A LAMA DA SAMARCO É A LAMA DO BRASIL

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Lama da SAMARCO chega ao oceano … (foto Lordello/Mosaico)

 

Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro

 

A lama da SAMARCO, mineradora controlada pela VALE e BHP Bilinton, atingiu o litoral e, agora, tinge o Oceano Atlântico…

No caminho, da barragem rompida até o mar, a lama da SAMARCO enlameou paisagens, vilas, cidades, rios, vales, corpos…

Também enlameou governos, órgãos de regulação e fiscalização, políticas públicas, partidos políticos, políticos de carreira, políticos sem carreira, políticos sem partido, causas ambientais, ambientalistas sem causa, imagens corporativas, currículos profissionais, mídias midiáticas, midiáticos sem mídia, autoridades e credibilidades.

A lama da SAMARCO é a lama do Brasil.

A lama da SAMARCO matou pessoas, matou animais, liquidou ecossistemas, destruiu floras, riscou do mapa famílias, propriedades, pequenas e grandes economias. Enxovalhou a vida nos estuários e corais.

A Bacia do Rio Doce é a quinta maior bacia hidrográfica brasileira, abrange dois Estados (Minas Gerais e Espírito Santo) e tem tamanho equivalente a vários países da europa (área de 83.400 km²). Esse mundo todo desagua no Oceano Atlântico. No entanto, essa grandeza territorial revelou-se administrada por pigmeus.

A lama da SAMARCO revelou o quanto pode ser pernicioso o financiamento privado de campanhas eleitorais. A vida de crianças, velhos, pais e mães de família – foi sepultada pelo silêncio cúmplice de lideranças políticas que não poderiam – até mesmo pela posição que ocupam no cenário nacional – se calar, e mesmo assim covardemente o fizeram.

A lama da SAMARCO revelou a incompetência nacional – a falta de profissionalismo público e privado. A grande arrogância de gente muito pequena.

Restou uma sensação de absoluta impunidade no ar… e de desesperança e desamparo, na lama.

Como velho profissional, tenho a sensação, que percebo ser partilhada por outro experiente profissional com o qual já trabalhei – o biólogo Mário Moscatelli, que tudo o que fizemos e ainda fazemos, em prol da melhoria da performance na resolução de crises ambientais, não é registrado pelas gerações de profissionais que se seguem.

Estaríamos diante de uma geração de seres absolutamente incapazes de aprender com a experiência passada, com a experiência alheia e até mesmo com a própria? Se positiva a resposta, não há outra classificação possível – quando essa incapacidade causa tamanha tragédia: idiotas, desmemoriados, arrogantes e incompetentes!

Enquanto isso, afundam na lama da SAMARCO as economias pessoais, economias locais, economias regionais, circuitos econômicos e a macroeconomia de toda uma bacia – até mesmo do litoral.

O judiciário mostrou, também, a que veio: para nada!

Lenta, hesitante, despreparada, desaparelhada – a justiça, mais uma vez, tardou, tarda e falha. Magistrados, promotores, procuradores e advogados se engalfinham sem nada resolver. Pouco contribuiram, até agora, para a “Administração da Justiça” – como reza a Constituição.

Multas, valores, tempo, modo e condições de cumprimento de obrigações… passíveis de serem emergencialmente acertados, quando a pluma de poluição ainda estava circunscrita às primeiras cidades mineiras, houveram que esperar fins de semana, feriados, expedientes forenses, disponibilização de helicópteros, entrevistas na mídia… e, como a lama da SAMARCO, desaguaram no oceano, afogando a credibilidade do direito ambiental brasileiro…

A engenharia nacional, da mesma forma que o Direito, protagonizou outro papelão. Bóias de contenção de óleo apostas para conter coluna de lama, como mostrado em fotos e vídeos na TV, deveria ser caso para processo administrativo no Conselho Regional de Engenharia…

A ausência de planos eficazes de contingência, de emergência, de defesa civil, de resgate de fauna, inctiofauna, flora, prevenção e proteção de fontes e mananciais, revelou algo já sentido na última copa do mundo: só tiramos onda… mas, quando o jogo é pra valer, tomamos de sete…

Tomamos de goleada da poluição e dos poluidores. E vamos dar a eles o premio da impunidade.

Quanto aos mortos – ainda desaparecidos – permanecerão na cova quilométrica, vermelha e cimentada, que só será removida por britadeira, após a seca.

A lama da SAMARCO é a lama que nos cobre a todos de vergonha neste brasil. Um Brasil cujos governos matam, por incúria, cinquenta e seis mil pessoas por ano, vítimas da criminalidade, enquanto seus militantes imbecis reclamam do fato de pessoas de bem se solidarizarem cento e vinte e nove mortos no atentado de Paris… Um Brasil que nos faz chorar, a todos, pelos danos ambientais ocorridos com o desastre de Mariana, enquanto verbas – que deveriam ser dedicadas ao socorro das vítimas – pagam manifestação de solidariedade às mineradoras envolvidas na lama, na própria Mariana, com apoio de autoridades locais. Um Brasil que assiste a eventos carregados de pompa, egocentrismos e vaidades, lotarem resorts e centros de convenções, com gente perfumada e engravatada, deslumbrada consigo própria, para falar de meio ambiente… sem que sequer um desses “míseros” janotas pisem na lama, para estender a mão a uma vítima do desastre – e ainda consigam fazê-lo com coragem e competência. Um Brasil que forma profissionais, que querem ganhar dinheiro com direito, engenharia e gestão ambiental, sem procurar, antes, pelo menos aprender a trabalhar…

Os portugueses acreditavam, ao direcionarem o esgoto das cidades coloniais para os rios, que invariavelmente passavam “nos fundos” das casas, que “a água a tudo lava, a tudo leva”… e o resultado todos nós testemunhamos hoje.

A lama, porém, nada lava, nada leva – só atola, afoga, conspurca e abodega.

A lama da SAMARCO não é causa, é resultado do rompimento das barragens da imoralidade, com a liberação de todo tipo de rejeitos, que hoje ocupam o cenário nacional e contaminam o ambiente no Brasil.

Como disse outro velho amigo e professor, antropologo Mauro Cherobin, o Rio Doce prova o amargo de nossa triste realidade.

 

afppAntonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor- Chefe do Portal Ambiente Legal, do Mural Eletrônico DAZIBAO e responsável pelo blog The Eagle View.


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