores supremos da nossa sociedade. Vale lembrar que embora haja discussão doutrinária sobre a existência de força normativa no preâmbulo, não há maior dissenso quanto ao fato de que o mesmo é um importante vetor da hermenêutica da própria Constituição”. ANJOS FILHO, Robério Nunes dos. Direito ao Desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 269.
[14] Para Anjos Filho: “Embora o direito ao desenvolvimento não esteja incluído de maneira expressa no Título II da Constituição de 1988, que trata dos direitos e garantias fundamentais, nem tampouco tenha sido explicitamente mencionado em qualquer outro dispositivo constitucional, o regime e os princípios por ela adotados, bem como os tratados internacionais dos quais a República Federativa do Brasil é parte, permitem concluir no sentido da sua integração ao direito positivo brasileiro como um direito fundamental”. ANJOS FILHO, Robério Nunes dos. Direito ao Desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 268-269.
[15] Bosselmann assevera que “não pode haver prosperidade sem justiça social e não pode haver justiça social sem prosperidade econômica; e ambas devem estar dentro dos limites da sustentabilidade ecológica”. BOSSELMANN, Klaus. The Principle of Sustainability: transforming law and governance. Farnham: Ashgate, 2008. p. 53.
[16] No Brasil, a Lei 9.795/99 disciplina a educação ambiental, em todos os níveis de ensino, nos seguintes termos: “Art. 1º Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade”. BRASIL. Lei 9.795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9795.htm>. Acesso em 1º.jul.2015.
*Gabriel Wedy é juiz federal, doutor e mestre em Direito. Visiting Scholar pelo Sabin Center for Climate Change Law da Columbia Law School – EUA e professor coordenador de Direito Ambiental na Escola Superior da Magistratura – Esmafe/RS.
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