A ilusão bolsonarista e o verdadeiro compromisso com o Brasil
É preciso resgatar o projeto que elegemos em 2018
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
Populismo é uma droga perigosa – cega os olhos dos dirigentes, estimula a autocracia nos tolos, aguça a visão dos aproveitadores, incentiva a bajulação barata, reduz consideravelmente a inteligência funcional do governo e destrói a reputação dos assessores.
Em Brasília, a pindorama dos ensimesmados, há quem faça o diagnóstico realista que o governo Bolsonaro, acometido pela Síndrome de Janus, procura de toda forma arrancar o rosto racional que possui. Parece querer substituir a governança pelo personalismo.
De fato, o rosto técnico e estratégico do governo parece vencido pela urgência ditada pelo rosto desfigurado do populismo autocrata, empenhado unicamente no desfazimento do sistema político pluralista para consolidar um projeto de reeleição. Uma verdadeira traição aos pressupostos da candidatura Bolsonaro em 2018.
Parece que toda a agenda estruturante do governo sucumbiu no leito caudaloso da obsessão populista pelo poder, movida por interesses autocráticos incensados pelos bajuladores da república (casta essa em permanente renovação…). Posto isso, a competência tecnocrática que parecia reger a condução das ações de Estado, desapareceu no mar das indefinições de ocasião, emanadas da liderança reativa e suscetível do próprio presidente.
O diagnóstico é geral: poucas pastas realmente funcionam bem.
Agricultura, funciona 100%, vinculada totalmente aos ditames do agronegócio e da indústria de insumos agrícolas – incluso a de agrotóxicos. A gestão conta com personalidades problemáticas na área fundiária, mas tem à testa uma habilíssima ministra – Tereza Cristina.
Infraestrutura segue em céu de brigadeiro. A pasta é turbinada principalmente pela não interferência do presidente, que habilmente permite que o ministro Tarcísio siga obedecendo a um histórico cronograma de implementação de projetos mantidos na prateleira, prontos e acabados – aguardando apenas a execução. Alguns desses projetos desenhados na década de 1970 com o Plano Nacional de Viação, outros postos no período lulopetista com o Plano de Aceleração do Crescimento – todos, porém, avaliados e selecionados pelo próprio Ministro Tarcísio, quando este ainda ocupava cargo no DNIT na gestão do PT. Essa continuidade do mesmo quadro em área sensível a mudanças foi um lance importante para o sucesso da pasta.
Justiça se impôs com a estrutura de autonomia da Polícia Federal – disposta na gestão de Sérgio Moro e não alterada com o novo ministro – cuja máxima discrição permite que sequer o nome dele se guarde…
Desenvolvimento Regional, mesmo enfrentando problemas e resistências com a sua enorme burocracia, remanesce submetido a uma gestão extremamente técnica e torna-se referência por se encontrar no cerne das principais reformas legais em curso no Estado – como é o caso da previdência, do saneamento básico e do regime tributário federativo.
Economia é a grande base. Mantida com mão de ferro pelo excelente Paulo Guedes – ainda que submetida a um programa bastante fiscalista e conservador, forma a base das ações responsáveis do governo e aguarda a chamada reação em “V” da economia. No entanto, Guedes parece ser a próxima vítima do rosto populista do governo Bolsonaro, e o motivo será discutido ali adiante.
Energia, Ciência e Tecnologia… não decepcionam.
Calculam os bolsonaristas que o trio formado pelos ministros da Agricultura, Infraestrutura e Desenvolvimento Regional – irrigado pelos benefícios emergenciais decididos no período de pandemia, deve sustentar o governo Bolsonaro até o final do mandato, alavancando uma provável reeleição.
Esses ministérios formam a base do projeto de reeleição – antes mesmo de se completar o segundo ano da atual gestão. Segundo uma postagem recente em rede social do jornalista Hugo Studart, “eles representam o Brasil Profundo, o verdadeiro país que emerge para além das megalópoles”. Um exemplo concreto seriam as novas rodovias – que estão seguindo as necessidades do escoamento da safra e das novas indústrias que atendem a demanda do agronegócio.
Lendo a postagem do Studart, confesso que me senti nos anos 1920, em plena República Velha – antes da crise de 1929… com o Presidente Washington Luís sentenciando que “governar é construir estradas” e “questão social é caso de polícia”. A aristocrática República Velha, porém, não sofria de populismo, embora montada no coronelismo.
Acreditam os Bolsonaristas que, se for isso mesmo, com o governo imerso no populismo descarado e montado no novo coronelismo propiciado pelo “Centrão”, há chances do país seguir para algum lugar, “apesar da Peste do Apocalipse que ora diz controlar a Economia” – como apelidam o Ministro Paulo Guedes, que não é nada ligado àqueles movimentos, augurando que “quanto mais cedo ele cair, mais chances haverá de ocorrer algum crescimento do setor produtivo real”.
Com efeito, isso é pura ilusão bolsonarista (aliás, para outros, isso é puro pleonasmo…).
