A judicialização dos conflitos ambientais

Breve análise e possíveis soluções para o problema

novo-codigo-florestal-jurisprudencia-construcao-app-cursos-cpt

 

Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*

Por ser de natureza difusa, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é intrinsecamente conflituoso.

Essa conflituosidade contamina toda a cadeia de inter-relacionamentos sócio-ambientais e institucionais de qualquer atividade econômica potencialmente poluidora, seja no momento do seu licenciamento pelo órgão ambiental, seja no transcorrer de sua atividade impactante.

Não raro, os conflitos decorrentes da análise e implantação de atividades potencialmente poluidoras terminam desbordando para judicialização, não significando, contudo, este fato, efetiva resolução do conflito.

A busca pela proteção do direito difuso ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, pela via da judicialização, tem atormentado gestores ambientais, economistas e juristas, pois patente a pouca eficácia da tutela judicial na resolução dos conflitos. Pelo contrário, a perenização observada ao longo de morosos processos, perícias inconclusivas e decisões liminares que se perpetuam sem que ocorra uma decisão definitiva transitada em julgado, produz intensa insegurança jurídica.

A judicialização constitui uma grave transferência de tutela de conflitos entre esferas de competência e atribuições institucionais. Ela corta o ciclo natural da resolução de questões controvertidas por meio da própria relação entre os atores sociais, retira autoridade dos organismos legalmente competentes para resolver o conflito no âmbito da Administração Pública, suprime o protagonismo dos corpos intermediários da sociedade civil organizada, submete a condução da matéria conflitada (e seus atores), à tutela de agentes estranhos à causa e adstritos a padrões formais e burocratizados de conhecimento. Por conta do necessário contraditório, a judicialização altera proporcionalidades e contextos.

A judicialização também introduz uma massa de elaborações teóricas, quase sempre desconectadas com a verdade real originalmente buscada pela tutela.

Não raro, investimentos deixam de ocorrer pelo temor da indefinição.

A judicialização do próprio processo orgânico de análise, avaliação próprios da Administração Pública, no bojo do licenciamento ambiental, não significa, via de regra, efetiva resolução do conflito, ou mesmo de um conflito…

Soma-se ao horizonte nublado pela morosidade judicial, o uso do expediente para atender a desmandos e interesses político-ideológicos, geralmente de natureza biocentrista. Não raro, observa-se a busca de tutela judicial para simplesmente obstruir a própria análise do empreendimento pela autoridade competente e a sua continuidade, sem qualquer preocupação com a finalidade do licenciamento ou ainda com a viabilidade da obra.

Intervenções dessa natureza, provocadas por agentes cientes da morosidade judiciária, costumam abranger questionamentos técnicos muito específicos e sem relevância, cuja dúvida só poderia ser dirimida após extensa discussão teórico-científica na fase pericial do processo. Perícias técnicas reduzem a ação célere do Poder Judiciário, e envolvem o julgador em um mar de posicionamentos técnicos de difícil interpretação.

Ainda que legítima a judicialização, pelo histórico dos conflitos observados ao longo de períodos largos, constata-se que a tutela é provocada por entidades ideologicamente comprometidas, muitas vezes buscando com o fato afirmar-se no contexto político. O interesse real na resolução do confito em causa, salvo raras exceções de praxe, acaba protagonizado pelo Ministério Público – geralmente instado por aquelas entidades a buscar a tutela judicial.

Empreendedores interessados na consecução dos projetos impactantes, por outro lado, também contribuem para a judicialização dos conflitos – quase sempre orientados pela pressa, pela premência imposta por cronogramas financeiros e físicos insertos no ritmo de projetos que são implementados sem o devido planejamento de risco, de análise jurídico-institucional, que pudesse prever naturais entraves.

É comum a impetração de mandados de segurança para concessão célere de licenças. Acredita o impetrante, erroneamente, que a obtenção de uma licença ambiental constitui mera etapa burocrática formalmente satisfativa (e não materialmente satisfativa).

Persiste na iniciativa privada um entendimento de constituir a licença ambiental uma resposta à apresentação de um conjunto de documentos. De fato, não se cogita no meio privado, da possibilidade de ocorrer indeferimento licença. Essa cultura acaba por também transferir ao Poder Judiciário toda gama de indefinições que deveriam ser analisadas, debatidas e equacionadas ANTES da propositura do projeto ou, apontadas com melhor clareza no processo administrativo de licenciamento ambiental.

