DESVENDANDO O TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA

Uma ferramenta legal para a resolução de conflitos

 

TAC

 

Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro

O TAC, Termo de Ajustamento de Conduta, tecnicamente conhecido como TCAC -Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta, é instrumento extremamente útil para a resolução de conflitos de interesses difusos, socioambientais e de natureza econômica. Torna flexível a implementação da norma legal face às circunstâncias da realidade concreta e, com isso, confere eficácia à autoridade e sustentabilidade à atividade interessada no ajuste.

Breve Histórico

Já na década de setenta haviam precedentes ao TAC na legislação de controle da poluição dos estados. Um bom exemplo é o art. 96 do Regulamento da Lei º da lei nº 997, de 31 de maio de 1976, do Estado de São Paulo, que permitia à autoridade conceder prazos para adequação da fonte poluidora à legislação.

Com a criação da Lei Federal nº 7.347, de 24 de julho de 1985, os organismos de Estado e a sociedade civil organizada foram legitimados a propor Ação Civil Pública para a tutela dos interesses difusos e coletivos. Porém, a complexidade da implementação de normas legais, bem comoa dificuldade de se proceder à tomada de decisões, no campo de interesses intrinsecamente conflituosos, reforçou a necessidade de se criar mecanismos de flexibilização, demandando a definição do instituto do Ajustamento de Conduta.

O TCAC foi inicialmente previsto no art. 211 do Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069/1989, já como um instrumento híbrido, com efeitos nas esferas cível, penal e administrativa.

Em seguida o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), ampliou sua aplicabilidade efetiva aos demais conflitos de natureza difusa, alterando a Lei da Ação Civil Pública, para admitir aos órgãos públicos tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, tendo esse compromisso eficácia de título executivo extrajudicial.

No campo penal, a Lei de Crimes Ambientais fez uso do instituto, condicionando a transação penal à composição do dano na esfera cível – salvo em caso de comprovada impossibilidade, conforme consta do art. 27 da Lei nº 9.605/1998.

Vale mencionar que a transação penal a que se refere o referido artigo estava também prevista no art. 74 da Lei nº 9.099/1995 – dos Juizados Especiais, para delitos de menor potencial ofensivo.

A Medida Provisória nº 1.710/2001 adicionou o art. 79-A à Lei de Crimes, autorizando expressamente os órgãos integrantes do SISNAMA a celebrar o Termo de Ajuste, integrando-o, assim, no rol das ferramentas disponíveis no âmbito do direito administrativo para resolução de conflitos (texto mantido pela Medida Provisória nº 2.163-41, de 2001).

O TAC e os interesses difusos

Interesses difusos são intrinsecamente conflituosos.

Face ao conflito intrínseco ao interesse tutelado, é de se esperar sempre que descontentes se manifestem, seja acorrendo às ruas, seja buscando a judicialização do descontentamento. Nunca haverá unanimidade para a resolução dos conflitos de natureza difusa.

Assim, a MOTIVAÇÃO do ato da autoridade e a legitimação obtida pela razoabilidade na condução do processo de resolução do conflito, constituem requisitos essenciais para a validade da decisão adotada pelo Poder Público – que deve ser sempre fundamentada.

Interesses e direitos difusos são transindividuais, possuem natureza indivisível, e abrangem objetos cuja titularidade é indeterminada, gerada por razões de fato.

No Brasil, esses direitos encontram-se conceitualmente definidos no inciso de um parágrafo de um artigo do Código de Defesa do Consumidor (art. 81, Parágrafo único, I, da Lei 8.078/90).

O conflituoso rol de interesses e direitos de natureza difusa, no entanto, é colorido pela tintura das demandas civis que essa geração de direitos da era moderna visa atender: a proteção das minorias, as demandas por autonomia, a inclusão social dos politicamente hipossuficientes, a qualidade de vida para a população e o equilíbrio ambiental.
O mestre Gofredo da Silva Telles, professor emérito da Universidade de São Paulo, já falecido, lecionava que “onde há fracos e fortes, a liberdade escraviza, o direito liberta”.

Ora, a liberdade que se busca na tutela de interesses difusos é vinculada ao conflito, cuja medida do interesse em causa não é mensurada pela “quantidade de interessados” mas, sim, pela qualidade da participação.

Tutelar a qualidade é algo novo e ainda muito complexo para ser facilmente compreendido por governantes, operadores do direito, gestores públicos e privados, quando não pelos próprios interessados beneficiados pela tutela…

Daí a importância reforçada do instrumento de flexibilização, mediação de interesses e ajustamento de condutas – como meio e não um fim em si próprio, para resolução dos conflitos.

Definição e Objetivos

O Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta é o ato jurídico pelo qual a pessoa interessada , seja na prevenção de conflito significativo de interesses de natureza difusa, seja reconhecendo implicitamente que sua conduta ofende ou pode ofender interesse difuso ou coletivo, assume perante o agente tomador legitimado a requerer a tutela judicial do conflito, o compromisso de reparar, mitigar ou compensar a ofensa, eliminar ou reduzir o risco, através da adequação de seu comportamento às exigências legais, mediante a formalização de termo com força de título executivo extrajudicial.

