A Encíclica Fratelli Tutti e a Democracia
Por Fabio Pugliesi*
A Encíclica Fratelli Tutti permite-nos analisar diferentes questões e neste artigo relaciono com as possibilidades de mais e melhor democracia.
A palavra democracia é citada apenas duas vezes, mas os atributos e possibilidades do regime de governo e seus aspectos relacionados à integração social estão em todas as partes.
Ainda assim, o Papa usa o termo “democracia” para se opor ao fenômeno do populismo, considerado uma fraude contra a democracia.
No populismo a técnica de governar busca gerar a lealdade emocional ao líder (eleito ou não) e a identificação de seus seguidores com sua imagem, facilitada pelas redes sociais.
É claro que a representação vista sob esse prisma tem pouco ou nada a ver com a promulgação de leis, fruto de debates parlamentares que devem ser baseados em argumentos racionais em constante referência à realidade.
A democracia, porém, depende da organização de um aparato estatal e a Encíclica Fratelli Tutti busca exortar a democracia do ponto de vista do povo e abstrai aspectos necessários à governança do Estado que não podem se basear exclusivamente na boa vontade do ser. humano.
Nestes momentos desafiadores da pandemia COVID-19, clássicos, como a Política de Aristóteles, permanecem uma referência segura para refletir sobre nossas suposições.
Como sabemos, as boas formas de governo, segundo a Política e reproduzidas com pequenas variações em outros clássicos da filosofia política, são Monarquia, Aristocracia e Democracia. Por sua vez, a corrupção destes são tirania, oligarquia e demagogia.
Permitam-me salientar que a demagogia tem características em comum com o populismo, que poderíamos chamar de sua manifestação moderna.
Ressalte-se que a autoridade do Estado por meio das formas de governo não é um vazio, mas se relaciona com outros elementos do Estado como o povo e sua cultura, bem como as peculiaridades geográficas de seu território que condicionam a atividade econômica organização social.
Deve-se destacar que a revolução industrial permite reduzir a determinação da natureza na atividade econômica e tem viabilizado a afirmação histórica dos direitos humanos, expressos na fórmula “liberdade, igualdade e fraternidade” que deu início a nossa era de direitos.
Parece-me que a Encíclica Fratelli Tutti também reflete no Papa Francisco uma ética de responsabilidade, no sentido weberiano, enquanto Chefe de Estado do Vaticano busca manter a fé, a estrutura e o funcionamento da Igreja Católica Apostólica Romana quando se refere ao diálogo. com outras igrejas.
O Estado do Vaticano tem um território fictício ou simbólico e um povo desarmado, segundo o Evangelho de Cristo. Ainda é um estado com um governo que tem autoridade sobre quem tem ou reconhece a religião católica apostólica romana e seus valores que se confundem com a História das Américas.
A Encíclica Fratelli Tutti, ao se referir aos Estados Nacionais, destaca seus limites, assimetrias e a necessidade de governança internacional, bem como a revisão do processo decisório nas Nações Unidas.
A experiência da pandemia COVID-19 mostrou que um problema global sobrecarrega os sistemas nacionais de saúde que dependem do funcionamento da economia e dos recursos arrecadados da população pelos Estados nacionais.
Isso mostra que a governança internacional depende também da transferência de recursos aos países por meio de trocas internacionais mais equilibradas e, como aponta a encíclica, da criação de fundos internacionais para compensar perdas e a manutenção do ambiente global.
Quanto à necessidade de trabalho na América Latina, ainda é necessário que os Estados superem a exclusão por meio de políticas de educação e reeducação que precisam ser atualizadas tendo em vista a difusão das redes neurais de computadores, utilizadas no chamadas de “inteligências artificiais”, que sucateia o conhecimento técnico dos trabalhadores incluídos até agora e exacerba a desigualdade social.
Acredito que também são necessárias políticas fiscais que reduzam os impostos sobre o consumo e o custo de transação de bens e serviços, bem como mudanças nos sistemas de governo republicano.
Considerando que atribuo ao termo república o sentido original que lhe é atribuído pela Política de Aristóteles e não sinônimo de “democracia”, passo a considerer outro aspecto.
Segundo Aristóteles, a república é a mistura entre a domocracia, a boa forma de governo do povo, e a oligarquia, a forma de governo dos ricos, para que os ricos, por estarem mais livres do trabalho, tenham mais tempo para cuidar dos negócios. públicos, e o povo a partir do exemplo dos ricos buscaria enriquecer como um todo e ao mesmo tempo participar do poder.
Como ensinava Aristóteles, a mistura de domocracia e oligarquia pode ser usada para criar infinitas formas de governo e tornar possível a solidariedade exigida pelo Papa Francisco.
Os pressupostos da reinvenção do governo devem ser, todavia, o sistema representativo na elaboração das leis e a fiscalização dos órgãos do Estado, a disciplina da participação direta nas decisões, a aplicação da ordem jurídica por juízes independentes, o respeito pelos direitos humanos fundamentais , liberdade de imprensa, liberdade de iniciativa e concorrência.
*Fábio Pugliesi é advogado em São Paulo e Santa Catarina. Membro do Instituto dos Advogados do Estado de Santa Catarina (IASC). Doutor em Direito, Estado e Sociedade (UFSC), Mestre em Direito Financeiro e Econômico (USP), Especializado em Administração (FGV-SP), autor do livro “Contribuinte e Administração Tributária na Globalização” (Juruá) e professor em cursos de graduação e pós-graduação. Colaborador dos portais Ambiente Legal e Dazibao. Blog Direito Financeiro e Tributário. Twitter: @FabioPugliesi.
Publicação Dazibao, 10/11/2020
Edição: Ana A. Alencar