O histórico das estatísticas nos dão informações preciosas quanto à efetividade de tutelas pretendidas com a judicialização.

A probabilidade de que um pedido de liminar paralise efetivamente um empreendimento é de quase zero por cento. Enquanto apenas 7% das liminares são totalmente negadas, 60% dos pedidos antecipatórios são concedidos, segundo pesquisa informada pelo Jornal O Globo, de 28 de janeiro de 2007.

Por outro lado, a Procuradoria do Estado de São Paulo informa que quase 90% das ações civis públicas ambientais ajuizadas contra o governo, com decisão em segunda instância, terminam julgadas improcedentes. Esses dados foram obtidos no transcorrer do Estudo realizado pelo Banco Mundial sobre a eficiência do licenciamento ambiental para empreendimentos hidrelétricos, no ano de 2008. Esse quadro de contradições dá a dimensão da insegurança jurídica decorrente da judicialização dos conflitos.

O Poder Judiciário tem buscado responder à essa demanda, implantando varas ambientais especializadas, designando magistrados mais afetos à área, para produzir decisões mais eficientes. Exemplo disso é a existência, no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, das Câmaras Especiais de Meio Ambiente, compostas por desembargadores especialistas na área, que uniformizam entendimentos e agilizam decisões na segunda instância no Estado.

No entanto, o risco do engessamento ideológico, decorrente da infiltração da praga biocentrista no seio do judiciário, torna-se muito grande…ainda que se observe boa performance na atividade dos órgãos judicantes especializados. Também é fato que os tribunais superiores têm acordado para a questão.

Câmaras de Mediação e Conciliação de Conflitos Ambientais no âmbito do Poder Judiciário, podem, por outro lado, garantir tutela mais eficaz.

Em função da natureza técnica dos litígios que emergem no processo de licenciamento, é comum, a partir do aprendizado com a prática internacional, a progressiva utilização de painéis técnicos ou audiências públicas, visando esclarecer pontos controvertidos, permitindo melhor resolução do conflito. Esse procedimento é adotado tanto na esfera administrativa como na judiciária.

Nos Estados Unidos, um painel especialmente constituído para dirimir questões técnicas, encontra-se regulamentado na legislação do licenciamento ambiental.

A diretriz sobre estudo de impacto ambiental do Banco Mundial sugere que, para projetos que sejam de alto risco ou muito controversos, e que envolvam preocupações multidimensionais ou sérias de ordem ambiental, é recomendável a constituição de um painel consultivo independente, formado por especialistas ambientais reconhecidos internacionalmente, para abordar todos os aspectos do projeto relevantes para a avaliação ambiental.

O Canadá também utiliza esses painéis, sendo que o IBAMA, no Brasil, chegou a esboçar a criação de Câmaras de Resolução de Conflitos Ambientais, na gestão da Ministra Marina Silva, sem, contudo, ter a iniciativa resultado em atividade concreta (mesmo porque a ministra e sua equipe sofriam de biocentrismo crônico…).

O fato é que, no Brasil, a atividade de mediação na área ambiental encontra uma barreira que beira a imbecilidade: a crença na “indisponibilidade” do meio ambiente.

Essa certeza, contudo, não resiste a três questões:

Sendo a tutela constitucional dirigida a um conceito de equilíbrio ecológico, bem de uso comum do povo. E constituindo o equilíbrio ecossistêmico, por princípio, um processo dinâmico, envolvendo interrelação de processos e ambientes diversos;

1-Que “meio ambiente” é indisponível?

2- Como se obtêm equilíbrio num ecossistema dinâmico, tornando o bem jurídico em causa ¨indisponível”?

3- A quem servirá a indisponibilidade em causa?

Nosso legislativo, portanto, deveria superar interesses corporativos localizados e, decididamente, permitir a estruturação de meios mais eficazes de resolução de conflitos ambientais por meio da mediação, do equacionamento dos pontos controvertidos, pela atividade de câmaras técnicas administrativas e, mesmo, pela arbitragem.

Assim, teríamos uma maneira de efetivamente focar os esforços institucionais na busca de SOLUÇÕES ambientais e, não, desperdiça-los no labirinto nada eficaz da judicialização.

 
afpp2*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). É sócio-diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados (PPA). Desde 1985 dedica-se à advocacia especializada em Direito Ambiental. É também membro do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, prestador de consultorias à ONU e Banco Mundial, com vários projetos já concluídos. É editor-chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo Blog The EagleView.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Desenvolvido por Jotac