É o TCAC, portanto, contrato firmado pelo interessado junto ao ente da Administração Pública legitimado a agir na tutela do direito em causa, contrato esse marcado por uma tração no sentido da busca de uma das partes em adequar-se à determinadas condições postas pela outra, dentro de parâmetros legais aplicáveis.

Os atores do Compromisso

Importante definir os atores que formam o ajustamento de conduta. Cada um com finalidades distintas. Senão vejamos:

Os TOMADORES (compromissários)

São legitimados a tomar dos interessados o Compromisso de Ajustamento as pessoas jurídicas de direito público, da administração direta (entes federados), relacionadas à administração da justiça (Ministério Público) e entidades da administração indireta (fundações de Direito Público, autarquias, fundação privada instituída pelo Poder Público, empresa pública e sociedades de economia mista).

A fundação privada, a empresa pública e a sociedade de economia mista estão legitimadas a tomar o compromisso quando exercem função típica da administração pública. Da mesma forma estão legitimadas empresas privadas concessionárias de serviços públicos ou gestoras de serviços com interesse processual na tutela do direito em causa, como as empresas de saneamento, de energia elétrica.

As associações civis (ONGs) enquadradas no art. 5º, I e II da Lei 7.347/85, embora legitimadas a agir em juízo na defesa do meio ambiente, não são legitimadas para firmar termo de compromisso. Assim, nem todos os legitimados a agir podem tomar de interessados o ajuste.

Com a introdução das Organizações Sociais, autorizadas pela Lei Federal nº 9.637/98 a assumir por contrato a gestão de bens públicos ambientais, é de se questionar a limitação imposta pelo parágrafo 6º do art. 5º da Lei da Ação Civil Pública, pois agem no interesse público, submetendo-se à legislação administrativa, inclusive quanto à observância da lei de licitações. É certo que as OS poderão, portanto, tomar Compromissos de Ajustamento de Conduta dos interessados.

O Ministério Público

A presença do Ministério Público é obrigatória nos conflitos judicializados, seja quando for o autor, seja quando atuar como fiscal da lei no bojo da ação, em respeito ao disposto no art. 127 da Constituição Federal cc. Lei 7.347/85.

No entanto, na feitura extrajudicial do Termo de Compromisso por outros entes legitimados, a presença do Ministério Público é optativa e não obrigatória, haja vista a autonomia administrativa legalmente conferida ao órgão público, ente autárquico ou empresa pública autorizados a celebrar o Compromisso.

Os interessados compromitentes

A natureza jurídica do compromitente é irrestrita, uma vez que qualquer pessoa, fnatural ou jurídica, de direito público ou privado, pode assumir o compromisso, quando reconhecer que sua conduta afeta interesses difusos e coletivos, existir efetiva necessidade de prevenção do conflito ou resolução de conflito instalado.

Válido mencionar ainda, que, se vários forem os interessados, todos poderão figurar, conjuntamente, como compromitentes do termo de ajustamento, podendo este ser denominado compromisso pluripessoal (recebe a mesma denominação quando for mais de um compromissário, o que é bastante inusitado).

Da mesma forma, mais de um ente público poderá integrar o polo dos tomadores do compromisso, inclusive assumindo obrigações perante demais contratados – obviamente, neste caso, se o ônus assumido estiver dentro de sua esfera de atribuição legal.

Natureza Jurídica

O Termo de Compromisso surge da constatação que a dinâmica econômica e social não é acompanhada pela estrutura normativa e administrativa posta pelo Poder Público, havendo demanda excedente que nem sempre se resolve com a aplicação fria do texto da lei.

O Termo de Compromisso passa a ser, assim, instrumento de natureza contratual e bilateral, sendo verdadeira hipocrisia considerá-lo mero sucedâneo do termo de confissão com efeitos civis.

É certo que a Administração Pública não pode transigir com seu dever-poder, posto que só lhe é permitido agir quando expressamente autorizada pela lei, dentro de seus limites (princípio da reserva legal).

No entanto, o dever legal de buscar a adequação das atividades de interesse econômico e social à norma em vigor, obriga igualmente a autoridade a aplicar a lei exegeticamente, atendendo ao disposto no art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, visando atender aos fins sociais a que se destina e às exigências do bem comum.

Por outro lado, a intransigibilidade para com interesses indisponíveis (como, por exemplo, o “bem jurídico ambiental”, posto tratar-se de bem comunal constitucionalmente tutelado), não há de ser confundida com a rigidez quase cadavérica praticada por alguns operadores do direito – em especial biocentristas e personagens de perfil autoritário incrustados na Administração Pública.

De fato, não se pode admitir que determinados administradores, ou mesmo membros do Ministério Público, apeguem-se à “aplicação fria da lei”, a preciosismos legais, para nada resolver e nada decidir, ou decidir sem resolver, o conflito em causa. Isso fere a eficácia legal, nega tutela efetiva ao conflito de natureza difusa e causa danos ao próprio equilíbrio ambiental (mesmo porque o “meio ambiente ecologicamente equilibrado” é, por definição científica, um fenômeno dinâmico, em processo de constante alteração nos seus elementos).

