A possibilidade de modificação ou de retirada da licença ambiental
Por Talden Farias*
A licença ambiental tem como uma de suas mais importantes características a possibilidade de modificação ou de retirada em determinadas situações. Tal licença é o ato administrativo resultante de um processo administrativo e poderá sofrer modificações posteriormente caso se descubra algum erro ou omissão relevante ou caso haja algum motivo superior que o justifique.
O inciso IV do artigo 9º da Lei 6.938/81 determina que “o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras” é um instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente. Isso significa que a própria lei que criou o licenciamento já previu a possibilidade de as licenças ambientais serem revistas.
A respeito do tema, não se pode confundir revisão com renovação. Falar em revisão do licenciamento implica adequar, anular, cassar, revogar ou suspender a licença concedida em pleno prazo de validade. Por outro lado, falar em renovar implica em requerer uma nova licença ao órgão ambiental, tendo em vista que o prazo da licença vigente está perto de se esgotar[1].
Como qualquer ato administrativo, a licença ambiental está sujeita à revisão, especialmente se houver um relevante interesse público que o justifique. Se o fundamento máximo do poder de polícia é a supremacia do interesse público sobre o individual, é evidente que a administração pública poderá sempre rever qualquer ato que supervenientemente à sua edição se mostre contrário ao interesse coletivo para revogá-lo em benefício da sociedade. Com efeito, se as condições originais que deram ensejo à concessão da licença ambiental mudarem, esta também pode ser modificada ou até retirada.
Do ponto de vista prático, são basicamente três as razões que levaram o legislador a considerar a possibilidade de revisar uma licença ambiental. A primeira é a velocidade com que a ciência e a tecnologia evoluem, fazendo com que os órgãos ambientais não tenham como se precaver em face dos riscos ambientais. A segunda é que os órgãos ambientais dispõem de estrutura insuficiente em termos de recursos humanos e materiais e são muito suscetíveis a ingerências de ordem pessoal, política e econômica. A terceira é que dados técnicos relevantes podem ser omitidos ou apresentados de forma distorcida ou mesmo falsa, comprometendo no todo ou em parte o entendimento e a decisão dos órgãos administrativos de meio ambiente.
É nesse contexto que os incisos I, II e III do artigo 19 da Resolução 237/97 do Conama determinam que o órgão ambiental competente, mediante decisão motivada, poderá modificar os condicionantes e as medidas de controle e adequação, suspender ou cancelar uma licença expedida, quando ocorrer violação ou inadequação de quaisquer condicionantes ou normas legais, omissão ou falsa descrição de informações relevantes que subsidiaram a expedição da licença e superveniência de graves riscos ambientais e de saúde[2]. Isso significa que a referida resolução determina que a revisão da licença ambiental concedida pode ocorrer em três situações distintas.
Na primeira situação, depois de ter sido regularmente licenciada, o responsável pela atividade passa a desrespeitar a legislação ambiental ou a ignorar os condicionantes do licenciamento ambiental, a exemplo do cumprimento de medidas compensatórias ou mitigadoras. É o caso do industrial que se comprometeu formalmente e com prazo determinado em face do órgão ambiental a instalar filtros antipoluição na sua fábrica e também do piscicultor que se comprometeu formalmente e com prazo determinado a instalar uma estação de tratamento de água nos seus viveiros, que após terem recebido a licença não tomaram nenhuma das providências combinadas. É o caso da empresa que de um momento para outro passa a emitir mais ruído ou mais gases poluentes do que o permitido pela legislação.
Na segunda situação, é descoberto que o licenciamento de uma determinada atividade se embasou em dados ou documentos falsos ou que deixou de levar em consideração informações relevantes e que por isso a licença deve ser revista. É o caso do licenciamento para a construção de um condomínio privado baseado em um laudo técnico que afirma que a área não possui nenhuma importância especial no que diz respeito à diversidade biológica, e depois é descoberto que, na verdade, a área em questão possui remanescentes de mata atlântica que abrigam espécies raras da fauna e da flora e que por isso a licença deve ser revisada.
Na terceira situação, a atividade é devidamente licenciada e passa a cumprir todas as condicionantes da licença ambiental quando, em face de uma nova informação ou de um caso de força maior, a atividade passa a causar graves riscos para o meio ambiente e para a qualidade de vida da coletividade e por isso deve ser revisada. É o caso da descoberta do potencial danoso de uma técnica ou substância utilizada no processo produtivo de uma determinada empresa e cuja adoção tinha sido recomendada pelo próprio órgão ambiental como requisito para a concessão da licença, e também o de um desastre natural a exemplo de um desmoronamento ou de uma tempestade que comprometem o controle de segurança ambiental de uma determinada indústria.
Nessas duas situações, mesmo que o responsável pela atividade potencial ou efetivamente poluidora tenha cumprido à risca a legislação ambiental e as condicionantes do licenciamento, a simples iminência de graves riscos poderem ser causados ao meio ambiente e à saúde da coletividade justifica a revisão da licença.
É claro que falar em revisão de uma licença não significa necessariamente a nulidade do ato administrativo anteriormente proferido, mas um ajustamento das condicionantes e das medidas de controle de adequação, com o intuito de diminuir ou de retirar a possibilidade de ocorrência de danos ambientais. A revisão da licença ambiental pode implicar na perda de validade temporária da mesma, a fim de que possam ser feitas as adequações necessárias, ou na perda de validade definitiva quando não houver possibilidade de adequação ou também na diminuição quantitativa ou qualitativa da atividade.