Não, meus caros. Não se mantém um paraíso populista contando com esse tripé Agricultura-Infraestrutura e Assistencialismo. É preciso uma catarse que, no segundo momento, nos leve a algum desastre…
De fato, o grande impulsionamento observado na infraestrutura, com todos os méritos devidos aos que hoje administram a pasta, atende claramente à logística das commodities que sustenta nossa economia. Representa projetos que transcendem a atual gestão e se firmaram no bojo de uma economia internacional. Afora isso, há a demanda por energia, abastecimento e saneamento. O nosso país, de fato, está “condenado” a prosperar como polo produtor agrícola.
Os ministérios que formam o tripé, na verdade, seguem agendas próprias – desengajadas da agenda bolsonarista. Seguem caminhos já pavimentados por relações transcendentes no comércio internacional, no planejamento estatal e de parcerias de investimento já projetadas em gestões anteriores e, no caso da economia – com base na escola liberal mantida por um grupo de economistas que efetivamente se engajou na reforma do Estado brasileiro – ainda que hoje expressem profunda frustração com os rumos adotados até agora – que desestimulam qualquer planejamento.
O que pode fazer esse projeto ruir nos dois pontos, o da agricultura e o da infraestrutura é justamente o populismo bolsonarista e suas catarses idiotas. Exemplos não faltam, como a “sinofobia”, o engajamento burro aos interesses comerciais norte-americanos e a perda da credibilidade de nossos produtos pela sucessão de bobagens produzidas pelos ministérios engajados no “rolando-lerismo” – lotado de palavras vazias, como é o caso “exemplar” da gestão ambiental.
O Brasil repousa em uma geografia tão acidentada quanto privilegiada. Seu rosto são os grandes biomas, a começar do amazônico, as grandes bacias hidrográficas interligadas e sua fantástica costa atlântica. Isso tem valor internacional – afirmar soberania sobre esses bens significa controlar territorialmente esses biomas e recursos de forma sustentável.
A perda de credibilidade internacional é um fator de grave instabilidade para o comércio de nossas commodities. O obscurantismo proselitista, por outro lado, afasta investimentos.
Grandes capitais suspenderam seus aportes, recentemente, por conta da sucessão de discursos agressivos das hostes bolsonaristas contra asiáticos e europeus, seguido de certa paralisia nos processos de flexibilização da burocracia – em especial na área tributária.
Para se ter ideia, os Japoneses estão fechando operações que mantinham por aqui há pelo menos quatro décadas. Os chineses pisaram no freio com as companhias “epecistas” e de saneamento que tudo tinham para fazer o quadro do saneamento mudar para melhor no Brasil… Da mesma forma as empresas europeias, preocupadas com um discurso bastante dúbio no que tange à estabilidade política do País.
Há uma constatação: o planejamento desapareceu do governo… e não se vê um único projeto claro de reforma nacional, ao contrário do prometido em campanha. O que há de vantajoso e importante, além da execução nos ministérios do tripé, é a ausência de escândalos de corrupção e a redução sensível nos índices de criminalidade – o que não é pouco mas… não é um projeto transformador e, sim, uma ação de saneamento da estrutura burocrática e social tal como já está.
Sejamos francos. Na verdade, o grande braço que está sustentando e ampliando a base popular de apoio ao governo é o auxílio emergencial. Vale dizer: voltamos ao populismo lulista de maneira reversa.
Esse assistencialismo age como droga viciante. E é essa droga que pode vir a derrubar o Ministro Guedes – empenhado em “aterrissar suavemente do auxílio emergencial”… contra a vontade do líder embevecido pelos números das pesquisas de popularidade – que, aliás, antes abominava.
Agora, o que faz a diferença e revela o estadista é seu comprometimento com as gerações futuras. Esse comprometimento tem nome: educação, saúde, sustentabilidade e segurança.
Nesse ponto – o governo parece ter se tornado um deserto de ideias e um fracasso de execução.
Sem um plano eficaz, uma diretriz com densidade e quadros capazes de conferir materialidade às ações nesses campos tão caros à Nação, o governo irá, aos poucos, se despir de credibilidade… até não mais poder se sustentar no tripé – já bastante frágil, que hoje mantém, por vetores alheios á sua vontade, como já visto.
Não devemos nos iludir. Se isso não for corrigido, em breve alguém notará a “nudez” do mandatário.
Bajular o governo, distribuir insultos enlatados e mensagens ufanistas em redes sociais, com certeza, não é apoiar o projeto que elegemos em 2018 – que é muito maior que o interesse eleitoral do mandatário de plantão.
Confio ainda nos ministros de origem militar, que compreendem perfeitamente o que aqui está escrito. Confio nos gestores responsáveis que não aceitaram o desafio de gerir a máquina estatal para atender apenas a uma aventura política dessas que se esquece ali na esquina. Desviar o rumo é descambar para o que já vimos (e sofremos) em vários momentos de nossa história.
É preciso resgatarmos o projeto de alavancagem da Nação, de reforma estrutural do País. Isso sim, é compromisso com o Brasil.
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View”. É Consultor Jurídico da Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos – ABREN.
Fonte:: The Eagle View
Publicação Dazibao, 29/09/2020
Edição: Ana A. Alencar