A MORTE, O DISCURSO, A HIPOCRISIA
O Discurso ante o corpo morto de um ente querido, é direito sagrado. No caso de Lula, no enterro de Marisa, era obrigação.
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
A celeuma sobre o discurso fúnebre, sentido e carregado de rancor, do ex-presidente Lula no enterro de sua esposa Marisa Letícia, por mais que se compreenda a forte oposição política ao casal e o clima de polarização que toma conta do país, é fato contaminado pela mais pura hipocrisia.
Não é novidade, nem o discurso, nem a hipocrisia.
No enterro de qualquer ente querido, o discurso de corpo presente é um direito. Na morte de um ente querido, que tenha expressão política, o discurso é uma obrigação.
De Marco Antonio perante o corpo de Júlio César a Barack Obama no velório do filho de seu vice, J. Biden, discursos fúnebres sempre dignificaram o morto, desagravando-o, atribuindo a morte ao mal das circunstâncias.
Com Lula, diante do corpo de sua mulher, não poderia ser diferente.
Pode-se criticar o teor do discurso. Porém, jamais o fato do discurso. Só hipócritas o fazem.
Se políticos forem os críticos, não mais será hipocrisia mas deslavada expressão de burrice.
Para os que entendem “apelativo” desagravar politicamente um morto, segue trechos do discurso de Marco Antonio diante do corpo ensanguentado de Júlio César – na versão brilhante de Shakespeare:
“Amigos, romanos, cidadãos dêm-me seus ouvidos.
Vim para enterrar César, não para louvá-lo. O bem que se faz é enterrado com os nossos ossos, que seja assim com César.
O nobre Brutus disse a vocês que César era ambicioso. E se é verdade que era, a falta era muito grave, e César pagou por ela com a vida, aqui, pelas mãos de Brutus e dos outros. Pois Brutus é um homem honrado, e assim são todos eles, todos homens honrados.
Venho para falar no funeral de César. Ele era meu amigo, fiel e justo comigo. Mas Brutus diz que ele era ambicioso. E Brutus é um homem honrado.”
(…)
“Mas eu tenho que falar daquilo que eu sei. Vocês todos já o amaram e tinham razões para amá-lo. Qual a razão que os impede agora de homenageá-lo na morte?”
(longa pausa…)
“Ontem, a palavra de César seria capaz de enfrentar o mundo, agora, jaz aqui morta. Ah! Se eu estivesse disposto a levar os seus corações e mentes para o motim e a violência, eu falaria mal de Brutus e de Cassius, os quais, como sabem, são homens honrados. Não vou falar mal deles.”
(…)
“Cidadãos. Se vocês têm lágrimas, preparem-se para soltá-las. Vocês todos conhecem este manto. Vejam, foi neste lugar que a faca de Cassius penetrou. Através deste outro rasgão, Brutus, tão querido de César, enfiou a sua faca, e, quando ele arrancou a sua maldita arma do ferimento, vejam como o sangue de César escorreu.
E Brutus, como vocês sabem, era o anjo de César. Oh! Deuses, como César o amava. O golpe de Brutus foi, de todos o mais brutal e o mais perverso. Pois, quando o nobre César viu que Brutus o apunhalava, a ingratidão, mais que a força do braço traidor, parou seu coração.
Oh! Que queda brutal meus concidadãos. Então eu e vocês e todos nós também tombamos, enquanto esta sanguinária traição florescia sobre nós.
Sim, agora vocês choram. Percebo que sentem um pouco de piedade por ele.
Boas almas…
Choram ao ver o manto do nosso César despedaçado.
Bons amigos, queridos amigos, não quero estimular a revolta de vocês. Aqueles que praticaram este ato são honrados. Quais queixas e interesses particulares os levaram a fazer o que fizeram, não sei. Mas são sábios e honrados e tenho certeza que apresentarão a vocês as suas razões.
Eu não vim para roubar seus corações. Eu não sou um bom orador como Brutus. Sou um homem simples e direto, que amo os meus amigos.”
(…)
“Este era César! Quando aparecerá outro como ele?”
Ah, se houvesse um Marco Antonio em nossos dias, com tantas mortes sentidas, o que um personagem como ele não faria?…
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado, formado pela Universidade de São Paulo – USP, jornalista e consultor ambiental. É Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados, integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional (Paris), membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, sócio-fundador e membro do Conselho Consultivo da União Brasileira da Advocacia Ambiental – UBAA, Vice-Presidente Jurídico da API – Associação Paulista de Imprensa. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View