Decreto nº 6.514/2008 dá poderes para demolir obra no ato da fiscalização

Por Edgard Samaha

Não pense que é piada ou que inventei manchete sensacionalista para aumentar a leitura deste artigo. O negócio é sério mesmo. O dispositivo nº 112 do inconstitucional e ilegal Decreto nº 6.514, de 22 de julho de 2008, que regulamenta as infrações ambientais e procedimento administrativo, realmente permite tal tipo de arbitrariedade e abuso de poder. O agente autuante, em caso de suposto dano ambiental, poderá demolir seu imóvel NO ATO DA FISCALIZAÇÃO, sem lhe conceder a oportunidade de se defender, contrariando os basilares Princípios Constitucionais do Contraditório e da Ampla Defesa, além da garantia prevista no artigo 5º, LIV, da Carta Magna, qual seja, “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

Por ser auto-explicativo, transcrevo referido artigo para suas próprias conclusões:

“Art. 112. A demolição de obra, edificação ou construçãono ato da fiscalização dar-se á excepcionalmente nos casos em que se constatar que a ausência da demolição importa em iminente risco de agravamento do dano ambiental.

§ 1o A demolição poderá ser feita pelo agente autuante, por quem este autorizar ou pelo próprio infrator.

§ 2o As despesas para a realização da demolição correrão às custas do infrator.

§ 3o A demolição de que trata o caput não será realizada em edificações residenciais.“

E então, o que achou? Você deve estar pensando: “Mas é aplicado somente em casos excepcionais!”. Pois bem, o que é o “iminente risco de agravamento do dano ambiental”? Não há excepcionalidade alguma nesse requisito, pelo contrário. Não consigo imaginar um dano ambiental que não corra risco de agravamento. Isso dá margem à subjetividade e arbitrariedade. Outrossim, o analista ambiental, sozinho, não possui conhecimentos suficientes para saber, no ato de uma fiscalização, se a demolição é a melhor solução ou não para o meio ambiente. É necessário um corpo técnico multidisciplinar para ter tal certeza.

Digo isso, pois, o concurso público para analista ambiental exige, unicamente, que o candidato possua nível superior. Imagine um dentista em cima de um trator demolindo seu hotel! Não estamos longe disso.

E o pesadelo não acaba por aí, pois, provavelmente, após a demolição, será iniciado um processo administrativo e, se realmente você for culpado, terá que pagar multa básica. Ah, não se esqueça das despesas com a demolição. Você também é responsável por isso!

Agora, pergunto: E se, ao final do procedimento administrativo, o órgão ambiental concluir que a demolição não era necessária ou, pior, que você não tinha cometido infração alguma? Tarde demais. Senta e chora! Para reaver seus direitos, somente ajuizando uma ação indenizatória perante o Poder Judiciário, ou seja, mais dor de cabeça.

O ilustre Ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, prometeu alterar as irregularidades desse escandaloso decreto. No entanto, só foram levantadas ilegalidades referentes aos interesses dos ruralistas, a exemplo da reserva legal. E quanto às demais, como a ora apresentada? Torcemos para que o ministro reveja o Decreto nº 6.514/2008 em sua integralidade, pois, barbáries, como esta, têm de sobra nessa norma secundária, as quais traremos à tona nas próximas edições.

Edgard Dagher Samaha é advogado associado ao Escritório Pinheiro Pedro Advogados. Atua na área de consultoria e contencioso ambiental.


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