BREVE ANÁLISE “DIGESTIVA” DO MOMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
Parte I
Comer, Rezar e Governar…
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Há uma íntima relação entre o que se come e o que se é… da mesma forma como há uma conexão profunda dos humanos com sua digestão e a transferência cultural disso para o campo da política.
Não se trata de comportamento recente. Pelo contrário, é histórico e antropológico.
Comecemos pela formação do pensamento governamental (ou confusão mental) a partir do que ali se come. Afinal, o governo federal está de dieta.
A dieta da Presidente Dilma, responsável pela rápida e eficaz perda de peso da mandatária, foi criada pelo argentino Maximo Ravenna. Ela limita a ingestão de 800 a 1,2 mil calorias por dia, com restrição de carboidratos, açúcar e outros.
A dieta é cara e o paciente conta com acompanhamento de um educador físico, um nutricionista e um psicólogo.
Além de Dilma, outros ministros, como o da Justiça, José Eduardo Cardozo, são adeptos da mesma dieta, de alto custo.
Esse regime “argentino” pode estar contaminando o regime político brasileiro, a partir da digestão de nossos dirigentes…
A filosofia de há muito explica essa relação.
Nietzsche, em sua obra “Ecce Hommo”, afirmava:
“Mas a cozinha alemã – quantas coisas não tem ela na consciência! A sopa antes da refeição (ainda em livros venezianos de culinária do século XVI se lhe dá o nome de alla tedesca); a carne muito cozida, a hortaliça grossa e suculenta; a degenerescência dos farináceos em pisa-papéis! Se ainda se tiver em conta a necessidade que os velhos alemães, e não só os velhos, têm de geleia animal, compreender-se-á também a origem do espírito alemão – que provém de entranhas revoltas… O espírito alemão é uma indigestão, nada consegue.”
Ora, se valia a relação para a pesada cozinha alemã, muito mais vale hoje para a igualmente pesada, variada e apimentada cozinha brasileira.
O Ludwig Feuerbach, em sua obra “Pensamentos sobre Morte e Imortalidade” (onde germanicamente nega a possibilidade de imortalidade…) resume a humanidade no ditado: “O homem é aquilo que come”.
Entretanto, quem se tornou obeso de tanto se empanturrar… no que revela mais que a fome que sente, terá destino igual à iguarias que digeriu. “Após a morte”, afirma Feuerbach, “as qualidades humanas são absorvidas pela natureza”…
O teólogo Alexandre Schmemann cita a Bíblia – “Quem se alimenta com a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6,54) – para em seguida raciocinar que “se a tentação de comer o fruto da Árvore da Vida trouxe a morte, o comer da Carne e Sangue do Filho de Deus traz a vida”.
A eterna tentativa do governante se eternizar no prato do beneficiário de sua política pública tem, portanto, inspiração cristã…
O Padre brasileiro José Artulino Besen relata a relação de Jesus com o banquete:
“o mundo é um banquete, e a imagem do banquete aparece em toda a Bíblia. O último encontro de Jesus com os seus foi numa Ceia, os Evangelhos situam grandes encontros de Jesus em banquetes (Zaqueu, Levi, Simão, Marta e Maria,…), a ponto de fariseus o acusarem de glutão e beberrão. Banquete é alegria, festa.O Senhor se apresenta como o noivo que chegou para o casamento com seu povo e o grande encontro final será à Mesa do Reino.”
Jesus, na última ceia, se deu de beber e comer aos seus apóstolos comensais – eternizando sua última ceia na comunhão cristã.
Da mesa divina para o sexo.
O sentido espiritual é similar ao desejo carnal. De fato, é também no ato de “comer” que homem e mulher demonstram ser alimento um do outro, ainda que apenas na exploração do desejo carnal. É de nossa natureza e é, também, de natureza divina.
O romeno Nicu Steinhardt, um judeu convertido, dizia com bom humor que “o banquete é o único lugar em que o homem se alegra com a alegria alheia (Diário da Felicidade)”.
De fato, o homem é o que come e o que ele come o revela. E se come com fartura, transborda de satisfação.
Se o homem comer na fraternidade, irá gerar alegria. Porém, se comer na exclusão dos pobres, irá gerar condenação.
Isso, talvez, explique muita coisa da sopa de letrinhas mal ajambradas, expelida por bocas que comem sob estrita vigilância, como é o caso da Presidente Dilma.
A salada de confusões, avanços e retrocessos sem resultado, caracteriza um governo federal glutão, em dieta forçada.
Dilma nunca foi boa comensal – em direção absolutamente oposta à de seu antecessor, Lula.