Do objeto do Termo de Compromisso

O objeto do Termo de Compromisso não é, como muitos pensam, o interesse ou direito difuso ou o meio ambiente propriamente dito mas, sim, o ajuste de determinada conduta às exigências legais, observadas condições de modo, tempo e lugar do cumprimento da obrigação, visando de mitigar os efeitos danosos causados pela conduta do interessado ou prevení-los.

Tais condições devem ser possíveis de fato, jurídica e economicamente, além de lícitas, de modo a possibilitar sua mensuração econômica. Devem também ser dotadas de liquidez, ou seja, certas quanto à sua existência e determinadas quanto ao seu objeto.

Face à natural desproporção entre tomador do ajuste e interessado, há de se ponderar analogicamente aos contratos de adesão, a nulidade de cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio, ou seja: não há direito adquirido do tomador ante alteração posterior de norma legal que beneficie efetivamente o interessado.

Formalização

A instrumentalização formal do Termo de Compromisso é imprescindível, face à sua natureza pública. Deve o instrumento ser escrito de forma clara, explicitando a atividade objeto do compromisso, as medidas reparatórias e remediadoras, e um período pré-fixado, sob pena de tornar o Termo inócuo.

a) considerandos:

Aplica-se ao Termo de Compromisso o mecanismo dos considerandos, como forma de estabelecer os parâmetros de boa-fé norteadores da interpretação das cláusulas constantes no instrumento. Nesse diapasão, os “considerandos” devem explicitar a capacidade e o interesse jurídico das partes envolvidas, a situação conflituosa ou de inadequação legal que visa o instrumento solucionar, bem como os parâmetros gerais hermenêuticos e exegéticos que deverão informar as cláusulas. Considerandos nunca devem externar opiniões de caráter ideológico ou se perder em considerações que apontem cenários ideais não correspondentes à realidade em causa ou à possibilidade efetiva das partes.

b) cláusulas:

As cláusulas do Termo de Compromisso, por sua vez, devem buscar a maior objetividade possível, não se admitindo, por exemplo, exigências como “recomposição da Área de Preservação Permanente de acordo com a flora e fauna característicos”, sem que se aponte que espécimes da flora e fauna devem ser repostos ou se tenha remissão expressa a laudo técnico constante nos autos do processo administrativo que o originou.

c) qualificação e especificidade:

Como qualquer contrato formal, o Termo de Compromisso deve conter: i) no seu preâmbulo a qualificação das partes (compromissário e compromitente); ii) identificação do ecossistema em conflito, efetiva ou potencialmente afetado pela conduta ilegal ou conflituosa, com descrição de potenciais riscos ou danos por ela ocasionados; iii) os benefícios ambientais que visam ser alcançados com o cumprimento das obrigações estabelecidas no Termo de Compromisso; iv) detalhamento técnico das obrigações a serem cumpridas; v) estabelecimento das condições de tempo, modo e lugar do cumprimento das obrigações de fazer e/ou não fazer; vi) cláusula penal; vii) data em que foi celebrado o Termo de Compromisso; viii) foro para dirimir dúvidas decorrentes do compromisso ( geralmente o local do dano, conforme o art. 2º da Lei nº 7.347/85).

d) princípio constitucional:

Princípios constantes no artigo 37 da Constituição devem revestir o Termo de Compromisso, tornando-o:

1 – Legal (foco objetivo na finalidade do ato);
2- Público (é ato oficial – necessita ser publicado)
3- Moral (não deve instituir privilégios, moldar abusos ou arbitrariedades)
4- Proporcional (obrigações e prazos objetivos e correspondentes)
5- Eficaz (deve prestar-se ao objeto, sem atrasos e entraves burocráticos)
Do aditamento, retificação ou rescisão do compromisso

O Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta pode ser retificado, aditado ou mesmo rescindido como os atos jurídicos em geral, ou seja, de maneira voluntária, pelo mesmo procedimento pelo qual foi feito, sendo tais atos justificados técnica e legalmente.

Admite-se, da mesma forma, rescisão contenciosa, por meio de ação anulatória.

 

Conclusão

O Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta é um valioso instrumento de que devem se valer os interessados em atender a exigências legais de ordem difusa, sócio-ambiental e econômica, mitigar ou remediar danos iminentes ou causados ao meio ou mesmo solucionar ou prevenir conflitos de que afetem o licenciamento de atividades ou sua continuidade.

Bem instruído, utilizando mecanismos de mediação, pode efetivamente desafogar o judiciário, sobrecarregado e definitivamente ineficaz para resolver conflitos de natureza difusa.

Ademais, a rapidez na solução dos conflitos é fundamental para evitar o agravamento dos danos e, sob essa ótica, o Termo de Compromisso é instrumento para solução extrajudicial dos mais eficazes, desde que seus operadores igualmente evitem procedimentos excessivamente litúrgicos e burocráticos, apoiando-se, em ações técnicas e objetivas.

 

 

afpp3Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor- Chefe do Portal Ambiente Legal, editor do Mural Eletrônico DAZIBAO e responsável pelo blog The Eagle View.

 

 


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