Mas a revisão também pode ser benéfica ao titular da atividade potencial ou efetivamente poluidora, na medida em que este poderá obter a licença ambiental não conseguida anteriormente ou poderá obter um alargamento do objeto da licença ambiental caso ocorram algumas situações que possam beneficiá-lo. As alíneas II e III do artigo 19 da Resolução 237/97 do Conama falam em omissão ou falsa descrição de informações relevantes que subsidiaram a expedição da licença e superveniência de graves riscos ambientais e de saúde como justificativa para que a licença ambiental seja revista.
É o caso do empreendedor que descobre que o laudo técnico que embasou a negativa da concessão da licença é falso ou que o órgão ambiental não levou em consideração dados essenciais, e que a mesma teria sido concedida se não fosse aquilo. É o caso da negativa da concessão da licença motivada pela existência de forte contaminação e grave risco para o meio ambiente e a saúde pública na área em que a atividade pretendia se instalar, e que, após alguns anos depois do tratamento feito pelo poder público ou por conta da própria recomposição natural, a área volta a ter as características ambientais de antes.
A legislação fala em revisão do licenciamento, e não da licença ambiental, exatamente por causa da possibilidade de não apenas as concessões como as negativas de concessão também poderem ser reavaliadas, até porque a licença é apenas uma consequência do licenciamento. Nessas duas situações, pode ocorrer a revisão do licenciamento em favor do titular da atividade potencial ou efetivamente poluidora, de maneira que a licença possa ser concedida caso não tenha sido antes.
Se por causa da documentação falsa ou da existência da contaminação a licença foi concedida em termos restritos, ela deverá ser revista de maneira a ser reeditada com um conteúdo mais amplo do que o da licença anterior. Como a realidade ambiental e socioeconômica também sofre modificações aceleradas que podem resultar em situações de mudanças a serem ponderadas, podem ocorrer tanto mudanças restritivas quanto liberalizantes na modificação de uma licença ambiental.
Entretanto, é muito mais comum que a revisão do licenciamento ocorra para restringir do que para ampliar direitos, até porque de uma forma geral a deterioração da qualidade ambiental é um fenômeno internacional. Vale lembrar que a licença diz respeito ao direito à livre iniciativa econômica do empreendedor e ao direito à saúde pública e à salubridade ambiental da coletividade, tendo, inclusive, o objetivo de condicionar o primeiro ao segundo.
A possibilidade de modificação ou de retirada da licença ambiental ocorre com maior frequência na licença de operação, já que ao final do seu prazo de validade novos padrões ambientais podem ser exigidos. De qualquer forma, as demais licenças ambientais estão sujeitas a essa possibilidade de modificação também. Todavia, é importante destacar que a regra é que durante aquele tempo pelo qual foi expedida a validade da licença permanece, bem como as condicionantes estabelecidas, sendo os casos de revisão do licenciamento exceção.
[1] A respeito dos prazos das licenças ambientais, a Resolução 237/97 do Conama dispõe o seguinte: Art. 18 – O órgão ambiental competente estabelecerá os prazos de validade de cada tipo de licença, especificando-os no respectivo documento, levando em consideração os seguintes aspectos: I – O prazo de validade da Licença Prévia (LP) deverá ser, no mínimo, o estabelecido pelo cronograma de elaboração dos planos, programas e projetos relativos ao empreendimento ou atividade, não podendo ser superior a 5 (cinco) anos. II – O prazo de validade da Licença de Instalação (LI) deverá ser, no mínimo, o estabelecido pelo cronograma de instalação do empreendimento ou atividade, não podendo ser superior a 6 (seis) anos. III – O prazo de validade da Licença de Operação (LO) deverá considerar os planos de controle ambiental e será de, no mínimo, 4 (quatro) anos e, no máximo, 10 (dez) anos. § 1º – A Licença Prévia (LP) e a Licença de Instalação (LI) poderão ter os prazos de validade prorrogados, desde que não ultrapassem os prazos máximos estabelecidos nos incisos I e II. § 2º – O órgão ambiental competente poderá estabelecer prazos de validade específicos para a Licença de Operação (LO) de empreendimentos ou atividades que, por sua natureza e peculiaridades, estejam sujeitos a encerramento ou modificação em prazos inferiores. § 3º – Na renovação da Licença de Operação (LO) de uma atividade ou empreendimento, o órgão ambiental competente poderá, mediante decisão motivada, aumentar ou diminuir o seu prazo de validade, após avaliação do desempenho ambiental da atividade ou empreendimento no período de vigência anterior, respeitados os limites estabelecidos no inciso III. § 4º – A renovação da Licença de Operação(LO) de uma atividade ou empreendimento deverá ser requerida com antecedência mínima de 120 (cento e vinte) dias da expiração de seu prazo de validade, fixado na respectiva licença, ficando este automaticamente prorrogado até a manifestação definitiva do órgão ambiental competente.
[2] Art. 19 – O órgão ambiental competente, mediante decisão motivada, poderá modificar os condicionantes e as medidas de controle e adequação, suspender ou cancelar uma licença expedida, quando ocorrer: I – Violação ou inadequação de quaisquer condicionantes ou normas legais. II – Omissão ou falsa descrição de informações relevantes que subsidiaram a expedição da licença. III – superveniência de graves riscos ambientais e de saúde.
*Talden Farias é advogado e professor
Fonte: Conjur