O ministério de Dilma, com algumas exceções, é uma extensa relação de absolutas nulidades – alfaces, couves, ervilhas, carnes magras, picadinhos sem molho. Composição completamente diferente da seleção de personalidades que frequentava a mesa ministerial lulista.
No primeiro governo de Dilma, a mitomania tomou o lugar da economia. Os convidados foram sendo postos, um a um, para fora da sala de jantar e esta se tornando cada vez menor.
Os comensais de Dilma se reuniam na copa do Palácio do Planalto – não havia mais banquetes. Os jantares eram, em verdade, mal digeridos.
A economia mudou nos últimos anos de gestão dilmista, menos nos discursos. Enquanto isso, a conta tornava-se impagável.
A gulodice pelo poder, enfim, superou a racionalidade da governante, do partido e de todos os demais convidados. Estes últimos, em ritmo de fim de festa, encheram bolsas e bolsos com salgadinhos e doces… para “levar pra casa”…
Hoje, o povo brasileiro digere uma salada mista de confusões mentais. Bobagens ditas com a boca cheia e comportamentos sem etiqueta, praticados não só à mesa do poder, em Brasília, como alhures… nos estados e municípios, nos parlamentos e tribunais.
Não foi assim, reconheçamos, na fartura dos anos anteriores a Dilma, nos dois mandatos de Lula, quando o banquete era literalmente pantagruélico e o governo devorava a oposição como o gigante Gargântua fazia com quem caía em sua salada…
Gargântua, Pantagruel e Panurgo, grandes (literalmente) personagens de Rabelais, surgem nessa análise “digestiva” como paradigmas do momento anterior ao “regime” Dilmista atual – no período em que uma verdadeira orgia de mesas fartas se processava às custas de um tesouro nacional lotado, recheado de iguarias provindas de um comércio ascendente de commodities, obras faraônicas intermináveis e contratações milionárias.
Da boca glutona dos comensais no período Lula, qualquer bobagem era bem digerida por uma mídia bem nutrida, o que permitiu a execução de “apavorantes feitos e proezas” (nome da obra de Rabelais) dos pantagruélicos gigantes lulo-petistas e seus amigos bolivarianos…
No carnaval pantagruélico de Rabelais, todos são considerados iguais.
Na praça da cidade, o contato livre reina entre pessoas costumeiramente divididas pelas barreiras de casta, propriedade, profissão e idade. Os indivíduos perdem o sentido do tempo, passam a integrar um mesmo coletivo, deixam de ser eles mesmos. Por meio da máscara, da fantasia, todos trocam de corpo e se renovam – uma ampliação da consciência de unidade sensualidade material, grupal. Esse o sentido do grande banquete de Gargântua e de Pantragruel e seus amigos glutões.
Lula, como Pantagruel e seus amigos, traçou viagens fantásticas (figurativamente, Rabelais as conta em cinco livros…).
A comparação e a frustração, geraram o efeito sanfona em Dilma.
Há uma ligação absoluta entre a ingestão pantagruuélica nos governos Lula, a digestão tormentosa no primeiro mandato do “poste” Dilma e… agora, o resultado que sofremos.
Esse o sentido da orgia econômica que nos permitiu mergulhar em águas profundas com a barriga cheia. Agora, sofremos espasmos de uma previsível congestão…
Aqui os sintomas do atual regime… espasmos, pandemônio, desalinho e confusão mental, que acomete antigos comensais viciados na gulodice e, agora, esfomeados, obrigados ao regime pobre em calorias da governante.
Dizem os críticos mais chulos que o problema do regime político do Brasil pode não ser a má alimentação governamental e, sim, o resultado da digestão, moralmente despejado sobre todos os aspectos complexos da difícil vida nacional.
Há um relógio que torna o corpo ciente de sua atemporalidade, principalmente se o corpo foi submetido aos prazeres absurdos e despautérios horripilantes ou prazeirosas, das viagens pantagruélicas. Esse relógio é fisiológico.
Nesse ponto, ocorre o grotesco – a evacuação.
A evacuação é o instrumento de medida da fisiologia pantagruélica.
Afinal, resta a questão:
Fomos vítimas do banquete de Lula – ainda antes de chegarem a indigestão e a conta? Somos vítimas das aflições atuais por conta da submissão do governo Dilma ao regime forçado? Sofremos os impactos do que a política brasileira grotescamente despeja, há anos, sobre nossas cabeças?
O grotesco, demandará outra análise, mais escatológica, em continuidade à esta.
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor- Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
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